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Sobre José RM Prado

Um amador...

Egito: prisioneiro cristão resiste à brutalidade

Egyptian-Christians

Os últimos relatos que recebemos afirmam que Bishoy Armia Boulous (anteriormente conhecido como Mohammed Hegazy) continua preso apesar de sua pena já ter sido cumprida, com o agravante de estar sofrendo frequentes agressões.

De acordo com seu advogado, Karam Ghobriel, os carcereiros na prisão Tora espancam Bishoy várias vezes por semana e impiedosamente o arrastam no piso de concreto. Sua cabeça também foi raspada, uma punição reservada normalmente a criminosos violentos. Os carcereiros têm humilhando Bishoy na tentativa de pressioná-lo a renunciar à sua fé cristã.

Detido sob falsas alegações de ‘documentar’ ataques de muçulmanos a cristãos, Bishoy foi condenado à prisão por “divulgar informações falsas” e “prejudicar o interesse público.” Sua sentença de um ano para essa acusação expirou em dezembro 2014, mas ele permanece preso.

Bishoy também aguarda julgamento por uma acusação de blasfêmia, por sua tentativa de alterar o status religioso de seu cartão de identidade para Cristão. Seu advogado entrou com uma reclamação formal para o procurador-geral do Egito, Hasham Barakat, sobre maus-tratos, bem como sua detenção em curso.

ORE pela libertação imediata de Bishoy e para que todas as acusações contra ele sejam retiradas. Ore para que ele possa viver em paz, como cristão, no Egito. Peça ao ‘próprio Senhor da paz’ para dar a ele e sua família “paz em todos os momentos e em todos os sentidos” (2 Tessalonicenses 3.16).

Nossa sensível consciência ultrajada

As imagens abaixo não são representações artísticas; são, infelizmente, retratos da realidade.
O que está sendo violado nelas não é um símbolo ou consciência; são, infelizmente, seres humanos, milhares, milhões, pequenos e frágeis, que sofrem, hoje, todo tipo de violência: descaso, abuso, tortura, nudez, fome.
Quando comparo estas imagens à ‘imagem’ montada neste fim de semana em São Paulo – e a polêmica criada em torno dela, confesso:
Nossa sensível consciência ultrajada me escandaliza.
Nosso ódio, vingativo, justiceiro, acusador, me envergonha.
Nosso silêncio, omissão, descaso, conformismo e mesquinhez, me enojam, me ferem, me enfraquecem.

Se é pra defender alguma ‘imagem’, por favor, respondam-me:

– Onde, afinal, a imagem de Deus está refletida? na ‘imagem’ da passeata ou nas ‘imagens’ abaixo?

Quem tem ouvidos para ouvir (e olhos para ver) ouça o que nos está sendo proposto: Arrependam-se. Voltem…
E como disse aquele que foi pleno do Eterno:
Aprendam de mim…
Eu não vim resgatar a imagem da cruz.
Eu vim resgatar o ser humano ferido (e toda criação) pro meu Pai!

hands poor

© Finbarr

migrantes

syrian-kurds-sept.-19-2014

Los caminos del viento ~ Eduardo Galeano

eduardo galeano

Querido Stig,

Ojalá seamos dignos de tu desesperada esperanza.

Ojalá podamos tener el coraje de estar solos y la valentía de arriesgarnos a estar juntos, porque de nada sirve un diente fuera de la boca, ni un dedo fuera de la mano.

Ojalá podamos ser desobedientes, cada vez que recibimos órdenes que humillan nuestra conciencia o violan nuestro sentido común.

Ojalá podamos merecer que nos llamen locos, como han sido llamadas locas las Madres de Plaza de Mayo, por cometer la locura de negarnos a olvidar en los tiempos de la amnesia obligatoria.

Ojalá podamos ser tan porfiados para seguir creyendo, contra toda evidencia, que la condición humana vale la pena, porque hemos sido mal hechos, pero no estamos terminados.

Ojalá podamos ser capaces de seguir caminando los caminos del viento, a pesar de las caídas y las traiciones y las derrotas, porque la historia continúa, más allá de nosotros, y cuando ella dice adiós, está diciendo: hasta luego.

Ojalá podamos mantener viva la certeza de que es posible ser compatriota y contemporáneo de todo aquel que viva animado por la voluntad de justicia y la voluntad de belleza, nazca donde nazca y viva cuando viva, porque no tienen fronteras los mapas del alma ni del tiempo.

Eduardo Galeano

Palabras de agradecimiento, al recibir el Premio Stig Dagerman, en Suecia, el 12 de septiembre, 2010

Urgent Appeal from the Christians in Syria and Lebanon

Last week, the Supreme Council of the Evangelical Community in Syria and Lebanon released an urgent appeal to Evangelical organizations globally, desperately asking for help with the current situation in the Middle East, which they call an “existential threat facing the future of Middle Eastern Minorities, as well as moderate Muslim minorities in the region.

Please read this appeal and act in whatever way you can!

Click here to read the Urgent Appeal now!

Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos? ~ Eduardo Galeano

free paletine

“Este texto do Galeano foi publicado originalmente em Espanhol, em Jan 2009. Infelizmente, continua atual e, pior, a situação só se agrava. Que sirva para reflexão e ação”. JRMP

Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente ao País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional” existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.

“Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino americanas que Israel assessorou”. Eduardo Galeano

Reconstruindo mundos. Restaurando vidas.

he ain't heavy“Ele não é pesado, ele é meu irmão!”

Numa noite de nevasca em Washington/DC, no início do século passado, um pré-adolescente vestido precariamente bate à porta da “Missão dos Órfãos”.  Às costas, levava outro garoto, um pouco mais novo, visivelmente abatido pela fome e frio. O sacerdote que o atendeu convidou-o a entrar fazendo um comentário: “Entre, ele deve ser muito pesado”. O garoto mais velho, contudo, respondeu: “Ele não é pesado, ele é meu irmão”.

A maior crise humanitária dos últimos 20 anos!

O conflito na Síria já entrou no seu quarto ano e, o pior, sem nenhuma perspectiva de paz. O diálogo promovido pela ONU fracassou pela intransigência das partes. Enquanto isso, a maior crise humanitária dos últimos 20 anos, se agrava:

  • 2,5 milhões de refugiados e +6,5 milhões deslocados internos
  • 140 mil mortos, dentre os quais 7 mil crianças
  • +600 mil feridos, sem acesso a hospitais ou medicamentos
  • Centenas já morreram de fome nas cidades sitiadas, principalmente crianças pequenas

O número total de pessoas afetadas neste conflito (11,8 milhões) ultrapassa o número de vítimas do terremoto no Haiti, do Tsunami no Oceano Índico em 2004 e do furacão Katrina… juntos!

Uma geração perdida?

crianca siriaMais da metade dos afetados são crianças que não tem mais casa, escola, alimento, água, remédios e condições mínimas de saneamento básico. São mais de 350 mil órfãos. Muitas são obrigadas a trabalhar, outras abusadas sexualmente, vendidas como escravas ou negociadas em casamentos forçados. Nos campos de refugiados, uma jovem ou menina síria pode ser comprada por US$ 150. Redes internacionais de tráfico de órgãos também estão agindo raptando principalmente crianças.

Perseguição aos Cristãos

Apesar de ser um país de maioria Islâmica, a Síria nunca adotou a ‘lei sharia’. Há décadas as minorias religiosas eram protegidas, com liberdade razoável de culto. Porém, com o conflito atual o governo perdeu o controle sobre várias cidades e os rebeldes radicais islâmicos fizeram dos cristãos seus alvos principais.  Relatos (fotos e vídeos) de execuções sumárias inundam a web. Cristãos são torturados, crucificados, queimados vivos, degolados e seus corpos exibidos em praças públicas como troféus.

Fui estrangeiro, e me acolheste…

Desde novembro, quando fomos procurados para apoiar aqui em São Paulo os refugiados cristãos sírios, temos nos empenhado em fazer tudo o que está ao nosso alcance. Desde a recepção no aeroporto, a hospedagem, o encaminhamento para outra cidade, alimento, roupas, recursos financeiros, remédios, atendimento médico, psicológico e pastoral, orientação quanto à documentação, aulas de Português, ajuda para conseguirem casa, emprego, escola, mobília e até mesmo material escolar.

Apesar de nossas limitações experimentamos um senso de realização enorme. Somos gratos a Deus por nos ter confiado este ministério! Somos gratos a muitos que têm nos apoiado com oração, recursos ou trabalho voluntário! Já participamos do acolhimento de mais de 45 pessoas. Mas, o que são 45 diante dos números acima? Que o Senhor nos dê condições para fazer muito mais! Uma das alegrias ‘impagáveis’ que tive foi ouvir de um jovem sírio recém-acolhido: “Eu quero andar ao seu lado; eu quero ser pastor também; eu quero aprender a Bíblia com você”. Ore comigo por esta vocação e que muitas outras sejam levantadas!aula de portugues

Os desafios são muitos! O projeto busca envolver igrejas na adoção das famílias de refugiados pelo período de um ano, provendo-lhes casa, alimentação e todo apoio que necessitam. Algumas já se levantaram em Foz do Iguaçu, Rio Preto, Belo Horizonte, Araraquara… Mas outras são necessárias. Ore por novas igrejas acolhedoras! Entre no site da MAIS ou escreva-nos para mais informações.

Outra área de atenção é o fato de vários deles já estarem experimentando o “choque cultural”. A distância cultural, dificuldade no aprendizado da língua, a limitação na comunicação e, por conseguinte, na busca por emprego e ociosidade são barreiras enormes que precisam ser vencidas com perseverança, paciência e amor. Interceda por eles… Um casal de idosos (78 e 75 anos) não superou o choque e decidiu voltar.

