Arquivo da categoria: Arte

Um monumento de ficção e história

Com 2.536 páginas, em 2 volumes, sai enfim no País, pela 1ª vez em tradução direta do russo, ‘Guerra e Paz’, a obra máxima de Tolstoi

[Aurora F. Bernardini, Estadão, 19 nov 11] Apesar de o próprio Liev Tolstói (1828- 1910) ter colocado Anna Kariênina (1875) em primeiro lugar entre seus favoritos, é a narrativa épica de Guerra e Paz (1863-69) seu romance indiscutivelmente mais completo e mais representativo. Não apenas pela extensão – são mais de 2 mil páginas nas quais se alternam os episódios que dão nome ao romance propriamente dito e que se desdobram num espaço de tempo que vai de 1805 (batalha de Austerlitz, entre os Exércitos de Napoleão e os da Rússia e da Áustria) até 1820 (consolidação da paz na Rússia e da vida das famílias envolvidas no romance), além de um adendo que constitui a parte 2 do epílogo, com reflexos histórico-filosóficas, muitas das quais Tolstói haveria de modificar na velhice -, mas também pelo uso admirável dos procedimentos literários que caracterizam sua peculiar arte narrativa. Mais: pelo desenvolvimento das principais teses de seu legado.

Em 1863, quando Tolstói começou a redigir o romance, ele já era um escritor famoso e um homem marcado pelas experiências mais profundas de sua vida e de sua época, ambas conturbadas. Vejamos, rapidamente, o porquê das atribulações. Continue lendo

“Translating Hip Hop” discute o gênero como novo idioma global

Rappers da Alemanha, Colômbia, Quênia, Filipinas e Líbano traduziram suas letras e buscaram diferenças e semelhanças de uma cultura extremamente local e ao mesmo tempo globalizada.

[DW, 16 nov 11] Para as gerações mais velhas, o hip hop é algo difícil de entender e quase impossível de apreciar. A simplicidade musical, aliada a letras que falam a linguagem da rua, cheias de gíria, é algo que para muitos passa longe de ser arte ou de ter um valor cultural respeitável.

Para entrarmos no mundo do hip hop, primeiro precisamos entender que a cultura hip hop vai além da música. “Hip hop é o rap, grafite, breakdance, um pouco de cultura do vinil e beatbox”, declarou Ale Dumbsky, curador do “Translating Hip Hop” (literalmente, Traduzindo hip hop). O projeto, realizado em cinco países, durou dois anos e teve seu encerramento em Berlim no fim de semana.

Muitos dialetos, um idioma

O projeto começou há mais de dois anos, quando a Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, procurou o curador com a ideia de colocar rappers alemães em contato com rappers de diferentes partes do mundo e traduzir suas letras. Veterano na cena hip hop alemã, Ale Dumbsky foi o fundador da gravadora Buback, que nos anos 1980 lançou o primeiro disco de rap em alemão. Continue lendo

Louvação do Barro ~ Marià Manent

Cantarei o barro, porque nele esteve a vida
e este sangue que ferve em nosso corpo.
Meus olhos de barro pressentem o repouso
e o clarão imortal de uma outra vida.

Cantarei o barro porque foi amassada
a nossa carne do barro inconsistente
e na argila curtida e inanimada
o sopro de Deus entrou como a semente.

Tradução de João Cabral de Melo Neto

MARIÀ MANENT (1898-1988)

Rainer Maria Rilke ~ poesias


Rainer Maria Rilke, (Praga, 4 dez 1875 — Valmont, Suíça, 29 dez 1926) foi um dos mais importantes poetas de língua alemã do século XX.

♣

O tempo não é uma medida.
Um ano não conta, dez anos não representam nada.
Ser artista não significa contar,
é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva e resiste,
serena, aos grandes ventos da primavera,
sem temer que o verão possa não vir.
O verão há de vir.
Mas só vem para aqueles que sabem esperar,
tão sossegados como se tivessem na frente a eternidade. Continue lendo

Primavera nos Dentes ~ João Apolinário

httpv://youtu.be/ZYpJ3QrdsLA

Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra-mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera

João Apolinário

Este poema foi musicado por João Ricardo, filho de João Apolinário.

A canção foi gravada no álbum de lançamento do grupo Secos e Molhados, em 1973, no qual João Ricardo fazia parte.

Vale a pena recordar… e despertar.

Guimarães Rosa: discurso em agradecimento ao prêmio de “Magma”

“O poeta não cita: canta.
Não se traça programas, porque a sua estrada não tem marcos nem destino.
Se repete, são idéias e imagens que volvem à tona por poder próprio, pois que entre elas há também uma sobrevivência do mais apto.

Não se aliena, como um lunático, das agitações coletivas e contemporâneas, porque arte e vida são planos não superpostos mas interpenetrados, com o ar entranhado nas massas de água, indispensável ao peixe—neste caso ao homem, que vive a vida e que respira arte.

Mas tal contribuição para o meio humano será a de um órgão para um organismo: instintiva, sem a consciência de uma intenção, automática, discreta e subterrânea. Continue lendo

Abujamra declama Guimarães Rosa

httpv://youtu.be/ZbbFQCeYmzc
♣
Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens.”

Texto citado em entrevista a Giinter Lorenz, em janeiro de 1965, citado em “Uma cantiga de se fechar os olhos –“: mito e música em Guimarães Rosa – Página 74, de Gabriela Reinaldo – Publicado por Annablume, 2005

A Palavra Mágica ~ Drummond

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

Carlos Drummond de Andrade, in ‘Discurso da Primavera’

Arquivos do filósofo Walter Benjamin são apresentados em Paris pela primeira vez

O filósofo Walter Benjamin (1892-1940), um dos nomes mais importantes da história da filosofia na primeira metade do século XX, deixou um tesouro de pensamentos e imagens salvos graças a seus amigos, e que estão sendo apresentados, a partir de hoje, e pela primeira vez, no Museu de Arte e História do Judaísmo de Paris, 71 anos depois de sua morte na fronteira franco-espanhola.

[AFP, 24 out 11] Os arquivos deste pensador berlinense, autor, entre outros livros, de A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), existem graças à correspondência com os amigos, entre eles os filósofos Theodor Adorno, Hanna Arendt e Gershom Scholem; o dramaturgo Bertolt Brecht e o escritor Herman Hesse.

Partia de um pensamento que incorporava a influência romântica a um certo messianismo de origem judaica. Nos anos 1920, passou somar a estes fatores o Materialismo Histórico, aproximando-se, então, da chamada Escola de Frankfurt.

A influência de Nietzsche também é claramente perceptível. Sua projeção literária começou com a tese de doutorado: A Crítica de Arte no Romantismo Alemão (1919), seguindo-se, mais tarde As Teses sobre o Conceito de História (1940) – escritas no mesmo ano de seu suicídio, para escapar aos captores fascistas. Postumamente, em 1982, foram publicados os textos reunidos na coletânea Passagens, relativa ao período situado entre os anos 1927 e 1940. Continue lendo

Mia Couto ~ Poemas

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in “Raiz de Orvalho e Outros Poemas” Continue lendo