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Os dez mandamentos do populismo ~ Enrique Krauze

O populismo na América Latina adotou um amálgama desconcertante de posições ideológicas. Esquerdas e direitas poderiam reivindicar a paternidade do populismo, todas ao conjuro da palavra mágica “povo”. Populista quintessencial foi o general Juan Domingo Perón, que havia atestado diretamente a ascensão do fascismo italiano e admirava Mussolini a ponto de querer “erigir-lhe um monumento em cada esquina”.

Populista pós-moderno é Hugo Chávez, que venera Fidel Castro a ponto de tentar converter a Venezuela numa colônia experimental do “novo socialismo”. Os extremos se tocam, são cara e coroa de um mesmo fenômeno político cuja caracterização não se deve tentar, contudo, pela via de seu conteúdo ideológico, mas sim de seu funcionamento. Proponho dez traços.

1 – O populismo exalta o líder carismático. Não há populismo sem a figura do homem providencial que resolverá os problemas do povo. “A entrega ao carisma do profeta, do caudilho na guerra ou do grande demagogo – recorda Max Weber – não ocorre porque a mande o costume ou a norma legal, mas porque os homens crêem nele.”

2 – O populista não só usa e abusa da palavra: ele se apropria dela. A palavra é o veículo específico de seu carisma. O populista se sente o intérprete supremo da verdade geral e também a agência de notícias do povo. Fala com o povo de modo constante, incita suas paixões, “ilumina o caminho”, e faz isso sem restrições nem intermediários. Weber assinala que o caudilhismo político surge primeiro nas cidades-Estado do Mediterrâneo na figura do “demagogo”. Aristóteles sustenta que a demagogia é a causa principal das “revoluções nas democracias”, e percebe uma convergência entre o poder militar e o poder da retórica que parece uma prefiguração de Perón e Chávez: “Nos tempos antigos, quando o demagogo era também general, a democracia se transformava em tirania.” Mais tarde desenvolveu-se a habilidade retórica e chegou a hora dos demagogos puros: “Agora os que dirigem o povo são os que sabem falar.” Há 25 séculos essa distorção da verdade pública se desenvolvia na Ágora real; no século 20 ela o fez na Ágora virtual das ondas sonoras e visuais: de Mussolini (e Goebbels), Perón aprendeu a importância política do rádio para hipnotizar as massas. E Chávez superou o mentor Fidel ao usar até o paroxismo a oratória televisiva.

3 – O populismo fabrica a verdade. Os populistas levam às últimas conseqüências o provérbio latino: “Vox populi, vox Dei.” Mas como Deus não se manifesta todos os dias e o povo não tem uma única voz, o governo “popular” interpreta a voz do povo, eleva essa versão à condição de verdade oficial, e sonha com decretar a verdade única. Os populistas abominam a liberdade de expressão. Confundem a crítica com inimizade militante, por isso buscam desprestigiá-la, controlá-la, silenciá-la. Na Argentina peronista, os jornais oficiais – incluindo um órgão nazista – contavam com generosos privilégios, mas a imprensa livre esteve a um passo de desaparecer. A situação venezuelana, com a “lei da mordaça” pendendo como uma espada sobre a liberdade de expressão, aponta no mesmo sentido; terminará por esmagá-la.

4 – O populista usa de modo discricionário os recursos públicos. Não tem paciência com as sutilezas da economia e das finanças. O erário é seu patrimônio privado, que ele pode usar para enriquecer-se ou para embarcar em projetos que considere importantes ou gloriosos sem levar em conta os custos. O populista tem uma concepção mágica da economia: para ele, todo gasto é investimento. A ignorância ou incompreensão dos governos populistas em matéria econômica se traduziu em desastres descomunais dos quais os países levam décadas para se recuperar.