A cidade de São Paulo tem se mostrado particularmente inóspita para eles e pedimos sua oração por isto. O elevado custo de vida, as dificuldades de transporte, insegurança, etc são barreiras enormes para nós brasileiros, imagine para estrangeiros. Precisamos de uma estrutura melhor para poder servir-lhes. Ore conosco por direção de Deus.

yarmouk

Palestinos: A crise dentro da crise

Em 1948, na formação do Estado de Israel, 800 mil palestinos foram expulsos de suas casas. Cerca de 480 mil foram para a Síria. Por 65 anos viveram ali. Casaram-se, estabeleceram famílias, construíram casas, comércio, etc. Com o conflito, porém, tudo o que tinham lhes foi tirado novamente. Em Yarmouk, subúrbio de Damasco, hoje, cerca de 30 mil civis (mulheres, crianças, idosos, enfermos) estão completamente sitiados, bombardeados noite e dia, sem água, alimento, energia elétrica…  Além disso, aqueles que conseguiram fugir da Síria não podem entrar em outros países (Palestina não é um Estado reconhecido), sendo o Brasil um dos poucos que lhes recebe. Com a graça do Pai tenho tido a oportunidade de ajudar também famílias palestinas (não cristãs) que chegaram da Síria. Sua dor tem me cortado o coração. Sua coragem, me inspirado. Numa noite desta semana, sem conseguir dormir, fui levado a interceder por eles e escrevi o que segue. Ore comigo:

Oração por Yarmouk

Cordeiro de Deus
Pela tua mão, que este fio de vida permaneça.
Que o alimento sacie
A esperança renasça
E a voz do entendimento prevaleça.

Cordeiro de Deus
Com tua forte voz, anuncia:
Haja justiça em Yarmouk.
Reine a paz na Síria.

Cordeiro de Deus
Que das tendas, cinzas e escombros
Até mesmo da lama encharcada de sangue
Brote bravamente a vida:
A tua vida, uma vez repartida,
Como santo sacrifício de paz.

Contato

email: josermprado@gmail.com

Twitter: @ZePrado

www.facebook.com/josermprado

Uma oração por Yarmouk ~ por José Roberto Prado

© iliyana gonzales-ilieHoje, depois de vários dias e tentativas frustradas, o cerco foi rompido e agentes humanitários conseguiram entrar e distribuir alimentos no campo de refugiados de Yarmouk (Damasco, Síria). Continue orando comigo.

Oração por Yarmouk

José RM Prado, 20 mar 2014

Cordeiro de Deus
Pela tua mão, que este fio de vida permaneça.
Que o alimento sacie
A esperança renasça
E a voz do entendimento prevaleça.

Cordeiro de Deus
Com tua forte voz, anuncia:
Haja justiça em Yarmouk.
Reine a paz na Síria.

Cordeiro de Deus
Que das tendas, cinzas e escombros
Até mesmo da lama encharcada de sangue
Brote bravamente a vida:
A tua vida, uma vez repartida,
Como santo sacrifício de paz.

Zizek: Há mais do que fúria na Bósnia

SARAJEVOAo unirem três etnias da ex-Iugoslávia, protestos retomam projeto emancipatória e revelam: é possível enfrentar onda de fundamentalismo que atravessa o planeta.

Semana passada, cidades queimavam,[1] na Bósnia-Herzegovina. Tudo começou em Tuzla, cidade de maioria muçulmana. Os protestos então se espalharam até a capital, Sarajevo, e Zenica, mas também até Mostar, onde vive largo segmento da população croata, e Banja Luka, capital da parte sérvia da Bósnia. Milhares de manifestantes furiosos ocuparam e incendiaram prédios públicos. Embora a situação já tenha se acalmado, persiste no ar uma atmosfera de alta tensão.

[Guardian, tradução Vila Vudu, no Outras Palavras, 18 fev 14] Os eventos fizeram surgir teorias da conspiração (por exemplo, que o governo sérvio teria organizado os protestos para derrubar o governo bósnio), mas é preciso ignorá-las firmemente, porque, haja o que houver por trás das manifestações, o desespero dos manifestantes é autêntico. Fica-se tentado a parafrasear aqui a famosa frase de Mao Tse Tung: há caos na Bósnia, a situação é excelente![2]

Por quê? Porque as exigências dos manifestantes são as mais simples que há – emprego, uma chance de vida decente e o fim da corrupção – mas mobilizaram pessoas na Bósnia, país que, nas últimas décadas, tornou-se sinônimo de feroz limpeza étnica.

Antes disso, os únicos protestos de massa na Bósnia e em outros estados pós-Iugoslávia tinham a ver com paixões étnicas ou religiosas. Em meados de 2013, dois protestos públicos foram organizados na Croácia, país mergulhado em profunda crise econômica, com desemprego alto e profundo sentimento de desespero: os sindicatos uniram-se para organizar uma manifestação em apoio aos direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que nacionalistas de direita[3] iniciavam um movimento de protesto contra o uso do alfabeto cirílico em prédios públicos em cidades de minoria sérvia. A primeira iniciativa levou umas duas centenas de pessoas para uma praça em Zagreb; a segunda mobilizou centenas de milhares, como, antes, acontecera num movimento fundamentalista contra o casamento de homossexuais.[4]

A Croácia está longe de ser exceção: dos Bálcãs à Escandinávia, dos EUA a Israel, da África Central à Índia, está começando uma nova Idade das Trevas, com paixões étnicas e religiosas explodindo, e com os valores das Luzes retrocedendo. Essas paixões sempre arderam por trás de tudo, mas a novidade é que, hoje, aparecem desavergonhadamente expostas.

