A espiritualidade cristã me convida a ser uva, não pérola; pão, não pedra.
Pérolas e pedras, por mais belas, por mais preciosas que sejam, são estéreis. Estéril, na biologia, é a vida incapaz de reproduzir vida. Na natureza, é o lago que, por não receber água nova e não escoar água velha, torna-se morto. Faz mal. Fede.
Quem crer em mim, do seu interior fluirão rios de água viva…
Uvas e pães, se não esmagados e partidos, também são estéreis.
O que é uma uva ou um pão que não é deglutido? Um pouco melhor do que um quadro de ‘natureza morta’, um vaso com flores de plástico numa mesa de jantar… Estéril.
Na espiritualidade cristã, como na natureza, há uma dinâmica misteriosa: morte gera vida, noite antecede o dia, inverno antecede primavera. Cruz antecede ressurreição. Sofrimento antecede glória.
Se alguém quiser me seguir, negue-se a si mesmo, tome cada dia sua cruz e siga-me. Se o grão de trigo cair na terra e não morrer, fica ele só. Mas se morrer, dá muito fruto. Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância. O filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos.
Mistério. Paradoxo. Para que haja vida, vida precisa ser repartida. E o preço de se repartir vida é a morte da própria vida.
Pra reproduzi-se, é preciso enfrentar a morte, a entrega, a dor. Voluntariamente… Uma vez iniciado o processo de moagem, de partição – de discipulado… – havendo resistência, amargamos, emboloramos, petrificamos, esterilizamos…
Uvas amargas e pães embolorados fazem mal. Além de não alimentar, entristecem, adoecem.
Repito. Há de ser um processo voluntário, submisso, para que a vida partida torne em vida.
Cristo entregou sua vida por nós. Ele espontaneamente a deu.
Foi ferido, sim. Esmagado e moÃdo, sim. Sofreu, sim. Mas em momento algum se rebelou contra a vontade do Pai. Em momento algum deixou-se amargar no processo de quebrantamento. Houve momentos de tensão, de dúvida, de abatimento, de decepção? Sim… E não foram poucos.
Nessas horas encontramos Jesus subindo as montanhas, adentrando a escuridão, antecipando a aurora, buscando na solitude, no deserto, a comunhão com o Pai que lhe daria a força (vida) para mais um passo, mais um dia, mais uma cidade, mais uma entrega…
Assim como o Pai me enviou, eu envio vocês…
Cristo nos chama a sermos uva que se deixa esmagar, pão que se deixa partir.
Vida eucarÃstica. Eu-caris-tia. Graça repartida.
Cristo partido em nós, a serviço do mundo, do próximo, do necessitado, do aflito.
Existe uma glória, um brilho especial, nas vidas que se deixaram esmagar e partir-se: Moisés, Elias, Davi, Jeremias, Cristo, Estevão, Paulo, Barnabé, João, Francisco de Assis, Wesley, Taylor, Luther King Jr, Bonhoeffer, Madre Tereza, Shedd…
Pessoas que nos mostraram não o brilho das pérolas, das celebridades; mas que através de uma vida de serviço, de entrega, sujaram mais do que mãos e aventais. Eles sangraram fÃsica, mental e emocionalmente… Neste processo, ainda que não percebessem e nem mesmo buscassem, a glória de Cristo, o Emanuel, foi resplandecida.
E todos nós, com a face descoberta, contemplamos como um espelho a glória do Senhor. E somos transformados de glória em glória…
Existe diante de nós, igreja brasileira, em nossos dias, duas matrizes espirituais, dois caminhos, duas espiritualidades totalmente distintas. Ambas se dizem bÃblicas. Uma, contudo, é cristã.
Pérola ou uva; pedra ou pão. Quem você é?
Pérola ou uva; pedra ou pão. Qual é o teu Deus?
Eis que diante de você, hoje, coloco dois caminhos: Qual deles escolherá?
O caminho do deus que te acena com o brilho das pérolas e das pedras preciosas, dos tapetes vermelhos, dos auditórios e gabinetes luxuosos, da pompa, da deferência servil…
Ou escolherás o caminho do Deus da manjedoura, da pequena e esquecida Nazaré da Galiléia, do carpinteiro de mãos ásperas, do rabi rejeitado que não teve lugar pra reclinar sua cabeça?
Escolherás o caminho do Deus que se fez gente e tocou em leprosos? Que andou com discÃpulos embrutecidos, mulheres exploradas, pessoas anônimas? Escolherás o caminho do Deus que de tão grande lavou os pés dos pequeninos? Sim, o Messias da bacia e da toalha, que se deixou esmagar, que se deixou pregar numa cruz em teu lugar… em meu lugar?
Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões, e esmagado por causa de nossas iniqüidades. O castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados…
O amor de Deus em nós, quando nos deixamos partir, quando nos deixamos moer, é transformado em vinho que alegra e pão que alimenta.
Isso é serviço cristão. Isso é ministério. Isso é vida cristã. Partida, moÃda, servida, saborosa.
Isso é vida. É alegria. É força.
É Cristo.
Otimo texto professor.A palavra de Deus é inesgotavel, é luz !!! Vou salvar a meditação para melhor nela meditar.. Graça e paz e que Deus continue abençoando seu ministério.