5 – O populista divide diretamente a riqueza. O que não é criticável em si (sobretudo em países pobres, onde há argumentos extremamente sérios para dividir, de fato, uma parte da receita, à margem das dispendiosas burocracias estatais e prevenindo efeitos inflacionários), mas o populista não divide de graça: focaliza sua ajuda e a cobra em obediência. “Vocês têm o dever de pedir!”, exclamava Evita a seus beneficiários. Criou-se assim uma idéia fictícia da realidade econômica e entronizou-se uma mentalidade assistencialista. No fim, quem pagava a conta? Não a própria Evita (que cobrou seus serviços com juros e resguardou na Suíça suas contas multimilionárias), mas sim as reservas acumuladas em décadas, os próprios operários com suas doações “voluntárias” e, sobretudo, a posteridade endividada, devorada pela inflação. Quanto à Venezuela, até as estatísticas oficiais admitem que a pobreza aumentou, mas a improdutividade do assistencialismo só será sentida no futuro, quando os preços dispararem e o regime levar às últimas conseqüências seu propósito ditatorial.

6 – O populista alimenta o ódio de classes. “As revoluções nas democracias são causadas sobretudo pela intemperança dos demagogos”, explica Aristóteles. O conteúdo dessa intemperança foi o ódio contra os ricos: “Algumas vezes por sua política de denúncias… e outras atacando-os como classe, (os demagogos) incitam contra eles o povo.” Os populistas latino-americanos correspondem à definição clássica, com uma nuance: fustigam “os ricos”, mas atraem os “empresários patrióticos” que apóiam o seu regime. O populista não busca, necessariamente, abolir o mercado: sujeita seus agentes e os manipula a seu favor.

7 – O populista mobiliza permanentemente os grupos sociais. O populismo apela, organiza, inflama as massas. A praça pública é o teatro onde comparece “Sua Majestade, o Povo” para demonstrar sua força e escutar as inventivas contra “os maus” de dentro e de fora. “O povo”, claro, não é a soma de vontades individuais expressas em um voto e representadas por um Parlamento; nem sequer a encarnação da “vontade geral” de Rousseau, mas uma massa seletiva e vociferante que caracterizou outro clássico, Marx – não Karl, mas Groucho: “O poder para os que gritam ‘O poder para o povo!'”

8 – O populismo fustiga sistematicamente o “inimigo externo”. Imune à crítica e alérgico à autocrítica, precisando apontar bodes expiatórios para os fracassos, o regime populista (mais nacionalista que patriótico) precisa desviar a atenção interna para o adversário de fora. A Argentina peronista reavivou as velhas (e explicáveis) paixões antiamericanas que ferviam na América Latina desde a guerra de 1898, mas Fidel converteu essa paixão na essência de seu triste regime, definido pelo que odeia, não pelo que ama, aspira ou consegue. E Chávez levou sua retórica antiamericana a expressões de baixeza que até seu mentor Fidel (talvez) consideraria de mau gosto. Ao mesmo tempo, faz representar nas ruas de Caracas simulacros de defesa contra uma invasão que só existe em sua imaginação, mas em que um setor importante da população venezuelana (contrária, em geral, ao modelo cubano) acaba acreditando.

9 – O populismo despreza a ordem legal. Há na cultura política ibero-americana um apego atávico à “lei natural” e uma desconfiança das leis feitas pelo homem. Por isso, uma vez no poder (como Chávez), o caudilho tende a se apoderar do Congresso e induzir a “justiça direta” (“popular”, “bolivariana”), arremedo de uma Fuenteovejuna -a obra teatral de Lope de Vega sobre abuso de poder e justiça – que, para os efeitos práticos, é a justiça que o próprio líder decreta. Hoje, o Congresso e o Judiciário são um apêndice de Chávez, como na Argentina o eram de Perón e Evita, que suprimiram a imunidade parlamentar e depuraram, segundo a sua conveniência, o Poder Judiciário.

10 – O populismo mina, domina e, em último recurso, domestica ou cancela as instituições da democracia liberal. Ele abomina os limites a seu poder, considera-os aristocráticos, oligárquicos, contrários à “vontade popular”. No limite de sua carreira, Evita buscou sua candidatura à vice-presidência. Perón se negou a apoiá-la. Se houvesse sobrevivido, seria impensável imaginá-la tramando a derrubada do marido? Não por acaso, em seus tempos aziagos de atriz radiofônica, representara Catarina, a Grande. Quanto a Chávez, ele declarou que seu horizonte mínimo é o ano 2020.

