É noite de segunda-feira, 25 de julho. Sentada na frente da webcam, uma adolescente lê em voz alta a quantidade de pessoas que assistem ao vivo à transmissão: “989, 994, 1.004!” Ela mostra um sorriso meio nervoso e adverte: “Só vou deixar ela fazer se ficar acima de mil.” O número se estabiliza e, de repente, uma outra menina “também de traços infantis” aparece seminua num canto da tela, mostrando os seios e a calcinha enquanto dança funk em poses sensuais.
A cena registrada na última quarta-feira não é caso isolado no universo dos adolescentes brasileiros. A moda de se exibir em câmeras na internet vem crescendo entre os jovens. Grande parte dos pais não sabe disso. Todas as noites é possÃvel encontrar dezenas de câmeras transmitindo ao vivo cenas de adolescentes que, sem serem forçadas ou ganhar algo por isso, mostram o corpo em troca de audiência.
O programa utilizado para as transmissões é o Twitcam. Com ele, a interação ocorre em tempo real e não são raras as coações de conotação sexual, mesmo quando os jovens do vÃdeo afirmam ter menos de 14 anos.
Entre as práticas mais comuns há a promessa de tirar uma parte da roupa quando os espectadores ultrapassarem um certo número. Há até comunidades no Orkut que listam os endereços eletrônicos de transmissões dos adolescentes e incitam outros visitantes a acessarem os links para aumentar a audiência. Os mesmos grupos chegam a divulgar regras básicas para os voyeurs como, por exemplo, não constranger as meninas para não assustá-las ou xingar quem está tirando a roupa muito devagar.
Na semana passada, um caso desse tipo teve repercussão nacional, mas é apenas a ponta do iceberg. Dois adolescentes gaúchos foram apreendidos após se masturbarem diante da câmera do computador. Os pais, que não sabiam de nada, ficaram boquiabertos. Os jovens estão sujeitos a cumprir medida socioeducativa. O Ministério Público Federal prometeu ir atrás de todos que baixaram as imagens.
Novidade. A situação é tão nova que as próprias autoridades não sabem como combatê-la. O MPF agiu no caso do Rio Grande do Sul por causa da repercussão, mas, alertado pelo Estado sobre a dimensão do problema, o próprio órgão reconheceu que não fazia ideia de que essa prática de autoexibição fosse tão comum.
Para o delegado Marcelo Bórsio, do Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil na Internet da PolÃcia Federal, a ação das autoridades pode esbarrar na falta de definição do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) em relação aos crimes cibernéticos. “Os sites são responsáveis pelos conteúdos transmitidos e devem ser acionados. Há brechas na lei que permitem que os espectadores visualizem as cenas sem serem responsabilizados”, afirmou.
Essa situação preocupa os pais. “É difÃcil controlar os filhos na internet. Mas no nosso tempo a gente fazia coisas que nossos pais nem imaginavam. As meninas ficam no quarto delas na internet e não sabemos o que está acontecendo”, diz o professor universitário Herom Vargas, pai de duas adolescentes, uma de 15 e outra de 12 anos.
Fonte: Estadão, 1 ago 2010