Vivendo no Hiato ~ por José Roberto Prado

Segundo o dicionário, hiato é uma fenda, um intervalo, uma lacuna. Uma espécie de espaço-tempo onde o que existe é o vazio, onde reina o caos. Sua principal característica é a ausência, a falta de algo e não um conteúdo.

Para muitos, a vida parece estar presa a um hiato. Como um buraco-negro existencial, deslizamos entre dias rotineiros, casamentos falidos, agendas ocupadas, contas a pagar e fotografias sorridentes na coluna social. Todos os nossos dias sem sabor, vividos no hiato… Sem sentido.

Esta percepção incômoda zomba de nós com sua gargalhada insolente especialmente quando algo de ruim, de extraordinário, chega até nós. Basta um telefonema, um diagnóstico, e lá vamos nós. Como a barragem trincada de uma represa, nossos piores temores brotam do interior de nossas almas com uma força que desconhecíamos. Os dias ficam cinzentos, as noites mais longas, o apetite se vai e o copo não se esvazia.

A vida no hiato é capaz de provar por “a + b” que os muros dos condomínios, com suas cercas elétricas e vigilância monitorada, não conseguem impedir a entrada do sofrimento em nossas casas. Planos de saúde não são capazes de barrar os vírus, bactérias e células cancerígenas. Religiosidade sincera, velas acesas, promessas, figas e pés-de-coelho não impedem que sejamos vítimas de seqüestros-relâmpago, assaltos à mão armada, arrastões, balas perdidas.

O mal que tememos é real e está perto; nós o sentimos ao nosso lado. Esta é a vida no hiato; perigosa, vulnerável, sem sentido.

A vida no hiato engolfa também os cristãos. Talvez principalmente estes. Iniciamos nossa caminhada no vale do desespero, acorrentados a vícios e pecados. Com o chamado de Cristo caminhamos em direção ao monte do perdão e da reconciliação. Chegamos ao planalto e desfrutamos das alegrias da comunhão. Do alto de nossa salvação nos percebemos perto de Deus, apreciamos a beleza de sua glória, sua majestade e esplendor. Enfim, encontramos um sentido maior que nós.

Nosso “hiato cristão” tem início quando, sem nos avisar, o mesmo Cristo que nos tirou do vale, nos lança de volta nele. Aquilo que mais temíamos bate à nossa porta novamente: o sofrimento, o desemprego, o divórcio, a rejeição, o câncer, o acidente de trânsito, a filha rebelde, o marido agressivo, a esposa frígida… Não era pra ser diferente? Por que temos que sempre estar confinados a este hiato?

A questão é: ‘esta’ vida é um hiato! A espiritualidade bíblica afirma há séculos que nossa vida não se realiza neste lado da eternidade. A fé cristã semeia a esperança de que caminhamos para um outro estado de realidade – chamamos de “glória” -, para novos céus e nova terra, que Cristo está preparando pra nós. Se nossa visão de vida se restringir à finitude e à desconexão deste breve hiato, quão pobres e sem esperança serão nossos dias!

Cedo ou tarde aprendemos que a vida cristã deve ser vivida no vale, não nos montes. A salvação é melhor discernida e conhecida se derramada em vasos de barro, comuns, bem comuns, na maior parte das vezes, trincados. Pois é justamente na rotina sem sal, em meio à dor e dúvidas, que o Salvador se revela caminhando ao nosso lado. Como narrado por Lucas, quando dois discípulos caminhavam ao lado de Cristo em direção à Emaús (Lc 24).

A vida cristã acontece no hiato entre o Gênesis e o Apocalipse. Entre a palavra criadora e a palavra consumadora. Entre a criação e a nova criação. Cristo é o logos inicial e final. Ele é o alfa e o ômega, o princípio e o fim. Mas Cristo é mais que isso. Ele é o meio. Ele é a redenção que está no hiato. Presente, ativo, soberano. Nosso maior desafio – salto de fé – é crer que Ele está aqui, por mais que nós, com nossos sentidos e nossas razões não consigamos discernir, perceber sua presença.

Mas Ele está aqui. É Cristo quem sustenta, pela sua palavra poderosa, consoladora, confortadora, todas as coisas, inclusive aquelas que ocorrem no hiato de nossas vidas.

Precisamos de uma nova visão da vida, algo que nos capacite a interpretar a vida neste hiato.

Precisamos de uma nova visão de Cristo, não de mais informações. Este é o ponto. Cristo está conosco. O Deus Emanuel está presente no hiato de nossas vidas.

Agora, todas as coisas têm sentido.

Creia.

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