Por que renasce de tempos em tempos a erva daninha do populismo na América Latina? As razões são diversas e complexas, mas aponto duas. Em primeiro lugar, porque suas raízes se fundem em uma noção mais antiga de “soberania popular” que os neo-escolásticos do século 16 e 17 propagaram nos domínios espanhóis, que teve uma influência decisiva nas guerras de independência de Buenos Aires ao México. O populismo tem, além disso, uma natureza perversamente “moderada” ou “provisória”: não termina sendo plenamente ditatorial nem totalitário; por isso alimenta sem cessar a enganosa ilusão de um futuro melhor, mascara os desastres que provoca, posterga o exame objetivo de seus atos, amansa a crítica, adultera a verdade, adormece, corrompe e degrada o espírito público. Desde os gregos até o século 21, passando pelo aterrador século 20, a lição é clara: o efeito inevitável da demagogia é subverter a democracia.

Enrique Krauze é historiador mexicano

Fonte: Estado de SP, 15 abr 2006

Democracia e educação ~ por JB Libanio

No final da década passada, The Economist encheu os olhos da vaidade brasileira, ao anunciar que o país na atual década se tornaria a quinta potência mundial e a terceira em 2050. O peso da fama da revista tornou a ilusão ainda maior. Por que ouso falar de ilusão? Porque em uma década ou em várias décadas não se constrói uma grande potência sem educação.

Não precisamos povoar essa afirmação com multidão de números estatísticos. Esses, não raro, enganam-nos com a aparente neutralidade. A educação de um povo constata-se a olhos vistos. Basta não ser cego. Existem, sem dúvida, alguns grupos de elite. Mas o povo se alimenta da cultura de massa e esta se constrói, sobretudo, por obra dos meios de comunicação social. Aqui sofremos enormemente.

Enquanto a sociedade civil e o Estado não se unirem, em força única, para exigir dos programas de TV maior nível cultural, que irradiem valores consistentes em vez de terrível vulgaridade e banalidade, não há futuro para o Brasil. Haja vista os noticiários que gastam a maior parte do tempo em divulgar violências ou eventos triviais. Um tarado que assassina jovens depois de violentá-las interessa mais que todas as campanhas de solidariedade do mundo. A imagem que brota do ser humano das manchetes televisivas e de jornais favorece mais a desvalorização da vida que o respeito e a esperança no ser humano.

Os clássicos latinos tinham entendido que os relatos históricos cumpriam a função pedagógica de transmitir exemplos a serem imitados. Nesse sentido, Cícero dizia que a história é a “mestra da vida” e os historiadores se detinham em contar a vida de “varões ilustres” e modelares. Em linguagem de hoje, o clássico romano diria que a TV e a grande imprensa existem para transmitir os valores éticos fundamentais para a convivência humana. Que decepção se se detivessem em frequentar a maioria dos programas que ressudam imediatismo, exterioridades, futilidades, intimidades expostas ao grande público!

A democracia se define pelo bem comum, pelo conviver entre as pessoas em vista da realização do “ser humano todo e de todo ser humano”. Imperam, no entanto, o individualismo, a lei da selva, a privatização do público e a publicização do privado. A confusão das duas esferas humanas mina a democracia. A cultura pós-moderna individualista tende a privatizar a esfera pública. A corrupção nos meios políticos do país não passa de um apoderar-se de bens públicos. E por outro lado, intimidades sexuais e afetivas são lançadas por revistas e programas por todos os ares.

A educação ensina o respeito ao público e o cuidado e recato com o privado. Quando ela falha, misturam-se os campos com detrimento para ambos. A vida social torna-se a maior vítima dessa falta de educação. Perde-se a noção de viver em comunidade. Inverte-se o processo educativo que consiste na humanização continuada das pessoas para crescente animalização. Adeus democracia! Adeus potência mundial!

www.jblibanio.com.br

JB Libanio é Padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano

Fonte: Adital, 7 maio 2010

Democracia indiana reflete cada vez mais a diversidade do país, dizem analistas

Business Concept - Diversity

A maior democracia do mundo passou por um período de evolução e reflete cada vez mais as diversidades da população do país – uma das maiores do planeta. De acordo com analistas, as eleições legislativas indianas viram, nas últimas duas décadas, o fortalecimento dos chamados partidos regionais – que representam demandas de uma determinada região, casta social ou grupo cultural e religioso.

