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Morte de mulher na Índia enterra língua de 65 mil anos

Por Alastair Lawson, na BBC Brasil, 9 fev 10

A última pessoa que sabia falar uma das línguas mais antigas do mundo morreu nas Ilhas Andaman, no sudeste asiático. Trata-se de uma mulher, Boa Sr, que tinha 85 anos.

As ilhas, situadas no Golfo de Bengala, são governadas pela Índia. Boa Sr pertencia à pequena comunidade dos grande andamanenses, um dos quatro grupos étnicos que habitam as ilhas.

A língua bo – falada pela tribo do mesmo nome, hoje extinta – é uma entre dez línguas faladas pelos grande andamaneses, e teria por volta de 65 mil anos.

Linguistas acreditam que esses idiomas já eram falados em assentamentos humanos existentes na região durante o período Pré-Neolítico. Alguns podem ter se originado na África há 70 mil anos.

Solidão

A especialista indiana em linguística Anvita Abbi disse à BBC que a morte de Boa Sr é significativa porque marca a extinção de uma das línguas mais antigas do mundo.

A humanidade acaba de perder um elo vivo que a conectava a culturas que existiram há 70 mil anos.

Abbi – que administra o site Vanishing Voices of the Great Andamanese (Voga), dedicado às tribos grande andamanesas, disse:

“Durante 30 ou 40 anos, após a morte dos seus pais, Boa foi a única pessoa capaz de falar a língua bo”.

“Ela sentia muita solidão e teve de aprender uma versão andamanesa do hindi (idioma falado por 70% dos indianos) de forma a se comunicar com as pessoas.

“Mas durante toda a sua vida, ela sempre demonstrou um grande senso de humor. Seu sorriso e sua risada, que ressoava na garganta, eram contagiantes”.

Para Abbi, a morte de Boa Sr é uma perda para intelectuais que querem estudar as origens de línguas antigas, porque uma importante peça do quebra-cabeças desapareceu.

“Acredita-se que os idiomas andamaneses sejam os últimos representantes de línguas que datam do período Pré-Neolítico”, ela disse.

“Os andamaneses, pelo que se acredita, estariam entre os nossos mais antigos ancestrais”.

Doenças Importadas

Segundo especialistas, nos últimos três meses, duas línguas faladas nas Ilhas Andaman se tornaram extintas, o que traz grande preocupação.

Os acadêmicos dividiram as tribos que habitam as ilhas em quatro grandes grupos: os grande andamaneses, os jarawa, os onge e os sentineleses.

Abbi disse que todos, à exceção da tribo sentinelese, estiveram em contato com moradores do continente, o que resultou em mortes e “doenças importadas”.

Os grande andamaneses são cerca de 50 (na maioria, crianças) e vivem na ilha Strait, perto da capital, Port Blair.

O grupo jarawa tem cerca de 250 integrantes e a comunidade onge – acredita-se – teria também algumas centenas de pessoas.

“Não houve contato humano com os sentineleses e até o momento eles resistem a todas as intervenções externas”, disse Abbi.

Mas é o futuro dos povos grande andamaneses que mais preocupa os especialistas, porque as tribos dependem do governo indiano para obter alimentos e abrigo. Problemas com álcool são uma constante.

A história de Boa Sr também foi tema de uma campanha da ONG de proteção aos povos da floresta Survival International.

“A extinção da língua Bo significa que uma parte única da sociedade humana é hoje apenas uma lembrança”, disse o diretor da entidade, Stephen Corry.

Autor de violência sexual é próximo da vítima, alertam especialistas

Da Agência Brasil, 7 fev 10

Autores de crimes sexuais costumam usar estratégias para seduzir e atrair crianças e adolescentes. Por isso, os pais devem estar sempre alerta em relação às pessoas que se aproximam de seus filhos.

“O abusador é sempre amigo. Está dentro de casa, é uma pessoa dócil. Qualquer um põe a mão no fogo por ele, que não deixa rastro. É diferente do estuprador, que é truculento”, alerta o senador Magno Malta (PR-ES), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga casos de abuso e exploração sexual, pornografia infantil e tráfico de crianças e adolescentes.

De acordo com a delegada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Brasília, Gláucia Cristina Ésper, os pedófilos “não têm cara de tarado, não são agressores natos e estão muito próximos”.

“O pedófilo frequenta os lugares onde há muita criança, gosta de comer em fast food, lê coisas de criança, dá presentes e joga videogame. Geralmente, ele não teve uma infância bem resolvida. Tem uma vida meio infantil também, e estar naquele meio facilita pegar a sua presa”, diz a delegada.

Segundo a historiadora e socióloga Adriana Miranda, as redes de exploração sexual também fazem uso de atrativos para se aproximar das crianças. “O que tem se observado é que dentro da rede de exploração a pessoa que se aproxima da criança é sempre uma mulher bem vestida, que tem carro, celular e aparelho MP3.”

Para a psicóloga Karen Michel Esber, o autor de violência sexual usa várias formas para se aproximar da vítima: desde a sedução até a força física. A especialista chama a atenção para a educação das crianças. “Se houvesse mais conversa, existiria menos abuso”, afirma a psicóloga ao ressaltar que as crianças deveriam ser educadas para prevenir, identificar e avisar alguém de confiança sobre o assédio, inclusive quando ocorre dentro de casa.

De acordo com a especialista, as crianças precisam saber distinguir situações de assédio e estar preparadas, inclusive, para a tentativa de abuso familiar. “Esse toque que meu pai está fazendo, não é o de que eu gosto. Então eu vou falar com a minha mãe que, naquele dia, me disse que se eu sentisse o que não gosto, eu deveria falar com ela.”

A orientação da psicóloga Mônica Café é que os pais conversem mais sobre sexualidade com seus filhos e trabalhem a autonomia da criança. “O que vai impedir o abuso é a autonomia da criança. Ela vai ter que dizer não. Os autores de violência sexual vão às crianças que são mais frágeis.”