Assim sendo, o que fazer? Liberais dominantes nos dizem que, quando os valores básicos da democracia são ameaçados por fundamentalistas étnicos ou religiosos, temos todos de nos unir numa agenda liberal-democrática de tolerância cultural, salvar o que possa ser salvo e deixar de lado todos os sonhos de transformação social mais radical. Nossa tarefa, dizem eles, é clara: temos de escolher entre a liberdade liberal e a opressão fundamentalista.

Porém, quando nos fazem, em tom triunfalista, perguntas (exclusivamente retóricas!) como “Você deseja que as mulheres sejam excluídas da vida pública?” ou “Você deseja que todos os que critiquem a religião sejam condenados à morte?”, o que mais nos deve fazer desconfiar da pergunta é a obviedade da resposta.

O problema aí é que esse universalismo liberal simplório já perdeu a inocência, há muito tempo. O conflito entre a permissividade liberal e o fundamentalismo é, na verdade, um falso conflito – um círculo vicioso e viciado no qual os dois polos pressupõem-se e geram-se mutuamente, um o outro.

O que Max Horkheimer[5] disse sobre o fascismo e o capitalismo lá nos anos 1930s (que os que não querem falar criticamente sobre o capitalismo devem também calar sobre o fascismo) pode aplicar-se ao fundamentalismo de hoje: os que não querem falar criticamente sobre a democracia liberal devem também calar a boca sobre o fundamentalismo religioso.

Reagindo contra caracterizar-se o marxismo como “o Islã do século 20”, Jean-Pierre Taguieff escreveu que o Islã está em vias de mostrar-se como o “marxismo do século 20” para prolongar o violento anticapitalismo do comunismo, depois do declínio do comunismo.

Mas as recentes vicissitudes do fundamentalismo muçulmano confirmam, pode-se dizer, o antigo insight de Walter Benjamin, de que “cada ressurgimento do fascismo dá testemunho de uma revolução fracassada”. O crescimento do fascismo é, em outras palavras, o fracasso da esquerda e, simultaneamente, prova de que subsiste um potencial revolucionário, uma insatisfação, que a esquerda não é capaz de mobilizar. E não se pode dizer exatamente a mesma coisa do hoje chamado “islamo-fascismo”? O surgimento do islamismo radical não é perfeito correlato do desaparecimento da esquerda secular nos países muçulmanos?

Quando o Afeganistão é apresentado como país fundamentalista islamista “típico”, quem ainda lembra que, há 40 anos, foi o país de mais forte tradição secular, incluindo um poderoso Partido Comunista que chegou ao poder no Afeganistão, independente da União Soviética?

Esse é o contexto no qual se tem de compreender os recentes eventos na Bósnia. Numa das fotos dos protestos, veem-se os manifestantes exibindo três bandeiras lado a lado: da Bósnia, da Sérvia e da Croácia, mostrando o desejo de ignorar todas as diferenças étnicas. Para resumir, temos aqui uma rebelião contra elites nacionalistas: o povo da Bósnia afinal compreendeu quem é o seu verdadeiro inimigo: não outros grupos étnicos, mas os seus próprios “representantes” políticos que fingem protegê-los contra os demais. É como se o velho e tantas vezes mal usado lema titoísta[6] da “fraternidade e unidade” das nações iugoslavas ganhasse nova atualidade.

Um dos alvos dos manifestantes era o governo da União Europeia que supervisiona o estado bósnio, forçando a paz entre as três nações e oferecendo considerável ajuda financeira para ajudar no funcionamento do Estado. Pode parecer estranho, porque os objetivos dos manifestantes são, nominalmente, os mesmos objetivos de Bruxelas: prosperidade e o fim das tensões étnicas e da corrupção.

Contudo, o modo como a União Europeia realmente governa a Bósnia cria divisões: a União Europeia só vê, como suas parceiras privilegiadas, as elites nacionalistas, entre as quais faz uma mediação.

O que as explosões na Bósnia confirmam é que ninguém jamais conseguirá superar paixões étnicas impondo a elas uma agenda liberal: o que uniu os manifestantes foi uma mesma radical exigência de justiça.

O passo seguinte e mais difícil será organizar os protestos num novo movimento social que ignore as divisões étnicas; e organizar novos protestos – já imaginaram uma cena, com bósnios e sérvios furiosos, reunidos num comício conjunto, em Sarajevo?

Ainda que os protestos percam gradualmente a força, ainda assim permanecerão como uma fagulha de esperança, como soldados inimigos que se abraçavam nas trincheiras, na primeira guerra mundial. Eventos autenticamente emancipatórios sempre incluem ignorar identidades.

E vale o mesmo para a recente visita de duas representantes do movimento Pussy Riot a New York: num grande show de gala foram apresentadas por Madonna, na presença de Bob Geldof, Richard Gere, etc., toda a gangue dos direitos humanos de sempre. Deveriam ali, isso sim, manifestar solidariedade a Snowden, para mostrar que o Pussy Riot e Snowden são parte do mesmo movimento global. Sem esses gestos que aproximem o que, na nossa experiência ideológica diária, parecem ser coisas incompatíveis (muçulmanos, sérvios e croatas na Bósnia; secularistas turcos e muçulmanos anticapitalistas na Turquia, etc.), os movimentos de protesto sempre serão manipulados por alguma superpotência, em sua luta contra outra.

