Quem é pai ou mãe tem preocupações constantes, não importa a idade de seus filhos. Porém, nos últimos anos, não existe assombração maior para familiares do que o fantasma do crack – droga derivada da cocaÃna, adaptada para ser fumada, o que torna seu efeito rápido e devastador no organismo do consumidor. O vÃcio acontece numa velocidade absurda; pesquisas apontam que em um mês o usuário passa de eventual a dependente. E os pesadelos começam: veloz perda da realidade, necessidade cada vez mais frequente de consumir a droga, e também ergue-se uma barreira de convivência entre o usuário e sua famÃlia, afinal ele não consegue se relacionar mais com as pessoas.
Considerada em passado recente droga das populações menos favorecidas, o perfil do usuário vem mudando a cada ano, atingindo todas as classes sociais. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, entre 2006 e 2008, o número de usuários de crack com renda familiar acima de 10 000 reais aumentou 139,5%. Em algumas das mais caras clÃnicas particulares de tratamento de dependências quÃmicas em São Paulo, cerca de 60% das internações são de usuários de crack.
Segundo dados da Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes (Jife) — órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) — o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de maior consumidor mundial dessa droga e tem a principal rota de tráfico internacional de cocaÃna no Cone Sul.
O vÃcio em crack tornou-se um caso de saúde pública que está beirando nÃveis epidêmicos e é um enorme desafio para as autoridades brasileiras. Em maio passado, o governo federal lançou um plano de tratamento e combate à droga, que é mais uma releitura do programa anunciado em junho do ano passado, que não foi implementado. A meta do governo desta vez é investir 410 milhões de reais e dobrar de 2 500 para 5 000 o número de leitos para dependentes quÃmicos no Sistema Único de Saúde (SUS), criar abrigos e centros para apoiar usuários e capacitar professores da rede pública para lidar com os jovens dependentes.
Se o governo conseguir implantar o que promete já será um avanço. Pequeno, mas insuficiente. Cientistas vêm pesquisando formas inovadoras de tratamento, porém, não há informações de que o sistema público de saúde esteja adotando esses novos tratamentos. Embora o assunto já esteja sendo abordado na Câmara e no Senado, que aumentou para 100 milhões de reais a verba destinada ao tratamento de dependentes de crack, ainda é muito tÃmida a iniciativa no âmbito de polÃticas públicas. Deve haver incentivo para a produção de pesquisas inovadoras nos tratamentos; apoio à s universidades para implementação de centros de referência; garantia de apoio multidisciplinar como psicológico e assistência social para usuários e familiares; entre outras iniciativas.
É importante se avaliar o aspecto social nos tratamentos, visto que o crack, por ser ilÃcito, é distribuÃdo em um cenário de marginalidade e violência. Para conseguir saciar o vÃcio, o usuário perde a noção do perigo e envolve-se constantemente em situações de alto risco. Segundo dados da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp –, a mortalidade associada ao crack é de 30%, sendo que metade das vÃtimas morre em confrontos violentos com traficantes ou policiais, e isso deve ser levado em conta na hora de planejar o tratamento adequado para cada usuário.
O avanço da droga na infância, segundo um levantamento da Secretaria de Saúde de São Paulo, mostra que, em dois anos, dobrou o número de crianças e adolescentes em tratamento contra a dependência de crack. Há casos de crianças com 10 ou 11 anos, viciadas na droga, o que está levando a outro grave problema: mães desesperadas estão prendendo seus filhos com cadeado e corrente para afastá-los do crack.
A cura é possÃvel, como demonstram vários relatos de ex-usuários publicados nos veÃculos de comunicação, mas não é fácil e pode levar anos. Ainda há o risco de recaÃda. Segundo grupos de ajuda como os Narcóticos anônimos, deve haver controle a vida inteira. A famÃlia tem papel fundamental na recuperação e manutenção da saúde de ex-dependentes e podem ajudar a exercer esse controle com equilÃbrio.
Fonte: Ricardo Young, na Carta Capital, 30 jul 2010