Karen Asber confirma que a iniciativa e o protagonismo das crianças podem salvá-las. Ela se lembra de uma entrevista que fez com um pedófilo preso em Goiânia que afirmou: “você acha que eu abuso de qualquer menino? Eu abuso do quietinho e reprimido. O espertinho vai contar”.

De acordo com Valéria Brain, também psicóloga, o comportamento da criança muda após o abuso. “Piora o rendimento escolar, ela passa a ter medo de certos adultos, tem pesadelo, regressão de comportamento [como fazer xixi na cama] ou pode até mesmo ficar com a sexualidade exacerbada.”

A psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Lia Rodrigues Lopes admite que as vítimas de violência sexual têm mais riscos de desenvolver transtornos mentais, como depressão, humor bipolar e ansiedade, e, no futuro, reproduzir os abusos. “Existe uma maior chance, sim, de o pedófilo de hoje ter sido a vítima no passado”, afirma.

Número de abortos legais cai 42% entre 2008 e 2009

Por Ullisses Campbell, no Correio Braziliense, 8 fev 10

São Paulo — Um levantamento inédito feito pelo Ministério da Saúde revela que o número de mulheres que procuram o Sistema Único de Saúde (SUS) para fazer aborto com autorização judicial caiu 42% entre os anos de 2008 e 2009.

Na avaliação do próprio governo, o número de abortos legais realizados no Brasil vem reduzindo ano a ano desde 2005 por causa do aumento na distribuição de contraceptivos, como camisinhas, anticoncepcionais e principalmente a pílula do dia seguinte. Só no ano passado, o Ministério da Saúde entregou 152 mil cartelas de contraceptivo de emergência.

Comparando com o ano anterior, o aumento na distribuição gratuita desse medicamento foi de 508%. “A tendência é aumentar ainda mais o acesso das mulheres às pílulas do dia seguinte para evitar gravidez indesejada por causa de acidentes de percursos”, avisa Lena Peres, coordenadora da área técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde.

Para ter acesso à pílula que evita gravidez, Lena diz que a paciente precisa ter em mãos uma receita médica e seguir até o posto de saúde mais próximo. No consultório, os profissionais dão a receita praticamente a todas as mulheres de 15 a 49 anos que desejam evitar a gravidez. “Elas geralmente dizem que não tinham camisinha na hora do sexo e que ficaram com receio de engravidar”, conta o médico Ricardo Porto, do posto de saúde da Vila Mariana, São Paulo.

A advogada brasiliense C.S.R, 28 anos, recorre à pílula do dia seguinte sempre que se esquece de tomar o anticoncepcional ou quando o namorado não está com camisinha. Em todo o ano passado, a jovem tomou três vezes a pílula. Todas compradas em farmácias e sem receita médica. “Não estou pensando em ter filhos agora porque ainda estou me firmando profissionalmente”, justifica.

Para o médico ginecologista Jefferson Drezett, assessor do Comitê Latinoamericano de Anticoncepção de Emergência, a distribuição de pílula do dia seguinte nos postos de saúde vai fazer cair, no futuro, uma estatística negativa. “A cada dois dias, uma mulher morre no Brasil por causa de abortos feitos clandestinamente”, diz.

Recurso

A designer A.A.D, 31 anos, recorreu a um aborto quando tinha 17 anos. O namorado, então com 19 anos, ficou assustado quando ela confirmou a gravidez, que estava em seis semanas. Assustada com a possibilidade de ser mãe muito jovem e apavorada porque o namorado não ia assumir o bebê, decidiu interromper a gestação. O namorado foi à farmácia e comprou Citotec, um abortivo comum. “Tomei e fui deitar. Em seguida, tive uma contração no útero e muita cólica. Fui ao banheiro, sentei-me no vaso sanitário e minha menstruação veio de uma só vez. (…) Não tive coragem de olhar para o feto. Sabia que existia uma criança ali. Quase não consegui dar a descarga”, relata emocionada. A designer carregou culpa por vários anos até engravidar pela segunda vez e ter uma filha.

Membro da Comissão de Cidadania e Reprodução, uma entidade não governamental, a socióloga Thaís Lapa, comemora o fato de os abortos estarem em queda no SUS graças à distribuição das pílulas. Mas ela faz o seguinte alerta: é possível que a diminuição do número de abortos possa estar relacionada à falta de hospitais que ofereçam o procedimento de interrupção de gravidez legal. Atualmente, apenas 60 hospitais estão credenciados pelo governo para a realização de “esvaziamento uterino”, termo usado pelo Ministério da Saúde.

“Acho que esse dado que mostra a queda de abortos deveria ser melhor analisado, até porque aumentou o número de curetagens”, diz Thaís. Estatísticas processadas pelo departamento da Saúde da Mulher apontam que o número de curetagem feita em postos de atendimento público aumentou 37% entre 2008 e 2009. Geralmente esse procedimento ocorre quando a mulher tenta fazer aborto em casa ou em clínicas clandestinas e acaba tendo complicações.

“O Brasil é um estado laico. A Igreja Católica tem o direito de se manifestar, mas o governo tem o dever de amparar as mulheres que não desejam ter filhos”

Lena Peres, coordenadora da área de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde

“O Ministério da Saúde está enganando a população porque a pílula do dia seguinte é um método tão abortivo quanto o Citotec”

Dom Antônio Duarte, médico, bispo auxiliar do Rio e membro da Pastoral da Vida

Igreja discorda das estatísticas

O aumento na distribuição de pílulas do dia seguinte pelo governo federal não é motivo de comemoração entre quem é contra o aborto. A entidade que mais critica é a Igreja Católica. O bispo auxiliar do Rio de Janeiro e membro da Pastoral da Vida e Família da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Antônio Augusto Duarte, é médico. Ele diz que realizou uma pesquisa científica no laboratório que fabrica a pílula distribuída pelo governo e concluiu que ela é tão abortiva quanto o Citotec. “O governo deveria dar todas as informações científicas para não enganar a população, já tão desamparada nos seus direitos à verdade, à segurança e à saúde”, critica o religioso.