[1] http://www.theguardian.com/world/2014/feb/07/bosnia-herzegovina-wave-violent-protests

[2] A citação, atribuída a Mao, é “Há grande caos sob os céus – a situação é excelente” (de http://beijingcream.com/week-in-review/ ) [NTs].

[3] http://m.aljazeera.com/story/2013122134526900493

[4] http://www.theguardian.com/commentisfree/2013/dec/04/croatia-gay-marriage-vote-europe-rotten-heart

[5] http://www.theguardian.com/commentisfree/video/2013/jul/23/max-horkheimer-critique-instrumental-reason-video ver também, para bibliografia, http://acoisaforadesi.wordpress.com/2008/10/31/max-horkheimer-crtica-da-razo-instrumental/ [NTs].

[6] Referência a Josip Broz Tito (sobre ele, ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Josip_Broz_Tito) [NTs].

Uso do Facebook para atrair jovens a combater na Síria preocupa UE

jovem europeu na síriaAutoridades da Uniao Europeia estão preocupadas com o uso de sites de mídia social como Facebook para engajar jovens europeus na guerra da Síria.

A Comissão Europeia recomendou recentemente aos governos do bloco “ir além da proibição ou remoção de material ilegal” postado no Facebook e “passar a publicar mensagens opostas para contrariar as versões dos extremistas” e reduzir o impacto das redes sociais na radicalização de jovens.

[Márcia Bizzotto, BBC Brasil, 3 fev 2014] Diversas páginas foram abertas no Facebook com mensagens explícitas para tentar recrutar jovens europeus. Páginas supostamente criadas por outros jovens que já lutam em território sírio, exibem um objetivo claro: promover a causa e atrair mais simpatizantes à luta.

A maioria dessas páginas seria de jovens que teriam se convertido ao islamismo radical contra a vontade de suas famílias e passado a integrar os batalhões do Estado Islâmico no Iraque e Levante (EIIL), um grupo ligado à Al-Qaeda que pretende instalar a sharia (lei islâmica) na Síria.

As autoridades francesas estimam que cerca de 250 cidadãos desse país participam do combate na Síria e outros 150 teriam manifestado o desejo de participar.

Na Bélgica, o ministério de Assuntos Exteriores já identificou cerca de 200 cidadãos que lutam em território sírio, além de 20 já mortos, mas afirma que esses números variam rapidamente.

Incentivo

As páginas trazem estampadas fotos dos supostos combatentes com o rosto à mostra e mensagens disponibilizadas a todo o público da rede social não apenas contra o governo de Bashar al-Assad, mas também contra grupos rebeldes moderados e contra toda forma de democracia.

Em contas abertas com pseudônimos religiosos, são publicadas regularmente fotos mostrando esses jovens em mansões em que viveriam, na região de Aleppo, expropriadas de ricos habitantes que fugiram das cidades depois da chegada dos radicais, e nelas eles comentam seu dia a dia.

“Coloco minhas fotos para dar força aos irmãos para vir (à guerra)”, afirma a página do suposto francês Abou Shaheed ao lado de uma imagem na qual aparece em uniforme camuflado, um grande sorriso no rosto descoberto e um fuzil na mão.

A mesma justificativa é dada por Abu Houdaifa Ahmed, que se diz belga, de 21 anos. Ele exibe orgulhoso suas armas e uma grande jarra de suco fresco de fruta, explicando como os “candidatos ao martírio” têm tudo o que necessitam na “terra de Alá” que tentam conquistar.

O belga Ismail diz que se uniu ao combate há um ano, aos 16 anos. Ele revela um rosto angelical coroado com um turbante em meio a imagens de fuzis AK 47 e lança-granadas.

Nos comentários embaixo das fotos, muitos simpatizantes se dizem “ansiosos por se unir” ao grupo e “combater os infiéis”.

Os combatentes na linha de frente prometem ajudar com a logística e “esperar de braços abertos” os novos recrutas, mas não se limitam às palavras.

Simpatia

Warda Salame, jornalista do semanário belga Le Vif, se passou por um simpatizante e, depois de meses de contatos, recebeu indicações precisas e números de telefone de intermediários que a ajudariam a chegar a uma brigada do EIIL através da fronteira turca.

Até as fotos de cadáveres de companheiros de luta – menos frequentes – despertam simpatia entre os contatos dos combatentes, que louvam a coragem do defunto e desejam “que Alá abra as portas do paraíso” ao “mártir” ou “reserve a mesma honra” a si próprio.

“Viemos todos aqui para isso”, lê-se em um desses comentários.

A rede social também é usada para pedir doações e enviar mensagens às famílias, por intermédio de membros do grupo que ficaram no país de origem.

Exibicionismo

Para François Ducrotté, analista do centro de pesquisa International Security Information Service (ISIS), com base em Bruxelas, essa atividade explícita é também uma forma de exibicionismo para jovens procedentes de classes desfavorecidas.