Nas eleições do ano passado para o Parlamento indiano, a vitória contundente da coalizão governista liderada pelo Partido do Congresso – que dominou a política indiana nos anos 1950 a 1970 – levou alguns analistas a decretarem o fim deste processo.

Uma segunda avaliação, entretanto, mostrou as nuances do resultado do pleito: os indianos deram seu aval ao partido dominante nao só devido à prosperidade econômica que o país atravessava, mas também pela capacidade do partido de se regionalizar, segundo especialistas.

“É uma mudança no rosto do Legislativo indiano”, diz Sanjay Kumar, vice-diretor do Programa Lokniti sobre Democracia Comparativa, do Centro para o Estudo das Sociedades em Desenvolvimento (CSDS) em Nova Déli.

“Hoje temos muito mais representantes de mais comunidades de castas no Legislativo nacional do que costumava haver nos anos 1960 e 1970”.

Alguns analistas afirmam, entretanto, que a diversidade é também o grande paradoxo da democracia indiana. Ao mesmo tempo em que um Congresso “regionalizado” representa uma gama maior de interesses, também torna mais difíceis a formação de coalizões que facilitem o funcionamento do governo.

Regionalização

A Índia possui uma imprensa variada e livre, o direito à liberdade de opinião é amplamente respeitado e mesmo em regiões que registram níveis mais altos de violência, como a Cachemira, na fronteira com o Paquistão, as eleições vêm sendo consideradas livres e justas. Desde que se tornou uma república parlamentarista independente do império britânico, em 1947, a Índia só passou por apenas 21 meses de exceção democrática, nos anos 1970.

No nível federal, o Partido do Congresso, que teve em seus quadros políticos como Indira Gandhi e Jawaharlal Nehru, foi historicamente a força dominante. Nos anos 1980, surgiu o partido de oposição Bharatiya Janata Party (BJP), que se tornou a força polarizadora da política indiana, e que governa o país entre 1998 e 2004.

Nas últimas eleições, diversos partidos regionais fincaram o pé no Congresso indiano.

“Combinados, os partidos regionais receberam nas três últimas eleições nacionais cerca de um terço dos votos, enquanto nos anos 70 ou 80 esse percentual era 8-10%”, diz o professor Kumar.

Combinados, os partidos regionais receberam nas três últimas eleições nacionais cerca de um terço dos votos, enquanto nos anos 70 ou 80 esse percentual era 8-10%

Sanjay Kumar, analista político

“Não há plataforma comum entre esses partidos, porque cada um está próximo dos interesses regionais de grupos que foram deixados de lado e à margem da política indiana historicamente. Eles representam uma aspiração para as elites emergentes locais, uma oportunidade de obter poder político”.

Entretanto, a regionalização indiana suscita também cautela entre os analistas políticos. Em entrevista à BBC Brasil concedida pouco antes das eleições do ano passado, o historiador Ramachandra Guha observou:

“Esse fenômeno, por um lado, é um aprofundamento da democracia indiana”, disse o historiador. “Mas no nível nacional é irracional porque, com 25 partidos diferentes formando um governo, fica impossível ter qualquer política coerente de longo prazo em termos de infra-estrutura, educação e saúde.”

O centro de estudos Loktini, de Kumar, publicou no jornal The Hindu uma série de análises políticas a partir dos resultados das eleições do ano passado. Os pesquisadores avaliaram que, embora o partido dominante tenha levado mais cadeiras no Parlamento, sua votação não foi maior que em eleições anteriores.

Além disso, uma pesquisa de opinião do instituto revelou que mais de 70% dos entrevistados consideravam mais importante ser fiel aos interesses regionais e só depois aos nacionais.

Para os pesquisadores, existe uma “saturação” da política feita com viés regional – mas isto “não significa o fim do poder das castas na política”.

“Talvez o futuro seja uma política ‘para além da identidade’, que combine uma fundação básica a partir das castas e das comunidades com certos interesses nacionais básicos.”

Desafios

Para que os representantes políticos reflitam melhor a opinião de seus cidadãos, porém, a democracia indiana precisa vencer certos desafios, dizem analistas.