Segundo a pesquisa de dom Antônio, a pílula do dia seguinte age impedindo que o esperma chegue até a parede uterina usando os mesmos mecanismos do Citotec numa proporção menor. “O ciclo da vida começa na fecundação. Usar a pílula é um microaborto”, define o religioso. Por outro lado, o bispo ressalta que a Igreja perdoa e ampara as mulheres que se submetem à contracepção de emergência.

Na avaliação de dom Antônio, o Ministério Público vem conseguindo diminuir o número de abortos legais feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas isso não significa que estejam ocorrendo menos interrupções de gravidez no país. “Todo mundo sabe que as mulheres estão fazendo abortos em casa tomando remédios e usando métodos rudimentares.”

Como o SUS só realiza aborto com autorização judicial, dom Antônio argumenta que os juízes podem ter negado mais autorização em 2009 do que no ano anterior, o que faz com que as mulheres recorram a outros meios que não sejam o hospital público.

Segundo uma pesquisa feita pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em 781 processos judiciais de todo o país, 31% das ações que tratam de aborto no Brasil referem-se a interrupções de gravidez causadas por violência contra gestantes. As ações pesquisadas tramitavam pelos Tribunais de Justiça de todos os estados, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) entre 2001 e 2006.

Do total de processos vinculando aborto à violência, 67% eram da Região Sudeste, 20% da Sul, 7% da Centro-Oeste, 4% da Nordeste e 2% da Norte. Segundo o estudo, essa relação está diretamente ligada ao maior acesso ao Judiciário nos estados mais desenvolvidos do país. Quanto à tipificação penal, 63% tratavam de “homicídio e aborto não consentido”. Em segundo lugar destacavam-se casos de “violência sexual de criança ou adolescente até 14 anos e aborto”, com 10%.

Cerca de 3 milhões de mulheres são vítimas de mutilação genital todo ano

DW, 6 fev 10

Mais de 150 milhões de mulheres e meninas foram submetidas a mutilação genital feminina em todo o mundo. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), cerca de três milhões de meninas se tornam vítimas dessa prática a cada ano.

Por ocasião do Dia Internacional contra a Mutilação Genital Feminina, 6 de fevereiro, foi lançada em Berlim uma campanha contra esse tipo de violência contra a mulher. A mentora da iniciativa lançada por diversas organizações é a ex-modelo Waris Dirie, ela própria mutilada na idade de 5 anos em seu país de origem, a Somália.

Waris Dirie denuncia que os políticos em todo o mundo, não só na Europa, só fazem promessas vazias. Como encarregada especial das Nações Unidas, ela exige medidas concretas: “É um problema mundial, não apenas africano. Acontece em todo o mundo, e com uma frequência muito maior do que se imagina. É chocante e decepcionante ver os políticos internacionais se omitindo dessa forma”.

Não só na África e nos países árabes

As principais vítimas da mutilação genital são sobretudo meninas e mulheres de 28 países africanos, sobretudo ao sul do Saara. Fora da África, essa prática é comum principalmente em países árabes como Omã e Iêmen. Na Europa e na América do Norte, os imigrantes muitas vezes viajam para seus países de origem para mandar mutilar suas filhas.

A meta da campanha é alertar para esse grave problema mundial por meio de uma propaganda provocadora.

A organização de defesa dos direitos da mulher Terre des Femmes se empenha desde 1983 contra a mutilação de mulheres, sobretudo na África. A política verde alemã Irmingard Schewe-Gerigk, presidente da organização, descreve a resistência contra esse crime: “Em Burkina-Faso, por exemplo, 300 voluntárias combatem a mutilação genital feminina com nosso incentivo e apoio financeiro. Essas mulheres visitam vilarejos e informam a população sobre as consequências nocivas dessa prática”. Até agora, 32 mil meninas puderam ser protegidas da mutilação em consequência desse trabalho voluntário.

A Terre des Femmes também atua em Serra Leoa, onde as mulheres anteriormente incumbidas de realizar a mutilação adquirem chances de mudar de profissão com ofertas de alfabetização, cursos de agricultura ou indenização financeira.

A associação LebKom e.V. (uma sigla que quer dizer “comunicação viva com mulheres em sua própria cultura”) desenvolve projetos no Quênia, a fim de proteger as meninas, fortalecer as mulheres e mobilizar os homens. Na opinião de Kerstin Hesse, atuante há sete anos no Quênia, a mutilação genital feminina só pode ser combatida se todos estiverem envolvidos no processo. Afinal, não adianta uma mulher decidir que não mandará mutilar sua filha, se o resto da família for contra essa decisão.

“Já que no Quênia, assim como no mundo inteiro, são os homens que decidem e determinam as regras dentro da família e na sociedade, nós nos concentramos sobretudo no trabalho com os homens. Oferecemos cursos para 210 docentes, 50% homens e 50% mulheres. Esses cursos foram concebidos para durar três anos e meio. No início do projeto, em 2002, a maioria dos professores matriculados eram defensores radicais da mutilação feminina, uma frente masculina disposta a defender sua cultura”, descreve Hesse.

Entretanto, os profissionais responsáveis pelos cursos se mostraram aptos a lidar com essa reação completamente compreensível dos participantes. Após apenas três meses de curso, homens e mulheres estavam decididos a proteger suas filhas da mutilação. Os participantes acharam tão enriquecedor o que aprenderam nos cursos que se entusiasmaram em dividir esse conhecimento com a maior quantidade possível de pessoas, lembra a política verde alemã e presidente da Terre des Femmes.

