No dia 1º de agosto de 1991, o famoso monumento a Karl Marx, que se eleva sobre o centro da cidade de Moscou, apareceu com os seguintes dizeres pintados em tinta vermelha: “Proletários do mundo, perdoem-me!â€
[Artem Krechetnikov, BBC Russia, 19 ago 11] Era uma irônica alusão ao chamado aos trabalhadores contido no Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848 na Alemanha por Marx e Friedrich Engels.
A ideia de comunismo concebida originalmente pelos intelectuais europeus encontrou abrigo espiritual na Rússia – que se tornou “a pátria do proletariado mundialâ€.
Os comunistas que viviam na “casa da revolução mundial†se orgulhavam de seu papel na história e no cenário geopolÃtico.
Vinte anos após o colapso do maior paÃs comunista do mundo, o Partido Comunista permanece um dos mais influentes do paÃs.
Em números de parlamentares, só fica atrás do partido Rússia Unida, dos últimos ocupantes do Kremlin, Dmitri Medvedev e Vladimir Putin.
Mas a maioria dos analistas está de acordo com a opinião de que o partido não tem futuro polÃtico na Rússia.
Os filiados do PC de hoje pertencem a um setor determinado, mas em envelhecimento, da população. Se tudo continuar como está, os simpatizantes da sigla tendem a desaparecer.
A maioria dos simpatizantes da oposição na Rússia é nacionalista ou a favor de ideias ocidentais.
Existe, sim, muita nostalgia na Rússia pela antiga União Soviética, mas não da igualdade indiscriminada, das filas e da doutrinação polÃtica: os cidadãos sentem falta do tempo em que a União Soviética era uma nação poderosa, respeitada e temida em todo o globo.
Muitos especialistas crêem que os comunistas poderiam ter retomado o poder nos anos 1990, quando a Rússia se encontrava em meio à turbulência polÃtica, se tivessem um lÃder carismático.
Entretanto, a firme liderança de Genady Ziuganov assegurou o estabelecimento do capitalismo e de um sistema de democratização na Rússia.
Os eventos históricos que se desenrolaram na “casa da revolução†determinaram o destino do comunismo no resto do mundo.
Europa e Ãsia Central
Nos paÃses que conformavam as ex-repúblicas sob a batuta de Moscou, o que há de comum é a tentativa de evitar a influência da ideologia comunista.
A única ex-república soviética a manter o comunista é a Moldávia. Seu ex-presidente entre 2001 e 2009, Vladimir Voronin, foi o primeiro chefe de Estado comunista democraticamente eleito após a dissolução do bloco soviético.
Mas mesmo seus seguidores não são comunistas linha-dura no sentido tradicional: não desejam o retorno à vida soviética. Parte dos ativos do paÃs foi privatizada e a melhor definição da estrutura sócio-econômica do paÃs é capitalismo com um toque pós-soviético.
O paÃs que mais preservou os valores e o estilo de vida soviéticos é Belarus, a “linha de montagem†do antigo bloco comunista.
A liberalização econômica e a ruptura dos antigos laços econômicos atingiram duramente o paÃs, que não possuÃa recursos naturais.
Durante a 2ª Guerra Mundial, o paÃs amargou a ocupação nazista, insuflando uma desconfiança em relação à influência ocidental na psique nacional.
Mesmo assim, o comunismo tem desvanecido e o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko – que chegou ao poder impulsionado por esse sentimento antiocidental – nunca invocou as ideias de Marx e Lênin.
A ideologia predominante é a do paternalismo estatal com liderança carismática e ditatorial.
Nos paÃses da Ãsia Central, que combinam capitalismo, autoritarismo secular e o uso oportunista de certos elementos islâmicos, os governos mantêm laços mais próximos com Moscou que com os paÃses ocidentais – mas isso é porque a Rússia não os incomoda com questionamentos a respeito de direitos humanos.
Na Ucrânia, nos paÃses do Cáucaso e nos Bálticos, o comunismo já não é digno de menção. As disputas polÃticas continuam nesses paÃses, mas por forças inteiramente distintas.
No Leste Europeu, onde comunismo foi implantado força, a ocupação e a humilhação nacional, a maioria das populações nunca apoiou a ideologia.