Um deles é o que se convencionou chamar de “criminalização da política indiana”, a crescente presença de candidatos com antecedentes criminais autorizados a disputar eleições regionais e nacionais.

Segundo um relatório da Associação para as Reformas Democráticas (ADR, na sigla em inglês), que monitora os resultados eleitorais, cerca de um terço dos parlamentares eleitos para a Lok Sabha no ano passado é alvo de acusações criminais, sendo que metade deles responde por acusações criminais graves.

“A outra grande preocupação é que existe uma grande mudança na representação política em termos de perfil social. Mas em termos de perfil econômica, houve pouca mudança”, afirma o professor.

“Mesmo entre as pessoas que vieram de castas marginalizadas para ocupar cargos públicos, foram os mais ricos que ganharam proeminência. Então, em termos de classe, a política permanece nas mãos, senão dos mais ricos, pelo menos das classes médias altas”, avalia.

Fonte: BBC Brasil, 5 maio 2010

Para especialista, ‘melhor democracia não significa melhor sociedade’

Especialista em estudos sobre o tema, o cientista político Marc Plattner afirma em entrevista que “a melhor democracia não significa necessariamente a melhor sociedade”.

“A democracia é uma forma de governo, o que significa que as pessoas têm o poder de tomar as decisões. Mas isso não quer dizer que sejam as melhores decisões”, afirma Plattner, cofundador da revista acadêmica Journal of Democracy.

Editor de diversos livros sobre o tema, especializado em democracias emergentes, como a Índia e os países latino-americanos, Plattner ainda assim defende o modelo liberal de democracia porque, mais que o governo da maioria, representa a proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos que compõem a sociedade.

“Os últimos 25 anos do século passado foram muitos bons para o avanço da democracia”, afirma. “Hoje estamos em um período de estagnação em termos de progresso democrático, mas não percebemos uma reversão completa da democracia ou autocracia.”

A entrevista é parte da minissérie de sete reportagens sobre democracia que a BBC Brasil propõe neste ano de eleições. Através de entrevistas com especialistas, a série avaliará o estágio democrático de seis casos simbólicos: Brasil, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Índia, Rússia e Irã.

A seguir, leia trechos da conversa da BBC Brasil, na qual Plattner diz não acreditar em um “modelo russo ou iraniano” de democracia e avalia que o Brasil já deixou de ser “emergente” neste aspecto.

Qual sua definição de democracia?

No dicionário, democracia significa o governo do povo. No sentido atual, porém, significa democracia liberal, que não é apenas o governo da maioria, mas a proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos que compõem a sociedade. Esses dois aspectos têm de estar presente.

Existe algum modelo de democracia que se aproxime do ideal no mundo de hoje?

A melhor democracia não significa necessariamente a melhor sociedade. A democracia é uma forma de governo, o que significa que as pessoas têm o poder de tomar as decisões. Mas isso não quer dizer que sejam as melhores decisões. Quando se discute esse tema, os países nórdicos – Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia – tendem a sair na frente, porque eles têm menos corrupção e relativamente menos desigualdades econômicas que outros países. Mas não sei se isso quer dizer que sejam mais democráticos que outros, e sim que suas sociedades têm mais virtudes que outras.

O escritor americano Fareed Zakaria sugeriu que o processo de democratização mundial gerou democracias de fachadas, ou “iliberais”. O senhor acha que essa é uma tendência?

O diagnóstico de Zakaria é correto. Antes de 1975, a democracia se restringia aos países ricos e avançados do Ocidente, que também tinham uma longa história de liberalismo. Nos anos 1970 ocorre a chamada “terceira onde da democratização”. Dezenas e dezenas de países que não tinham histórico de liberalismo, tradição de Estado de Direito e não eram economias avançadas começam a ter eleições e escolher seus próprios líderes. Não surpreende, portanto, que muitos fossem iliberais no início. A questão é como você desenvolve a democracia liberal. Para mim, o caminho passa por trabalhar junto com essas democracias iliberais, tentando fortalecer o Estado de Direito, a proteção dos direitos dos indivíduos, etc.

Zakaria chegou a sugeriu que, em vez de incentivar o nascimento de “democracias iliberais”, era melhor criar as “autocracias liberais”. Qual sua opinião?