Perpectiva de mudar o código penal alemão

Segundo Irmingard Schewe-Gerigk, na Alemanha vivem 20 mil mulheres mutiladas, sendo que 5 mil meninas correm o risco de serem submetidas à mutilação. “Eu gostaria que essas meninas fossem colocadas sob nossa proteção. Temos que fazer tudo para impedir que elas não sejam mutiladas na Alemanha ou durante alguma viagem de férias ao país de origem dos pais”.

Além disso, as mulheres afetadas teriam direito a assistência médica. Nesse ponto, a Alemanha não oferece as melhores condições, alerta a política verde. É por isso que a Terre des Femmes iniciou uma campanha de assinaturas em colaboração com o centro de planejamento familiar Balance, a fim de assegurar que as vítimas realmente obtenham financiamento para serem examinadas, orientadas e operadas.

Por ocasião do Dia Internacional contra a Mutilação Genital Feminina, políticos alemães fizeram um apelo pelo repúdio dessa prática em todo o mundo.

Na Alemanha, uma mudança na legislação sobre o tema está sendo levada adiante. Os estados de Baden-Württemberg e de Hessen já apresentaram ao Bundesrat, câmara alta do Parlamento alemão, um projeto de lei que prevê uma pena de prisão de pelo menos dois anos para casos de mutilação genital.

Até agora, essa prática era punida apenas como lesão corporal simples ou culposa. Diversos estados com governos conservadores já demonstraram apoio ao projeto de lei.

Essa postura é nova. Em julho de 2009, as bancadas cristãs ainda defendiam as atuais regulamentações penais, considerando um maior rigor legal contraproducente para as vítimas.

Autora: Sabine Ripperger (sl)
Revisão: Alexandre Schossler

Consumo de crack cresce sem controle no Brasil

Fonte: O Globo, 7 fev 10

O crack, droga derivada da cocaína, está se tornando um flagelo nacional, espalhada pelo país em diferentes classes sociais e tomando até salas de aula, contam Catarina Alencastro e Odilon Rios em reportagem publicada pelo GLOBO neste domingo.

Em Maceió, a imagem dos santos despedaçados, num altar da escola estadual Benício Dantas, virou o símbolo da derrota dos professores na luta contra o tráfico de drogas. Invadida várias vezes, a escola já teve salas, pavilhões, corredores e banheiros destruídos e reconstruídos várias vezes. Há dois registros de tiroteio na escola, o ginásio de esportes virou uma cracolândia, e os alunos fumam maconha nas salas de aula. No turno da tarde, 25% dos estudantes desistiram de estudar na escola ano passado. Casos como esse são rotina em Maceió. Dados do Ministério Público Estadual indicam que 30% dos alunos das 120 escolas da rede pública estadual na capital alagoana, entre 10 e 20 anos, estão envolvidos com o tráfico ou viraram viciados.

Os dados oficiais mais recentes mostram que essa tragédia se repete em outras capitais e cidades brasileiras. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em sua última publicação, revelou um aumento na circulação do crack no Brasil. Em 2002, 200 quilos da droga foram apreendidos. Em 2007 – último dado disponível – foram 578 quilos apreendidos. O montante equivale a 81,7% do crack apreendido na América do Sul.

Em todo o país, os serviços de atendimento a dependentes químicos relatam que mais e mais pessoas, independentemente da classe social, vêm nos últimos anos procurando ajuda para se livrar do vício do crack. A droga já é a segunda maior causa de procura por atendimento nos centros do SUS especializados em abuso de álcool e drogas, o CAPS-AD. Nesses locais, o crack só perde para a bebida.

– A rede de tratamento em algumas regiões foi surpreendida pelo aumento da procura pelo tratamento (do crack), principalmente nas grandes cidades – constata Pedro Gabriel Delgado, coordenador do Programa de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

No Rio, o Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), ligado ao Instituto de Psiquiatria da UFRJ, tem dados preliminares de um estudo ainda não publicado. Nele, constata-se que, em março de 2007, só 15% dos entrevistados haviam experimentado o crack. Em junho de 2008, esse percentual subiu para 25%. O número de pessoas que tinha usado a droga nos últimos 30 dias em março de 2007 não chegava a 1%; em junho de 2008, eram 10%. A prefeitura do Rio estima que pelo menos 800 pessoas em situação de risco (moradores de rua, principalmente) são viciadas em crack.

Em Salvador, de 2006 a 2009, 5.618 novos usuários passaram a ser atendidos pelo Programa de Redução de Danos da Universidade Federal da Bahia, um dos principais centros de estudos sobre o assunto. O alvo da pesquisa foi a população de rua e se refere só aos que aceitaram começar um processo para abandonar o vício. Para se ter uma ideia do problema, em 2006, só 26% dos novos usuários de drogas atendidos eram consumidores de crack. Em 2009, a proporção pulou para 34%; em 2008, chegou a 37,8%. Já uma pesquisa de amostra realizada com pacientes internados por dependência química, em 2006, em Porto Alegre, revelou que 43% estavam ali por conta do crack.

Um dos motivos do aumento do consumo da droga é que muitos usuários de cocaína injetável migraram para o crack, após o boom da epidemia de HIV que surpreendeu esse grupo, diz o professor Félix Henrique Kessler, vice-diretor do Centro de Pesquisa em álcool e drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

” Depois que se fica dependente de crack, é difícil sair. O melhor é não entrar nessa “

– Quase todos os usuários de cocaína injetável migraram para o crack – diz.

Os dados oficiais mais recentes sobre o tema são de 2005 e dão conta de que pelo menos 380 mil brasileiros fumavam, regularmente, a pedra feita com o subproduto da cocaína. Para combater o problema, o Ministério da Saúde aposta em diversificar o tratamento. A abordagem de usuários nas ruas é uma das estratégias. A exemplo do que ocorre em Salvador, Rio e outras 12 capitais montarão consultórios de rua para atrair pacientes que resistem a procurar ajuda.

– Depois que se fica dependente de crack, é difícil sair. O melhor é não entrar nessa – alerta o professor Kessler.