“É um orgulho para eles (mostrar a vida que levam na Síria). Essas pessoas, que são geralmente esquecidas pela sociedade, podem ter um momento de glória lutando por uma causa que talvez nem conheçam. E elas utilizam as redes sociais para ganhar protagonismo”, afirmou em entrevista à BBC Brasil.

No entanto, “sendo inconscientes e orgulhosos, (os autores das páginas) também ajudam as autoridades a identificar as células de recrutamento e células terroristas” ativas em seus países de origem, acredita o analista.

O Ministério de Interior da Bélgica afirma que esses sites são monitorados pelos serviços antiterrorismo e que as informações divulgadas nessas páginas são usadas nas investigações sobre os combatentes que voltam ao país.

Segundo a Europol, as autoridades europeias não têm poderes legais para controlar publicações em internet realizadas fora de seu território ou perseguir suspeitos em outros países.

Questionado pela BBC Brasil, o Facebook disse que as páginas identificadas pela reportagem violam as regras do site que proíbem a difusão de conteúdo incitando ou apoiando a violência, mas continuavam no ar porque não haviam sido denunciadas por nenhum usuário.

Os perfis foram rapidamente desativados, mas a empresa admitiu que é incapaz de impedir que as mesmas pessoas criem uma nova conta ou de supervisionar o conteúdo publicado por seus mais de um bilhão de usuários, o que poderia ser qualificado como invasão de privacidade.

Por que o espanto com os Black Blocs? ~ Adriana Carranca

black-blocsEste ano, dois países registraram mortes de jornalistas: Iraque e Brasil. Pode-se argumentar que o ano mal começou – embora já tenha chegado ao fim para o cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade, morto ao ser atingido por um rojão durante a cobertura de protestos no dia 6, no Rio. Vejamos, então, 2013: o Brasil foi o sexto do mundo com maior número de jornalistas assassinados, atrás apenas da Síria, Iraque, Egito, Paquistão e Somália. São países em guerra; o Egito vive um golpe e o ressurgimento dos ataques com bombas no rastro da confusão deixada pela Primavera Árabe, e o Paquistão, um regime militar velado e o terrorismo devastador.

[Adriana Carranca, Estadão, 12 fev 2014] Ataques à imprensa e a morte de jornalistas são o termômetro de uma sociedade doente, reflexo de  uma democracia disfuncional ou de democracia nenhuma. O que dizer então do Brasil? As mortes recentes de jornalistas não foram pontuais. Em 2012, fomos o quarto país mais letal para jornalistas, atrás de Síria, Somália e Paquistão. E em 2011, o terceiro ao lado do México, perdendo apenas para o Paquistão e, empatados, Iraque e Líbia. Em todos esses anos, foi mais perigoso fazer coberturas no Brasil do que no Afeganistão, Congo, Iêmen, Mali, República Centro-Africana e outros quase 190 países. É assim há pelo menos vinte anos, segundo dados do Comitê para Proteção de Jornalistas.

O relatório 2014 do CPJ sobre Ataques à Imprensa, que acaba de ser divulgado, coloca o Brasil também entre os dez países mais impunes do mundo, onde a falta de solução dos crimes e de responsabilização de criminosos é crescente.

Eu posso ouvir alguém dizer que o ataque contra Santiago Andrade não tinha como alvo a imprensa. O relatório do CPJ registra as mortes de jornalistas no exercício da profissão. Na Síria ou Iraque, para citar apenas alguns, os repórteres morrem em ataques diretos para silenciá-los, mas em maior número durante coberturas em que são atingidos por tiros ou bombas, como Andrade, vítimas da violência generalizada, que não é menos letal no Brasil. É, aliás, mais letal que no Afeganistão. Sua morte é o retrato de uma guerra particular que os brasileiros ainda não conseguem enxergar com clareza. Quando confrontados com tragédias como a morte do cinegrafista, corremos em busca de casualidades para explicar o inexplicável. Afinal, somos um povo pacífico, não somos? A realidade é que não, não somos e já faz tempo.

Andrade morreu nas mãos da sociedade civil. Tim Lopes, nas de traficantes. Eduardo Faustini, repórter investigativo da TV Globo, há anos não pode mostrar o rosto e vive sob proteção armada para poder continuar nos trazendo suas reportagens brilhantes sobre as falcatruas do poder público, como fraudes nas licitações de um hospital ou a máfia das sepulturas nos cemitérios do Rio. André Caramante, o colega que aliás acaba de sair da Folha de S. Paulo, teve de se exilar após receber ameaças pela publicação de uma reportagem  com o título “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”. Reproduzia os posts que o coronel reformado da Polícia Militar Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, então candidato a vereador, publicava “para veicular relatos de supostos confrontos com civis (sempre chamando-os de ‘vagabundos’)”. A página estava lá para quem quisesse ler, mas a matéria bastou para que Caramante fosse perseguido e ameaçado de morte. Telhada foi o quinto vereador mais votado em São Paulo.