A União Soviética provia os recursos para os seus “satélites†e permitia, neles, um grau de liberdade mais que em seu próprio solo. Mesmo assim, as tentativas de se livrar do jugo de Moscou só foram suprimidas com a intervenção do Exército Vermelho na ex-Alemanha Oriental, a Hungria e a ex-Tchecoslováquia.
Há partidos pós-comunismo em todos os paÃses do antigo Pacto de Varsóvia, que advogam uma plataforma de esquerda moderada e europeia. Esses partidos têm tido espaço na Polônia, Hungria, Romênia, Eslováquia e Bulgária, mas não há possibilidade de voltar ao sistema polÃtico socialista de outrora.
China e Ãsia
Se a revolução russa já não tinha grande relação com os ideais da ideologia marxista, a chinesa certamente não tinha. A China nunca teve um proletariado capaz de receber e desempenhar a função histórica que lhe cabia segundo Marx.
Mao Tse Tung chegou ao poder em 1949 vindo da classe camponesa. Considerava-se lÃder de um “vilarejo global†em uma luta contra a “cidade global†e nunca escondeu sua rejeição à civilização urbana.
O seguidor de Mao no Camboja, Pol Pot, levou os ensinamentos de seu mestre à ação lógica, dizimando a população urbana do paÃs.
Mao combinava a ideologia marxista com um nacionalismo chinês e um despotismo asiático, exemplificados pela coletivização e a obediência. O indivÃduo era um coágulo no sistema e todo interesse material era substituÃdo por um profundo sentimento de conformidade.
No Vietnã, o vizinho mais próximo da China, o caminho do comunismo foi semelhante.
A Mongólia foi o único paÃs a estabelecer o socialismo ao estilo soviético antes da 2ª Guerra Mundial. Depois da queda da União Soviética, o paÃs rejeitou o modelo e embarcou em um caminho de reformas de mercado e democracia multipartidária.
Hoje, a Coreia do Norte é o único bastião do comunismo stalinista. O paÃs vive imerso em um sistema onde o mercado é inexistente e a ideia de coletividade é tão forte que os indivÃduos são proibidos de cobrir as janelas com cortinas.
A doutrina oficial norte-coreana não se baseia nos princÃpios marxistas-leninistas, mas no espÃrito de autoconfiança. Na prática, isso se traduziu no desejo de Kim Il Sung e seu sucessor, Kim Jong Il, de se manter seu domÃnio sem se submeter a ninguém.
Ãfrica e América Latina
Na Ãfrica, a realidade social não poderia ser mais diferente dos cenários elaborados por Marx e Engles, que se debruçaram sobre os problemas das sociedades industriais.
Em parte, a aproximação dos paÃses africanos com a URSS foi motivada pela rejeição ao imperialismo histórico das potências europeias.
Aos lÃderes anticolonialistas africanos também apetecia a ideia de modernizar seus paÃses através de ditaduras. Eles sabiam pouco sobre as ideias de Marx e Lênin, mas entenderam que bastava dizer a palavra mágica – “socialismo†– para estar na lista dos receptores de armas e recursos da União Soviética.
Isto gerou todo tipo de confusão. Quando a Etiópia e a Somália entraram em guerra, por exemplo, ambos os paÃses se consideravam socialistas. Levou tempo até Moscou decidir quem apoiar: a Etiópia.
Na América Latina, de forma semelhante ao que ocorreu na Ãfrica, o apoio da URSS foi usado na Guerra Fria contra outra potência vista como imperialista – os Estados Unidos.
Mas muitas revoluções latino-americanas não foram diretamente inspiradas pelo marxismo. A Cubana começou como uma insurreição contra a autoridade vigente.
Fidel Castro era popular em Moscou tanto quanto Yuri Gagarin, o primeiro homem no espaço. O lÃder cubano da “ilha da liberdade†mostrava que o comunismo poderia ser jovem, cheio de vida e democrático.
Ao longo dos anos, Cuba perdeu a vitalidade e passou a ser um paÃs governado por uma geração de octogenários. É possÃvel que se torne o paÃs a martelar o último prego no caixão do comunismo global.