Operação do GOE prende 10 índios Potiguaras

O Norte, 4 fev 2010

Operação do GOE prende 10 índios potiguaras acusados latrocínios e assaltos no litoral

A Operação “Potiguara” prendeu no início da manhã desta quinta-feira, dia 4, um grupo formado por 10 índios de aldeias do litoral norte do estado acusados de assaltos e latrocínios. Um dos presos é filho de um cacique. A ação foi realizada por policiais civis e miltiares.

Os índios aterrorizavam principalmente a região que envolve os municípios de Mataraca, Marcação, Rio Tinto e Baia da Traição.

O delegado Valber Virgulino, que comanda o Grupo de Operações Especiais (GOE), informou que os índios foram levados para a Central de Polícia, em João Pessoa.

As prisões ocorreram com autorização da Justiça. Foram expedidos 13 mandados de prisão, sendo que 10 foram cumpridos. Os índios moravam em aldeias dos municípios de Rio Tinto, Baía da Traição e Mataraca. O delegado informou que uma arma foi apreendida na casa de um dos acusados.

Na Operação Potiguara também foi encontrada uma arma que teria sido utilizada em um dos crimes praticados pelo grupo. Segundo a polícia, há indícios de que os acusados atuavam em conjunto, mas ainda não é possível caracterizar formação de quadrilha.

Paraíba tem municípios onde mais de 50% das crianças não possuem certidão de nascimento

Correio Braziliense, 03 fev 2010

Uma em cada seis crianças na Paraíba não possui certidão de nascimento. A situação é ainda mais grave no município de Areia de Baraúna, no Sertão, distante 257,8 quilômetros de João Pessoa, onde 53,5% das crianças não são registradas ao nascer.

Os números são da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que foram repassados pela Secretaria de Desenvolvimento Humano do Estado ao Ministério Público da Paraíba.

Apesar das campanhas realizadas no País para erradicar o problema do sub-registro de nascimentos, o estado da Paraíba o segundo na região Nordeste a apresentar a menor queda no percentual de crianças sem registro. Entre 2000 e 2007, o estado reduziu de 27,9% para 16,8%.

Para combater a situação atual, a coordenação do Centro Operacional de Apoio às Promotorias de João Pessoa (1° Caop) elaborou uma proposta de termo de compromisso de ajustamento de conduta que obriga os gestores municipais a desenvolverem ações permanentes para reverter o problema.

Além disso, o termo de compromisso quer que no prazo de 40 dias depois da assinatura do termo, toda a logística necessária para combater o sub-registro de nascimento esteja funcionando. O modelo do TAC será disponibilizado a todos os promotores de Justiça que atuam no Estado para que eles acionem os prefeitos.

O promotor de Justiça que coordena o 1° Caop, Adrio Nobre Leite, frisou que o TAC é uma medida que reforça a campanha de mobilização nacional contra o sub-registro e as medidas realizadas pelo Comitê Gestor Estadual.

Adrio Nobre Leite ressaltou que “a certidão de nascimento é um documento fundamental para todo brasileiro, passo inicial para o exercício da cidadania e, portanto, para garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, permitindo o exercício de diversos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, inclusive através da perspectiva de obtenção de outros documentos”.

Pela proposta do MP, os órgãos municipais terão que identificar e diagnosticar as pessoas que ainda não têm registro de nascimento. Os trabalhos serão acompanhados e coordenados pelos comitês gestores referidos na Campanha de Mobilização Nacional pela Certidão de Nascimento e Documentação Básica ou por equipe designada, caso o município não disponha de comitê.

Além disso, as prefeituras também deverão mobilizar os agentes públicos que atuam nos programas e estratégias governamentais voltados para o atendimento à população (como os Centros de Referência de Assistência Social, o Programa Brasil Alfabetizado e Saúde da Família, por exemplo) na ação de diagnóstico sobre a existência de pessoas sem registro civil de nascimento e encaminhem os dados ao Comitê Gestor.

Na proposta do MP, a cada 30 dias, as secretarias municipais de Saúde encaminharão ao comitê informações sobre as pessoas nascidas vivas. O objetivo é que com essas informações seja feita a verificação da realização do registro de nascimento junto aos cartórios ou para que sejam tomadas as medidas capazes de garantir esse direito gratuitamente e no local de residência do interessado.

Os municípios que assinarem o TAC e descumprirem as obrigações serão acionados judicialmente pelo Ministério Público e pagarão multa diária por cada dia de descumprimento.

Brasil tem diferenças dentro de uma mesma classe social, diz pesquisa

Marli Moreira, da Agência Brasil, 3 fev 2010

Brasília – A definição das classes sociais em A, B,C, D e E escondem características que podem ser essenciais para melhor definir um novo produto de consumo ou mesmo onde e como os órgãos públicos devem realizar obras de serviços à população como um hospital. A constatação foi feita pela Serasa Experian, empresa de consultoria do setor privado, que realizou um estudo semelhante ao que já existe em 29 países.

Por meio do cruzamento de dados cadastrais da companhia, do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) e da Pesquisa Nacional de Amostragem Domicialiar (PNAD), foi feita uma espécie de radiografia social.

Nesse mapeamento, foram identificados 39 segmentos distintos dentro de dez grupos ( A: Ricos, sofisticados e influentes; B: Prósperos e moradores urbanos; C: Assalariados urbanos; D: Empreendedores e comerciantes; E: Aspirantes sociais; F: Periferia jovem; G: Envelhecendo na periferia; H: Aposentadoria tranquila; I: Envelhecendo no interior; J: Brasil rural.

Todos foram separados em função da renda, da geografia, da demografia, de padrões estabelecidos, e estilo de vida. Entre eles estão moradores ribeirinhos da Grande Amazônia (1,47%), um dos sete do grupo Brasil Rural; aposentados rurais do Nordeste (4,03%), um dos três do grupo Envelhecendo no Interior e jovens trabalhadores de baixa renda (3,55%), um dos seis do grupo F (Periferia Jovem).

