Rappers da Alemanha, Colômbia, Quênia, Filipinas e LÃbano traduziram suas letras e buscaram diferenças e semelhanças de uma cultura extremamente local e ao mesmo tempo globalizada.
[DW, 16 nov 11] Para as gerações mais velhas, o hip hop é algo difÃcil de entender e quase impossÃvel de apreciar. A simplicidade musical, aliada a letras que falam a linguagem da rua, cheias de gÃria, é algo que para muitos passa longe de ser arte ou de ter um valor cultural respeitável.
Para entrarmos no mundo do hip hop, primeiro precisamos entender que a cultura hip hop vai além da música. “Hip hop é o rap, grafite, breakdance, um pouco de cultura do vinil e beatbox”, declarou Ale Dumbsky, curador do “Translating Hip Hop” (literalmente, Traduzindo hip hop). O projeto, realizado em cinco paÃses, durou dois anos e teve seu encerramento em Berlim no fim de semana.
Muitos dialetos, um idioma
O projeto começou há mais de dois anos, quando a Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, procurou o curador com a ideia de colocar rappers alemães em contato com rappers de diferentes partes do mundo e traduzir suas letras. Veterano na cena hip hop alemã, Ale Dumbsky foi o fundador da gravadora Buback, que nos anos 1980 lançou o primeiro disco de rap em alemão.
A ideia era não era apenas explorar o rap como um movimento social e cultural, mas compreender o seu subtexto. “Fizemos uma parceria com o Instituto Goethe e quatro cidades se interessaram pelo projeto: Bogotá, na Colômbia, Nairóbi, no Quênia, Manila, nas Filipinas, e Beirute, no LÃbano”, explicou Dumbsky.
Com rappers alemães já selecionados, as representações do Instituto Goethe dos respectivos paÃses enviaram material dos artistas locais interessados em participar do projeto. A seleção foi feita com base na música, já que os curadores não entendiam as letras.
Com os artistas selecionados, as letras foram traduzidas para o inglês e os MCs alemães visitaram as quatro cidades. A ideia era sentarem juntos e realmente entenderem o texto das canções, para avaliar até que ponto o rap é mesmo uma linguagem universal.
Traduzir o rap é levá-lo a sério, elevá-lo ao patamar de literatura. Mas a experiência pode ser mais complicada do que parece, pois o estilo está totalmente associado a uma enorme diversidade de subculturas, dialetos e gÃrias. Traduzir não faria o menor sentido sem entender o contexto de quem escreveu a letra e sem explicações, passo a passo, do que está sendo dito.
Local e global
Para Dumbsky, há um motivo muito simples para a cultura hip hop ter se espalhado tão efetivamente pelo mundo nos últimos 30 anos. “Você não precisa de dinheiro. Para ser rapper, você precisa ter talento para descrever o que está ao seu redor e saber rimar. É a maneira mais barata de se fazer arte. O único paÃs do mundo onde eu acredito que a cultura hip hop ainda não exista é a Coreia do Norte”, completou.
Apesar desses pontos comuns, o hip hop é a voz da subcultura, algo muito especÃfico e diferente de uma cidade para outra. “Eles nos mostraram o lugar de onde vieram. Visitamos guetos, conhecemos as pessoas, e isso foi parte primordial para entendermos o que as letras realmente diziam. Era uma realidade muito diferente da Alemanha”, disse o curador ao falar dos participantes dos demais paÃses.
Esse fator agregador funciona também para acabar com preconceitos e não só como denúncia social. As mulheres ganharam espaço e respeito em uma cena antes dominada por homens e conseguiram assegurar seu lugar até em paÃses mulçumanos, como o LÃbano. Em outros lugares, o rap é a única saÃda para uma vida sem perspectivas.
Nas quatro cidades, além da tradução e de workshops, o ponto alto foram os shows dos rappers locais com os convidados alemães. “Foi incrÃvel a rapidez com que acharam seu ponto comum. Em pouco tempo e mesmo sem entender as letras, a quÃmica entre os artistas no palco e a plateia era impressionante. Os shows foram inacreditáveis”.
Berlim teve oportunidade de conferir durante o evento duas dessas performances babilônicas, com rappers dos cinco paÃses mostrando no palco como essa linguagem universal realmente funciona. “Translating Hip Hop” ainda teve workshops, debates, exibição de filmes e a exposição do norte-americano Joe Conzo, que fotografou os primórdios da cena em Nova York.
Para Dumbsky, o Brasil seria um lugar ideal para futuras edições do projeto. “A experiência foi um grande sucesso. Há o interesse em fazer o projeto novamente em alguns anos. Seria ótimo explorar melhor um paÃs tão complexo e diverso como o Brasil”, concluiu.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Roselaine Wandscheer