No Brasil, o Estado mata, as forças de segurança matam e, percebemos agora, os que se dizem contra tudo isso matam também. Os traficantes matam e a polícia pacificadora mata (quem não se lembra do caso Amarildo?). No país do futebol, sede da Copa do Mundo este ano, os torcedores matam. E um jogo pode terminar com um jogador morto e um juiz esquartejado, como ocorreu em agosto em Centro do Meio, vilarejo de 200 famílias no Maranhão. “A cultura da faca e da revanche” no interior do Brasil, como definiu o New York Times, motivada pelo “desespero e a raiva” e “a desconfiança que fervilha do policiamento inadequado e do acesso desigual à Justiça”, onde “o derramamento de sangue é superado com derramamento de sangue”.

Estudo do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, no Rio, coloca o Brasil como o sétimo país mais violento do mundo, não só contra jornalistas. A posição é alavancada principalmente pelos “assassinatos de impulso” – uma discussão no trânsito, uma briga entre vizinhos. Vivemos em um estado de brutalidade generalizada, aceitamos a violência institucionalizada, muitas vezes a apoiamos. Por que o espanto com os Black Blocs?

Crianças sírias passam por sofrimento ‘indescritível’, diz ONU

siria criancasUm novo relatório mostra que crianças têm passado por sofrimentos “indescritíveis e inaceitáveis” durante a guerra civil na Síria, informou nesta quarta-feira o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

[BBC Brasil, 5 fev 2014] Há relatos de crianças vítimas de abusos sexuais e tortura após serem detidas pelo governo; e os rebeldes – inclusive o Exército pela Libertação da Síria, apoiado pelo Ocidente – são acusados de recrutar crianças para combater o regime.

O relatório da ONU estima que mais de 10 mil crianças tenham sido mortas nos três anos de conflito. Outras milhares foram feridas ou estão desaparecidas.

Não é a primeira vez que a ONU acusa governo e rebeldes sírios de violações contra direitos infantis, mas este é o primeiro relatório a ser apresentado ao Conselho de Segurança da entidade.

A representante especial da ONU para crianças em conflitos armados, Leila Zerrougui, deve apresentar o relatório a diplomatas na semana que vem.

Estupros

O relatório, que abrange período de 1º de março de 2011 a 15 de novembro de 2013, aponta que no início do levante contra o presidente Bashar al-Assad as violações eram cometidas sobretudo pelo Exército sírio, pelos serviços de inteligência e por milícias pró-governo.

Depois, à medida que o conflito se intensificou, a oposição armada se tornou mais organizada e cresceram as provas de que crimes contra crianças foram cometidos também pelos rebeldes.

Segundo o relatório, muitas delas foram detidas como adultos, maltratadas e torturadas pelo regime, sobretudo entre 2011 e 2012.

Testemunhas disseram que os abusos, contra meninos e meninas, incluíam “espancamentos com cabos de metal, chicotes e bastões; choques elétricos, inclusive nos órgãos genitais; unhas sendo arrancadas; estupros ou ameaças de estupro; fingir que vai matar a criança (como forma de tortura psicológica); queimaduras de cigarro; confinamento em solitárias; e exposição à tortura de parentes”.

Investigadores documentaram relatos de violência sexual perpetrada por soldados e oficiais de inteligência contra crianças suspeitas de serem ligadas à oposição.

Segundo testemunhas, a violência sexual foi usada para humilhar, forçar confissões ou pressionar um parente a se render.

Também houve relatos de estupros que teriam sido cometidos por rebeldes, mas os investigadores não conseguiram ir à fundo nas acusações.

Na semana passada, o vice-chanceler sírio, Faisal Mekdad, negou que o governo tivesse detido crianças e acusou rebeldes de sequestrar e matar menores.

Soldados mirins

O relatório da ONU também destaca o recrutamento de meninos de 12 a 17 anos, que aprenderam a usar armas para combater no conflito ou trabalhar em postos de checagem.

“Entrevistas com crianças e seus parentes indicam que a perda de familiares, a mobilização política e a pressão de amigos, familiares e comunidades contribuíram para o envolvimento de crianças com grupos associados ao Exército pela Libertação da Síria”, diz o texto. “Muitos meninos sentiram que era seu dever se unir à oposição.”

Um porta-voz dos rebeldes disse ao New York Times que seus integrantes têm de ter ao menos 18 anos, mas admitiu a possibilidade de alguns grupos recrutarem menores de idade.

O relatório afirma também que crianças foram usadas como escudos humanos e alvejadas durante protestos, em ataques aéreos, terrestres e de armas químicas.

Além disso, há suspeitas de que as forças rebeldes tenham promovido execuções primárias.

Ban instou os dois lados do conflito a proteger e preservar os direitos das crianças.

Brasil vira rota de bengalis em busca de refúgio

bengalisO Brasil vem sendo destino, nos últimos anos, de uma nova onda de imigrantes que, em 2013, passaram a assumir a primeira posição na lista de estrangeiros que pediram refúgio no país. Trata-se de cidadãos de Bangladesh, um país asiático a milhares de quilômetros do Brasil.

[Mariana Della Barba, BBC Brasil, 5 fev 2014] Segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), no ano passado, até novembro, 1.830 bengalis entraram no Brasil e solicitaram status de refugiados – mais que o dobro do total de cidadãos do segundo país que mais fizeram a mesma solicitação no mesmo período, Senegal (799).