Segundo Juliano Marcílio, responsável pelo trabalho, o resultado é uma ferramenta de múltiplas aplicações. “Tanto pode ser usada por empresas quanto órgãos públicos”, disse ele, defendendo que “toda a empresa precisa entender melhor o ambiente e o consumidor final”.

Quanto ao uso por entidades governamentais, ele informou que uma campanha antitabagista, desenvolvida na Inglaterra, foi definida com base no mesmo tipo de conjunto de informações. Ela afirmou que “quando se fala da periferia se cria um arquétipo. Mas na nossa segmentação construímos nove segmentos distintos de moradores com anseios e desejos característicos”.

A socióloga Cristina Panella, um dos dez professores da Universidade de São Paulo que analisaram os dados, disse que o estudo permite “aumentar, consideravelmente, o entendimento dos diferentes grupos na sociedade brasileira e não só por uma única ótica”. Para ela, isso pode ajudar nas estratégias de marketing não apenas por partes das empresas do setor privado quanto de órgãos públicos.

Nesse trabalho, segundo ela, foi possível entender melhor, por exemplo, algumas mudanças sociais com o ingresso de famílias de baixa renda na classe média. Ela observou que em uma mesma residência, às vezes, passam a morar novos agregados da família e isso reduz o gasto médio da moradia.

Há um esforço de setores da sociedade em apagar a ditadura da história do país, diz filósofo

Por Gilberto Costa, Brasília, da AB, 30 jan 2010

Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes revelaram que seus carrascos asseguravam que ninguém acreditaria no que havia ocorrido nos campos de concentração. A história, no entanto, não cumpriu o destino previsto pelos nazistas, muitos foram condenados e o episódio marca a pior lembrança da humanidade.

Crimes cometidos em outros momentos de exceção também levaram violadores de direitos humanos a serem interrogados em comissões da verdade e punidos por tribunais, como na África do Sul, em Ruanda, na Argentina, no Uruguai e Paraguai.

Para filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), há um lugar que resiste à memória do horror e a fazer justiça às vítimas: o Brasil. Nenhum agente do Estado ditatorial (1964-1985), envolvido em crimes como sequestro, tortura, estupro e assassinato de dissidentes políticos, foi a julgamento e preso.

Em março, será lançado o livro O Que Resta da Ditadura (editora Boitemço), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle,o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.

Agência Brasil: O Brasil tem alguma dificuldade com o seu passado?

Vladimir Safatle: Existe um esforço de vários setores da sociedade em apagar a ditadura, quase como se ela não tivesse existido. Há leituras que tentam reduzir o período à vigência do AI-5 [Ato Institucional nº 5], de 1968 a 1979. E o resto seria uma espécie de democracia imperfeita, que não se poderia tecnicamente chamar de ditadura. Ou seja, existe mesmo no Brasil um esforço muito diferente de outros países da América Latina, que passaram por situações semelhantes, que era a confrontação com os crimes do passado. É a ideia de anular simplesmente o caráter criminoso de um certo passado da nossa história.

ABr: Há quem diga que o Brasil não teve de fato uma ditadura clássica depois de 1964, mas sim uma “ditabranda” se comparada à da Argentina e a do Uruguai, por exemplo.

Safatle: Essa leitura é do mais clássico cinismo. É inadmissível para qualquer pessoa que respeite um pouco a história nacional. Afirmar que uma ditadura se conta pela quantidade de mortes que consegue empilhar numa montanha é desconhecer de uma maneira fundamental o que significa uma ditadura para a vida nacional. A princípio, a quantidade de mortes no Brasil é muito menor do que na Argentina. Mas é preciso notar como a ditadura brasileira se perpetuou. O Brasil é o único país da América Latina onde os casos de tortura aumentaram após o regime militar. Tortura-se mais hoje do que durante aquele regime. Isso demostra uma perenidade dos hábitos herdados da ditadura militar, que é muito mais nociva do que a simples contagem de mortes.

ABr: Qual o reflexo disso?

Safatle: Significa um bloqueio fundamental do desenvolvimento social e político do país. Por outro lado, existe um dado relevante: a ditadura de certa maneira é uma exceção. Ela inaugurou um regime extremamente perverso que consiste em utilizar a aparência da legalidade para encobrir o mais claro arbítrio. Tudo era feito de forma a dar a aparência de legalidade. Quando o regime queria de fato assassinar alguém, suspender a lei, embaralhava a distinção entre estar dentro e fora da lei. Fazia isso sem o menor problema. Todos viviam sob um arbítrio implacável que minava e corroía completamente a ideia de legalidade. É um dos defeitos mais perversos e nocivos que uma ditadura pode ter. Isso, de uma maneira muito peculiar, continua.

ABr: Então, a semente da violência atual do aparato policial foi plantada na ditadura?

Safatle: Não é difícil fazer essa associação, pois nunca houve uma depuração da estrutura policial brasileira. É muito fácil encontrar delegados que tiveram participação ativa na ditadura militar, ainda em atividade. No estado de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin indicou um delegado que era alguém que fez parte do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna]. Teve toda uma discussão, mas esse debate não serviu sequer para ele voltasse atrás na nomeação. Se você levar em conta esse tipo de perenidade dos próprios agentes que atuaram no processo repressivo, não é difícil entender por que as práticas não mudaram.

ABr: Estamos atrás de outros países, como Argentina e África do Sul, na investigação e julgamento de crimes cometidos pelo Estado?

Safatle: Estamos aquém de todos os países da América Latina. Nosso problema não é só não ter constituído uma comissão de verdade e justiça, mas é o de que ninguém do regime militar foi preso. Não há nenhum processo. O único processo aceito foi o da família Teles contra o coronel [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, que foi uma declaração simplesmente de crime. Ninguém está pedindo um julgamento e sim uma declaração de que houve um crime. Legalmente, sequer existiram casos de tortura, já que não há nenhum processo legal. E levando em conta o fato de que o Brasil tinha assinado na mesma época tratados internacionais, condenando a tortura, nossa situação é uma aberração não só em relação à Argentina e à África do Sul, mas em relação ao Chile, ao Paraguai e ao Uruguai.

