Além de haitianos, grupos de muçulmanos e afegãos já entraram no paÃs pelo esquema dos ‘coiotes’
[Chico Otávio, O Globo, 3 jan 11] O governo brasileiro pediu ajuda à polÃcia peruana para enfrentar as quadrilhas dedicadas ao tráfico de pessoas na fronteira norte do paÃs. O ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, alertou que, além de haitianos, grupos menores de muçulmanos, incluindo afegãos, já entraram no Brasil pelo mesmo esquema, operado pelos “coiotes” mexicanos, conhecidos no paÃs por introduzir ilegalmente brasileiros e outros imigrantes pela fronteira dos Estados Unidos.
Ao contrário dos haitianos, que estão recebendo vistos humanitários, o governo age com rigor contra o tráfico de muçulmanos. Nos últimos dias, cerca de 100 deles, entre paquistaneses, indonésios e afegãos, foram deportados. Luiz Paulo Barreto disse que, para tentar burlar a polÃcia de fronteira, eles alegaram que pretendiam trabalhar com o abate halal, obrigação imposta a frigorÃficos brasileiros que exportam carne para paÃses árabes.
– Os frigorÃficos, de fato, chegaram a contratar trabalhadores especializados no abate halal, mas não os grupos que chegaram recentemente. Eles queriam apenas um pretexto para entrar – disse Barreto, que é representante do Ministério da Justiça no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare).
Em poucos dias, 550 haitianos entraram no paÃs
Dos últimos três dias de 2011 até esta segunda-feira, cerca de 550 haitianos entraram ilegalmente no Brasil por Brasileia, no Acre. A prefeitura do municÃpio estimava em 1.250 a quantidade de imigrantes daquele paÃs na cidade nesta segunda-feira. As autoridades de Brasileia temem que a situação da cidade fique caótica. O processo, iniciado depois do terremoto de janeiro de 2010 no Haiti, intensificou-se nos últimos meses, estimulado pelo crescimento econômico do Brasil e pelas oportunidades que o fenômeno oferece.
– Desde o jogo da seleção brasileira em Porto PrÃncipe, os haitianos passaram a prestar a atenção no Brasil. Uma das notÃcias que ouviram foi sobre a usina de Belo Monte, que iria contratar 25 mil trabalhadores de uma só vez – disse Barreto.
A aposta no Brasil também teria atraÃdo os “coiotes”. O ministro explicou que a atuação dessas quadrilhas na fronteira brasileira foi rastreada pelo serviço de inteligência da PolÃcia Federal e confirmada pelos próprios imigrantes:
– Os mexicanos oferecem a passagem ainda no Haiti. Pelo que apuramos, cobram de US$ 2 mil a US$ 5 mil aos interessados.
A rota, neste caso, começa pelo ar. Uma companhia aérea, segundo Barreto, opera voos regulares entre Porto PrÃncipe e Quito, no Equador, com escala em Santo Domingo, na República Dominicana. De Quito, os haitianos seguem pelo Peru, de carro, ônibus ou caminhão, até Tabatinga, no Amazonas, e Brasileia, no Acre, disse o ministro:
– O Equador tem uma tradição de cidadania global. Não exige visto de nenhum paÃs do mundo. Sabendo disso, os haitianos entram na América do Sul por Quito.
Embaixada do Peru confirma pedido
Logo que a presença dos coiotes foi identificada, o governo brasileiro pediu ajuda ao Peru para enfrentar o problema. O porta-voz da Embaixada peruana em BrasÃlia, Raul Menezes, confirmou pelo menos duas reuniões entre os ministérios das Relações Exteriores dos dois paÃses para discutir o assunto. Mas disse que não estava autorizado a revelar os detalhes dos encontros.
O governo brasileiro, afirma Barreto, não reconhece nos haitianos o status de refugiados polÃticos, por inexistir comprovação de eventuais perseguições sofridas por eles. Porém, optou por mantê-los com vistos humanitários:
– A imigração é meramente econômica. Eles não foram expulsos, mas o Brasil não quer incentivar uma diáspora no Haiti. Entende que o paÃs tem de ser reconstruÃdo pelos próprios haitianos.
Até agora, o Brasil já concedeu 2 mil vistos deste tipo a haitianos. Outros 2 mil estariam em fase de regularização, concentrados basicamente no Acre e no Amazonas. Peru e Argentina também aparecem como destino final do tráfico de pessoas para a América do Sul.
Dados colhidos pelo Ministério da Justiça revelam que, desde 2008, chegaram ao Brasil cerca de 470 mil imigrantes, que somaram-se a 1 milhão que já viviam aqui. Dos cerca de 4 milhões de brasileiros que viviam no exterior, 1 milhão retornou ao paÃs no mesmo perÃodo.
– A crise mundial, somada ao crescimento econômico do paÃs, favoreceu o fenômeno. Os estrangeiros, muitos deles mão de obra especializada, vêm a reboque do desenvolvimento industrial.
A mão de obra que chega de fora, avalia o ministro, é sazonal, associada ao investimento estrangeiro em determinados setores na economia, como o petróleo e gás, responsável pela entrada no Brasil de trabalhadores qualificados das Filipinas, China e Taiwan, e a indústria automobilÃstica, que tem atraÃdo chineses e coreanos.