Apesar de não terem o pedido de refúgio atendido – por não se encaixarem nos critérios do governo para isso -, os bengalis acabaram permanecendo no país, recebendo direito a residência permanente. Sem isso, e sem o status de refugiados, eles poderiam ter sido deportados do país.

O fato reflete um crescimento crescente no número de imigrantes de Bangladesh nos últimos anos. Em 2011, o Conare contabilizou 74 pedidos de refúgio feitos por pessoas do país asiático. No ano seguinte, elas haviam subido para 280.

Projeção atraente

A chegada de imigrantes ou refugiados vindos de Bangladesh ou de nacionalidades que tradicionalmente não migravam em massa ao país é um fenômeno recente.

Essa diversificação, segundo autoridades, é fruto da crescente projeção brasileira no exterior, aliada às crescentes restrições à entrada de imigrantes na Europa e nos Estados Unidos.

Segundo Ricardo Felix, advogado da Cáritas, ONG de direitos humanos que ajuda refugiados em várias cidades brasileiras, muitos bengalis com quem ele conversou nos últimos meses contam ver o Brasil como um país em paz, cheio de oportunidade e com histórico acolhedor.

“Fora que é um país em evidência, pelo crescimento econômico e pelos grandes eventos. E, junto com isso, também vêm as consequências”, diz Ricardo Felix.

De acordo do Felix, muitos que ele entrevistou nos últimos meses contam que chegam no Brasil, diretamente em cidades como Rio ou São Paulo, de avião, portando visto de turistas, para em seguida pedirem refúgio. Outros tantos, porém, chegam por rotas muito mais complicadas.

A Polícia Federal diz que parte dos bengalis entra no Brasil pelas fronteiras com a Bolívia – caso de Hussain – ou com o Paraguai. Muitos vêm ao país para trabalhar em fábricas – especialmente no Paraná.

As primeiras vindas de bengalis, assim como de paquistaneses, ganeses e senegaleses, ocorreu, segundo o Ministério da Justiça, “em razão da crescente necessidade de mão de obra para o abate halal (preparação de carne seguindo os preceitos islâmicos), em consequência do crescimento do mercado no Oriente Médio e da obrigação de que o abate das aves fosse feito exclusivamente pelos praticantes da religião muçulmana”.

O abate com o método halal fornece um selo requerido pelos países de maioria islâmica que importam a carne brasileira.

Miséria e política

Mas por que tantos bengalis estão deixando seu país e encarando uma jornada que incluiu atravessar dois continentes e dois oceanos para pedir refúgio aqui?

Em um das pontas desse trajeto está um país miserável, onde 31% da população vive abaixo da linha de pobreza e 40% tem subempregos, trabalhando apenas algumas horas por semana, segundo dados do Banco Mundial.

Os problemas econômicos são agravados pela tensão política latente no país. A rivalidade entre os dois principais partidos – o governista Liga Awami e o opositor Partido Nacional de Bangladesh (PNB) – se reflete no cotidiano do país e gera uma multidão de perseguidos políticos, entre governistas ou opositores, dependendo da região do país.

Um exemplo desse conflito é o fato de mais de cem pessoas terem sido mortas desde o fim do ano passado, em uma escalada de violência que precedeu as eleições do início de janeiro, consideradas uma das mais violentas da história do país.

“Os relatos que recebemos de Bangladesh é que, no conflito entre os dois partidos, é comum que ambos os lados façam a coação de pessoas, às vezes pessoas simples, para levar a cabo a perseguição”, disse Ricardo Felix.

Refugiados?

A legislação brasileira prevê a aprovação do pedido de refúgio quando há temores fundamentados de que o estrangeiro no caso sofre perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.

Em uma revisão dos casos de 4 mil estrangeiros que haviam pedido o status, realizada em dezembro de 2013, o governo concluiu que os 1.830 bengalis não se encaixavam nessa categoria, já que se concluiu que estavam no Brasil por razões econômicas, em busca de melhores condições de vida e trabalho.

No mesmo mês, esses casos foram enviados para a análise do Conselho Nacional de Migração (CNIg), e o governo lhes concedeu residência permanente.

“A grande questão era como solucionar, de forma que esses milhares de trabalhadores estrangeiros não ficassem em situação migratória irregular em caso de decisão desfavorável”, afirmou Paulo Sérgio Almeida, presidente do CNIg, na cerimônia que anunciou a concessão da residência aos estrangeiros, justificando a decisão: “A grande maioria possui emprego e vêm conseguindo se integrar de forma satisfatória ao nosso país.”

Segundo o governo brasileiro, não há uma conduta específica para os solicitantes de refúgio vindos de Bangladesh, já que a política segue sendo avaliar caso a caso. “As análises dos procedimentos no âmbito do Conare se dão de maneira individualizada. As regras e acordos internacionais, bem como as reconhecidas boas práticas brasileiras nesse sentido, devem continuar sendo cumpridas”, afirmou a assessoria do Ministério da Justiça.

“O esforço do governo brasileiro é criar uma capacidade de atendimento em prazo razoável à demanda a nós apresentada e que vem crescendo a cada ano, por meio de acordos de cooperação já firmados com a Defensoria Pública da União e com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR).”