ABr: Que expectativa o senhor tem quanto ao funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), para apurar crimes da ditadura?

Safatle: Uma atitude como essa é a mais louvável que poderia ter acontecido e merece ser defendida custe o que custar. O trabalho feito pelo ministro Paulo Vannuchi [secretário dos Direitos Humanos, da Presidência da República] e pela Comissão de Direitos Humanos é da mais alta relevância nacional. Acho que é muito difícil falar o que vai acontecer. A gente está entrando numa dimensão onde a memória nacional, a política atual e o destino do nosso futuro se entrelaçam. Existe uma frase no livro 1984, de George Orwell, que diz: “Quem controla o passado controla o futuro”. Mexer com esse tipo de coisa é algo que não diz respeito só à maneira que o dever de memória vai ser institucionalizado na vida nacional, mas à maneira com que o nosso futuro vai ser decidido.

ABr: Mas, antes mesmo da criação da Comissão da Verdade, os debates já estão muito acalorados.

Safatle: O melhor que poderia acontecer é que se acirrassem de fato as posições e cada um dissesse muito claramente de que lado está. O país está dividido desde o início. Veja a questão da Lei da Anistia. O programa do governo [PNDH 3] em momento algum sugeriu uma forma de revisão ou suspensão da lei. O que ele sugeriu foi que se abrisse espaço para a discussão sobre a interpretação da letra da lei. Porque a anistia não vale para crimes de sequestro e atentados pessoais. A confusão que se criou demonstra muito claramente como a sociedade brasileira precisa de um debate dessa natureza, o mais rápido possível. Não dá para suportar que certos segmentos da sociedade chamem pessoas foram ligadas a esses tipos de atividades de “terroristas”. É sempre bom lembrar que no interior da noção liberal de democracia, desde John Locke [filósofo inglês do século 17], se aceita que o cidadão tem um direito a se contrapor de forma violenta contra um Estado ilegal. Alguns estados nos Estados Unidos também preveem essa situação.

ABr: O termo “terrorista” é usado por historiadores que não têm qualquer ligação com os militares e até mesmo por pessoas que participaram da luta armada. Usar a palavra é errado?

Safatle: Completamente. É inaceitável esse uso que visa a criminalizar profundamente esse tipo de atividade que aconteceu na época. A ditadura foi um estado ilegal que se impôs através da institucionalização de uma situação ilegal. Foi resultado de um golpe que suspendeu eleições, criou eleições de fachada com múltiplos casuísmos. Podemos contar as vezes que o Congresso Nacional foi fechado porque o Executivo não admitia certas leis. O fato de ter aparência de democracia porque tinham algumas eleições pontuais, marcadas por milhões de casuísmos, não significa nada. No Leste Europeu também existiam eleições que eram marcadas desta mesma maneira.Um Estado que entra numa posição ilegal não tem direito, em hipótese alguma, de criminalizar aqueles que lutam contra a ilegalidade. Por trás dessa discussão, existe a tentativa de desqualificar a distinção clara entre direito e Justiça. Em certas situações, as exigências de Justiça não encontram lugar nas estruturas do Direito tal como ele aparecia na ditadura militar. Agora, existem certos setores que tentam aproximar o que aconteceu no Brasil do que houve na mesma época na Europa, com os grupos armados na Itália e na Alemanha. As situações são totalmente diferentes porque nenhum desses países era um Estado ilegal. E não há casos no Brasil de atentado contra a população civil. Todos os alvos foram ligados ao governo.

ABr: Os assaltos a banco não seriam atentados às pessoas comuns que estavam nas agências?

Safatle: Todos os que participaram a atentados a bancos não foram contemplados pela Lei da Anistia e continuaram presos depois de 1979. Pagaram pelo crime. Isso não pode ser utilizado para bloquear a discussão. Dentro de um processo de legalidade, de maneira alguma o Estado pode tentar esconder aquilo que foi feito por cidadãos contra eles, como se fossem todos crimes ordinários. Se um assalto a banco é um crime ordinário, eu diria que a luta armada, a  luta contra o aparato do Estado ilegal, não é. Isso faz parte da nossa noção liberal de democracia.

ABr: Que democracia é a nossa que tem dificuldades de olhar o passado?

Safatle: É uma democracia imperfeita ou, se quisermos, uma semidemocracia. O Brasil não pode ser considerado um país de democracia plena. Existe uma certa teoria política que consiste em pensar de maneira binária, como se existissem só duas categorias: ditadura ou democracia. É uma análise incorreta. Seria necessário acrescentar pelo menos uma terceira categoria: as democracias imperfeitas.

ABr: O que isso significa?

Safatle: Consiste em dizer basicamente o seguinte: não há uma situação totalitária de estrutura, mas há bloqueios no processo de aperfeiçoamento democrático, bloqueios brutais e muito visíveis. Existe uma versão relativamente difundida de que a Nova República é um período de consolidação da democracia brasileira. Diria que não é verdade. É um período muito evidente que demonstra como a democracia brasileira repete os seus impasses a todo momento. O primeiro presidente eleito recebeu um impeachment, o segundo subornou o Congresso para poder passar um emenda de reeleição e seu procurador-geral da República era conhecido por todos como “engavetador-geral”, que levou a uma série de casos de corrupção que nunca foram relativizados. O terceiro presidente eleito muito provavelmente continuou processos de negociação com o Legislativo mais ou menos nas mesmas bases. Chamar isso de consolidação da estrutura democrática nacional é um absurdo. Os poderes mantêm uma relação problemática, uma interferência do poder econômico privado nas decisões de governo. Um sistema de financiamento de campanhas eleitorais que todos sabem que é totalmente ilegal e é utilizado por todos os partidos sem exceção.

