O mecanismo é, infelizmente, muito conhecido: os refletores acendem intermitentemente quando se trata dos diretos humanos em determinados paÃses. Todavia, é melhor que se mantenham apagados e não chamem atenção quando os lÃderes são sócios comerciais ou aliados estratégicos. Às vezes, é impossÃvel não chamar atenção e, então, surge a indignação frente ao “Satanás†de plantão, que deve ser derrotado com uma guerra. A história contemporânea está repleta de exemplos: os aliados de ontem se convertem, não se sabe como, em adversários irredutÃveis, como aconteceu com Saddam, Gaddafi e, agora, com Assad. Entre os que gozam de “um pouco da sombra†e do silêncio dos governos democráticos ocidentais está, por exemplo, o ditador eritreu IsaÃas Afewerki. Além disto, por detrás da fuga de migrantes da Europa, incluÃdos os que perderam a vida em Lampedusa, na semana passada, estão as terrÃveis condições de vida do povo eritreu. A maioria dos migrantes que perdeu a vida tentando chegar à costa siciliana provinha, justamente, da Eritreia.
[Andrea Tornielli, Vatican Insider, 8 out 2013; tradução do Cepat, publicado no IHU, 12 out 2013] O sÃtio web “Il Sismografoâ€, do qual se ocupam alguns jornalistas da Rádio Vaticana, como Luis Badilla, lembra – com um pouco de saudável realismo – o que está ocorrendo, isto é, a justa indignação frente ao enésimo massacre mediterrâneo, mas, ao mesmo tempo, diante de um silêncio ensurdecedor sobre as responsabilidades daqueles que matam de fome os povos de onde provêm estes migrantes.
“Nestes dias, em muitos lugares institucionais da Europa – escreveu Badilla – recorda-se das vÃtimas com ‘um minuto de silêncio’ (… talvez fosse apropriado somá-lo a muitos anos de silêncio). Seguirão falando sobre eles e isto é algo positivo, justo e necessário. Mas pouquÃssimos até agora, ou melhor, quase ninguém, lembrou com a força e valentia que por detrás da palavra “Lampedusa†se esconde outra: “Eritreiaâ€, um campo de concentração ao ar livre que existe há décadas… O ditador desta pequena nação do nordeste africano, IsaÃas Afewerki, encontra-se há 40 anos no poder (no qual se mantém através de todos os meios possÃveis, principalmente através daqueles condenados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem): primeiro como lÃder absoluto e implacável da Frente de Libertação da Eritreia e depois, desde 1993, como chefe de Estado e de governoâ€.
“Mais de 5 milhões de eritreus são seus reféns – continua Badilla – e, muitas vezes, são também aqueles que conseguiram fugir e viver em outros paÃses, mas para proteger seus familiares que ficaram em Eritreia devem pagar uma quantia aos agentes consulares de Afewerki. No entanto, este senhor (e seus colaboradores) é amigo de todos os governos democráticos mais importantes: Estado Unidos, Europa Ocidental e Centro Oriental, da Ãfrica e Ãsia. De acordo com as mesquinhas conveniências geopolÃticas que encontram nele um aliado momentâneo. Todos calam. Nenhum dos governos do mundo condenaram o governo de Afewerki, após os trágicos acontecimentos de Lampedusa, como, ao contrário, fizeram com os governos de outros ditadores do passado, como Mubarak, Gaddafi ou Bel AlÃ, em circunstâncias semelhantes. Da capital eritreia, Asmara, não pronunciou nem sequer uma palavra de dor ou de pêsames pela morte de mais de 300 filhos desta terra, que buscavam um pouco de pão, teto e alfabetização, que, junto com a liberdade, Afewerki, nega sistematicamente desde 1993. Enquanto isso, representantes de Asmara, nestes dias após a tragédia de Lampedusa, são recebidos pelos municÃpios e distritos, italianos e europeus, como “hóspedes de honraâ€.
A Anistia Internacional descrevia, cinco anos atrás, a situação do paÃs: “O governo proibiu os jornais independentes, os partidos de oposição, as organizações religiosas não registradas e, na verdade, qualquer atividade da sociedade civil. Cerca de 1.200 pessoas, que haviam feito pedidos de asilo para o Egito e para outros paÃses, foram presos ao chegar a Eritreia. Da mesma forma, milhares, entre prisioneiros de consciência e presos polÃticos, têm permanecido durante anos encarcerados. As condições das prisões são péssimas. Os considerados dissidentes, desertores ou os que se negam a prestar o serviço militar obrigatório (ou outros que se atreveram a criticar o governo) têm sido submetidos, juntamente com suas famÃlias, a castigos e humilhações. O governo reagiu peremptoriamente contra qualquer crÃtica em matéria de direitos humanosâ€.
Uma “vergonha da vergonha†é a situação dos cristãos, que sofrem primeiro por serem eritreus e depois pela sua fé. A Santa Sé, para tentar proteger as populações, privilegia o caminho da prudência nas declarações públicas (com o mesmo realismo que se usava nos tempos do nazismo e dos regimes comunistas; atitude que, por vezes, tem sido considerada controversa). A tragédia de Lampedusa poderia converter-se em uma oportunidade para começar a abrir os olhos frente a esta realidade esquecida.