Discordo de Zakaria. Se você analisar o mundo hoje, não existem autocracias liberais, no sentido de que os países que são autocráticos tampouco tendem a ser liberais e você não pode contar que seu direito seja respeitado nesses países.

É possível falar de um modelo de democracia iraniano ou russo, ou nesses países simplesmente não há democracia?

Esses países não são democracias e certamente não democracias liberais. Você pode jogar com as palavras e falar de “democracia gerenciada” ou “democracia soberana”, como o governo Putin tem feito. Da mesma forma, na era soviética, falava-se de “democracia popular”. Você pode usar e abusar da palavra sem chegar à verdade. A maioria dos estudiosos sobre a democracia concorda que nem o Irã nem a Rússia são democracias.

Então o senhor não acredita que haja fatores culturais, por exemplo? Podemos apontar para a história autoritária da Rússia, que explicaria o formato do sistema político do país.

Sim, há fatores históricos que dificultam a democratização dos países. Mas eles se tornam democráticos. Lembre-se que há alguns séculos não havia democracias e todos os países democráticos tiveram de superar obstáculos na sua história e tradição que eram avessos à democracia. Talvez isto seja mais difícil para umas culturas que para outras, mas nunca vi nenhuma que seja irremediavelmente incompatível com a democracia.

O senhor então é um otimista em relação ao processo de democratização do mundo? Ou a democracia liberal sempre será um ideal?

Sou otimista. Os últimos 25 anos do século passado foram muitos bons para o avanço da democracia, especialmente entre 1985 e 1995. Depois as coisas começaram a desacelerar um pouco e, nos últimos três ou quatro anos, segundo a organização Freedom House (que monitora a democracia no mundo), é possível ver uma ligeira erosão na democracia liberal, ou das liberdades, como eles chamam. Hoje creio que estamos em um período de estagnação em termos de progresso democrático, mas não percebemos uma reversão completa da democracia ou autocracia. Creio que nos próximos cinco ou dez anos não haverá grande mudança em qualquer direção. Mas em geral sou otimista em relação à democracia.

Em que estágio democrático o senhor avalia que o Brasil está? Ainda somos uma “democracia emergente”?

A palavra que os cientistas políticos usam para países que já fizeram a transição para a democracia é “consolidação”, o que reflete a ideia de que esse país ainda passará um período sob o risco de regredir e de que leva tempo para a democracia fincar suas raízes e as pessoas se acostumarem a ela. E em algum momento há uma conclusão de que um país se tornou uma democracia, se consolidou. Não conheço muito o caso brasileiro, mas estou inclinado a pensar que o Brasil não é mais emergente, mas sim perto de se consolidar. Minha única preocupação não é com a política doméstica do Brasil e sim com a postura do Brasil em relação à democracia em outros lugares, que não acho que tem sido construtiva.

O senhor se refere (à demonstração de apoio do Brasil) ao Irã?

Sim. Fiquei chocado com o que o presidente Lula disse em relação aos protestos iranianos e as eleições iranianas. Porque no Irã as pessoas estão lutando pela democracia, da mesma forma que fizeram os brasileiros 25 anos antes, entre eles o presidente.

Fonte: BBC Brasil, 7 maio 2010

A História não absolverá os pastores da brutalidade

Texto de Augusto Nunes, 9 mar 2010

Os privilégios, mesuras e gentilezas dispensados ao assassino italiano Cesare Battisti ou ao narcoterrorista colombiano “Padre” Medina atestam que, em homenagem à companheirada, Lula promove a perseguido político qualquer bandido comum. O tratamento cruel reservado aos oposicionistas encarcerados em Cuba, sobretudo aos que ousam protestar no interior das cadeias, comprova que, para atender a ditadores companheiros, o presidente brasileiro rebaixa a bandido comum qualquer perseguido político.

“Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos”, acaba de decretar o rábula estagiário que, preso durante uns poucos dias ─ por determinação da Justiça e do governo brasileiros, segundo o raciocínio cafajeste do próprio Lula ─ entrou na farra da anistia, embolsa uma pensão mensal injustificável e segue distribuindo dinheiro aos sócios do assalto legalizado. “Eu acho que greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto dos direitos humanos para libertar pessoas”, continuou o monumento à ignorância jeca que nunca leu uma linha sobre as lutas pela independência da Índia, que nem faz ideia de quem foi Mahatma Gandhi, que não sabe o que é resistência pacífica.

“Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”, completou o chefe de governo que, por viver cercado de delinquentes, age como se a atividade política fosse uma atividade ilícita como outra qualquer. Nem os carcereiros fizeram comentários tão repulsivos sobre o grupo de cubanos castigados  por crimes de consciência. Condenado em 2003 a três anos de cadeia, o pedreiro Orlando Zapata Tamayo morreu no 85° dia da greve de fome a que recorreu para protestar contra torpezas jurídicas que multiplicaram por dez o tempo de prisão. Foi acusado por Lula, entre um sorriso e outro ao lado do carrasco, de se deixar morrer.

Outros prisioneiros decidiram há dias repetir a saga de Zapata. Para justificar antecipadamente a aplicação da pena de morte oficiosa, o presidente que transforma ladrões vulgares em homens incomuns, e absolve liminarmente até homicidas, acaba de compará-los a militantes do PCC. A História não absolverá os pastores da brutalidade. “Lula é cúmplice da tirania dos Castro”, constatou em entrevista à Folha o jornalista e psicólogo Guillermo Fariñas, em greve de fome há 15 dias.

Em Cuba, gente presa sem motivo entra em greve de fome para tentar sobreviver com dignidade. No Brasil, gente inexplicavelmente em liberdade festeja a boa vida em almoços e jantares patrocinados pela Presidência da República. Os bandidos soltos em Brasília só se recusarão a comer se houver uma queda insuportável na qualidade das refeições servidas nos palácios do poder.

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

Corrupção: a inimiga da república

De Renato Janine Ribeiro, filósofo, publicado na  Folha, 12 dez 08

Qual a sua idéia de corrupção? É quase certo que você fale em desvio, por um administrador desonesto, do dinheiro público. É a idéia que se firmou hoje em dia. Mas, antes disso, a corrupção era termo mais abrangente, designando a degradação dos costumes em geral.

Como a corrupção veio a se confinar no furto do bem comum? Talvez seja porque, numa sociedade capitalista, o bem e o mal, a legalidade e o crime acabam referidos à propriedade. Por analogia com a propriedade privada, o bem comum é entendido como propriedade coletiva – e até como bem condominial, aquele do qual cada um tem uma parcela, uma cota, uma ação.

Mas o bem comum é diferente, por natureza, do bem privado. No estatuto de uma sociedade comercial, é obrigatório incluir o destino a dar aos bens, caso ela se dissolva. Se constituo uma firma com um sócio, caso a fechemos repartiremos os bens que pertencem a ela. Mas isso é impossível quando se trata da coisa pública. Há certos “bens” que só ela produz e que não podem ser divididos: virtudes, direitos e uma socialização que não só respeita o outro como enriquece, humanamente, a nós mesmos.

Pensar o mau político como corrupto e, portanto, como ladrão simplifica demais as coisas. É sinal de que não se entende o que é a vida em sociedade. O corrupto não furta apenas: ao desviar dinheiro, ele mata gente. Mais que isso, ele elimina a confiança de um no outro, que talvez seja o maior bem público. A indignação hoje tão difundida com a corrupção, no Brasil, tem esse vício enorme: reduzindo tudo a roubo (do “nosso dinheiro”), a mídia ignora – e faz ignorar – o que é a confiança, o que é o elo social, o que é a vida republicana.

UM TEMA REPUBLICANO

Pode haver corrupção em outros regimes, mas sem esse nome ou sem os perigos que traz para a república. Lembremos a tipologia de Montesquieu: há três regimes, monarquia, república e despotismo. O despotismo é um fantasma; reside no Oriente; é a grande ameaça à política, porque nele tudo é comandado pelo desejo. Os súditos do déspota desejam muito, porque, com os nervos excitados, são sensíveis a toda impressão externa. Daí que sejam lúbricos, luxuriosos, imediatistas.