Papa critica projeto de lei britânico contra a discriminação de homossexuais

BBC Brasil, 2 fev – O papa Bento 16 pediu que bispos católicos na Inglaterra e no País de Gales se empenhem com “zelo missionário” em combater um projeto de lei que pode obrigar as igrejas a contratar homossexuais ou transexuais, contrariando dogmas da Igreja Católica.

O papa Bento 16 disse que a legislação “viola lei natural”. O papa também confirmou que visitará a Grã-Bretanha neste ano, a primeira visita papal desde 1982.

O governo britânico diz que a legislação, chamada de Equality Bill, tornaria o país um lugar mais justo.

O projeto está sendo debatido pelo Parlamento em Londres.

Vaticano

“Seu país é conhecido pelo forte compromisso com a igualdade de oportunidades para todos os membros da sociedade”, disse Bento 16 um grupo de bispos britânicos que visitaram o Vaticano.

“Ainda assim, o efeito de algumas leis criadas para atingir esses objetivos tem sido impor limites injustos à liberdade das comunidades religiosas para agir de acordo com suas crenças”, disse ele.

Bento 16 estimulou os bispos a defender “convincentemente” os ensinamentos morais católicos.

“Continuem a defender seu direito de participar no debate nacional por meio de um diálogo respeitoso com outros elementos da sociedade”, disse ele.

Líderes religiosos na Grã-Bretanha temem que a lei obrigue as igrejas a empregar homossexuais e transexuais.

Defendendo a lei, um porta-voz do governo britânico disse: “Acreditamos que todos devem ter chances justos na vida e não sofrer discriminação”. “A Equality Bill tornará a Grã-Bretanha um país mais justo e igualitário.”

A Igreja Anglicana britânica mostrou-se preocupada com a legislação, argumentando que seus padres podem se ver forçados a celebrar casamentos nos quais um dos noivos sofreu uma mudança de sexo.

Pesquisa britânica mostra envolvimento de crianças com pornografia on-line

Folha Online, 2 Fev – Ao menos 25% das crianças no Reino Unido enviaram ou receberam pornografia ou “outros materiais inapropriados” por e-mail, segundo uma pesquisa feita pela empresa britânica TalkTalk.

As informações foram publicadas pelo jornal “The Daily Telegraph” na segunda-feira (1º).

Feita com 500 crianças com idade entre seis e 15 anos, a pesquisa aponta também que uma em 20 crianças se comunicou com um estranho via webcam, e uma em 50 conhecem, atualmente, um estranho contatado on-line.

Segundo o jornal, 62% disseram que mentiram para os pais sobre o que eles estavam procurando na internet, e 53% apagaram o histórico no navegador para que os pais não vissem o que era acessado.

Cerca de 11% usou a internet para intimidar alguém (a prática é conhecida como “cyberbullying”).

Tanya Byron, professora consultada pelo jornal que examinou a pesquisa da TalkTalk, disse que “é crucial que os pais se eduquem sobre o que está acontecendo on-line e o que as crianças estão fazendo ali.

Universidades alemãs devem formar religiosos islâmicos

DW, Alemanha, 1/fev/2010

O mais importante grêmio consultivo político-científico da Alemanha recomenda a criação de cursos de formação de professores de religião islâmica e imãs nas universidades do país. Governo federal apoia a ideia.

As universidades da Alemanha deverão passar a formar professores de religião islâmica e sacerdotes muçulmanos, recomenda o Conselho Científico, o mais importante grêmio consultivo político-científico do país. O órgão recomenda que o governo federal e os estados alemães criem dois a três departamentos universitários que ofereçam Estudos Islâmicos como carreira. A ministra alemã da Educação, Annette Schavan, congratulou-se “explicitamente” pela sugestão.

De acordo com o diário Süddeutsche Zeitung, o conselho favorece a proliferação de departamentos de Estudos Islâmicos em universidades estatais. O grêmio discutiu o tema de quarta-feira a sexta-feira em Berlim e apresentou nesta segunda-feira (01/02) sugestões para o desenvolvimento estudos teológicos em instituições alemãs de ensino superior.

Sem tradição

Até hoje, os estudos islâmicos não têm tradição em universidades alemãs, realidade que não condiz com a importância dos muçulmanos, a maior comunidade religiosa não cristã do país. O Conselho Científico, consultor do governo federal e dos governos estaduais em questões de ensino superior e pesquisa, considera importante reverter essa discrepância.

Segundo a proposta, os novos institutos devem formar não apenas sacerdotes e professores de islamismo para o ensino religioso escolar, mas também pesquisadores do islã e especialistas para o trabalho social e comunitário.

Na Alemanha deverá crescer nos próximos anos a demanda por professores de religião islâmica. De acordo com o conselho, hoje as escolas alemãs têm cerca de 700 mil alunos muçulmanos matriculados. Caso se decida introduzir aulas de educação religiosa islâmica no ensino médio alemão, hipótese considerada provável, serão necessários cerca de 2 mil profissionais para a função.

Nas universidades também deverão ser formados imãs. Atualmente, os sacerdotes muçulmanos provêm em grande parte do exterior.

Governo ajudará implementação da ideia

A ministra alemã da Educação, Annette Schavan, apoia as recomendações do Conselho de Ciência. Ela auxiliará as universidades interessadas em
implementar a ideia, segundo afirmou ao jornal Welt am Sonntag. O número de crianças e adolescentes muçulmanos na Alemanha continua a crescer, lembrou ela. Por isso, é importante formar professores e pesquisadores de religião islâmica. Para a ministra, a medida faz parte da política de integração em sociedades modernas.

Segundo o secretário-geral do Conselho Central dos Muçulmanos na Alemanha, Aiman Mazyek, essas recomendações são um “caminho pragmático, para o qual não há alternativas”. Trata-se de uma reivindicação de anos das organizações muçulmanas.

MD/afp/kna
Revisão: Simone Lopes