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Exposição em Roma tenta reabilitar imagem de Nero

[BBC Brasil, 15 abr 11] Uma exposição na área arqueológica de Roma antiga celebra o imperador Nero, conhecido como um tirano cruel e louco incendiário, em uma tentativa de revelar seu perfil de urbanista inovador, homem culto e artista sensível.

A exposição se espalha pela principal área arqueológica de Roma, entre o Coliseu e o Fórum Romano, onde o imperador, famoso também por perseguir os primeiros cristãos, viveu e reinou.

Lucio Domizio Enobarbo tornou-se imperador com o nome de Nero Claudius Caesar aos 17 anos de idade em de 54 dC.

Na descrição do historiador Svetonio, por exemplo, Nero aparece como figura excêntrica:

“Estatura quase normal, corpo cheio de sardas e mal cheiroso. Cabelos louros, rosto bonito, mas sem graça. Olhos azuis, mas fracos, pescoço largo, ventre grande, pernas magras e saúde ótima. Não se vestia muito bem e aparecia em público com roupas íntimas, um lenço amarrado no pescoço, sem cinto e descalço”.

Personagem complexo e contraditório, Nero teria reinado de forma exemplar no começo, para depois se transformar num dos personagens mais cruéis, narcisistas e megalomaníacos da História.

“Se Nero tivesse morrido nos primeiros anos de reino, não seria recordado como o “veneno do mundo”, apelido que lhe foi dado pelo historiador Plínio, o Velho” disse o historiador Andrea Giardina ao apresentar a mostra, que vai até dia 18 de setembro.

Contra as elites

A imagem negativa que atravessou a História, se deve, segundo dados apresentados na mostra, a medidas que Nero teria tomado e que teriam descontentado as elites romanas da época. Continue lendo

É fácil trocar as palavras ~ Fernando Pessoa

É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outra pessoa, é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo.

A menina e o pássaro encantado ~ Rubem Alves

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.

Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.

Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…

— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…

E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.

Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.

— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes. Continue lendo

Manifesto Antropófago (1928) ~ Oswald de Andrade

Abapuru - Tarsila do Amaral

 

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupy, or not tupy that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.

O que atrapalhava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa. Continue lendo

Tabacaria ~ Álvaro de Campos [Fernando Pessoa]

    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

    Janelas do meu quarto,
    Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
    (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
    Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
    Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
    Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
    Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
    Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
    Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

    Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
    Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
    E não tivesse mais irmandade com as coisas
    Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
    A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
    De dentro da minha cabeça,
    E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

    Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
    Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
    À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
    E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. Continue lendo