O império da lei é impossível sob o calor. Não havendo autodisciplina, só pela irrestrita repressão externa se dá o controle social. Para conter o desejo sexual das mulheres, é preciso trancá-las num harém e castrar os homens que as vigiam. No calor, governar é reprimir.

O curioso é que nesse regime — mais uma caricatura que um retrato fiel dos sultanatos orientais — não há o tema da corrupção. Como se corromperia um regime cuja essência já é a degradação (a corrupção) do ser humano? Mesmo que os ministros saqueiem os cofres, não existe, no despotismo, uma regra da honestidade, uma medida do equilíbrio, um padrão da decência. Sem regra, medida ou grau, não há como falar em desregramento, em desmedida, em degradação. A corrupção só cabe quando o regime social e político valoriza o homem. Não é o caso do despotismo.

Será o da monarquia? Nela, o princípio é a honra, e portanto uma valorização está presente. O nobre preza mais a honra que a própria vida. É isso o que limita o arbítrio do soberano. Mas há dois pontos a assinalar. Primeiro, poucos têm honra – só os grandes. Segundo, a monarquia é uma hábil construção para que de um princípio filosoficamente falso – a desigualdade natural entre os homens – decorram resultados socialmente positivos. A engenharia política aqui faz que o mal produza o bem.

O preconceito é valorizado na monarquia. Dele resulta uma sociedade que, se respeita a lei, não é pela repressão externa, nem pela autodisciplina ou pela convicção de que é justo acatá-la. Em suma, na monarquia há um uso sábio daquilo que, em linguagem republicana, seria corrupção: ela dá bons frutos. Há privilégios, há desigualdade, há apropriação privada do que seria o bem público. Mas isso é da essência do regime, e é usado por ele para evitar males piores, que estariam no arbítrio do rei, tornado déspota. E por isso não é correto falar, aqui, em corrupção.

Corrupção só pode haver, como nome, num regime que a vê como negativa, como má – num regime cuja existência é diretamente ameaçada por ela. É a república. Seus padrões são altos. Nela, o bem pessoal é requisito para produzir o bem social. Individualmente, tenho de agir bem. Só quem atinge esse nível de conduta é cidadão, na república. Ou, inversamente, apenas dos cidadãos se pede esse patamar de comportamento. Não se exige isso das mulheres, escravos, estrangeiros e de todos os que terão uma cidadania reduzida ou negada. Em outras palavras, a república é o regime da ética na política.

A CORRUPÇÃO ANTIGA

Há dois tipos de corrupção, na república, conforme ela seja antiga ou moderna. Na república romana, falava-se em corrupção dos costumes. O cidadão romano é o pater famílias. O nome “pai de família” não quer dizer que ele tenha filhos: seu significado é político e não biológico. Ele é o chefe da família, o varão que nela manda. Se um menino perder o pai e o avô, pode ser pater ainda bebê. Será “pai” de sua mãe, avó, tios e irmãos.

O pater manda na casa. Costuma-se dizer que a lei romana lhe conferia direito a punir e até matar as mulheres a ele subordinadas, mesmo a mãe, a esposa, as irmãs. Não é bem isso. É pior. Nenhuma lei lhe dá esse direito, simplesmente porque o membro da cidade é ele, e não as pessoas suas subordinadas. Elas não são cidadãs, mal têm identidade pública. Punir quem pertence a sua “família” é direito privado do pater, e não público.

O eixo do controle que o pater exerce sobre os seus passa pela moral. Um homem que não controle as mulheres que dele dependem é infame e será punido pelos magistrados que cuidam da moral. Essa moral não é apenas sexual (a vitoriana será exagerada e centralmente sexual), mas em parte o é. Discrição, autocontrole, contenção são alguns de seus termos principais.

É talvez em Roma que se elabora, ou se aprimora, um traço fundamental das sociedades mediterrânicas, que ainda perdura em alguma medida: a idéia de que a mulher não tem honra própria, mas porta a honra – ou desonra – do homem seu senhor. Violar ou desrespeitar uma mulher se torna assim a melhor via para infamar seu marido, irmão ou pai. Quem perde a honra não é ela, são eles. Daí que, ao se vingarem, eles às vezes matam também a mulher que – mesmo se foi violentada – serviu de veículo para eles serem desonrados.

Portanto, na república antiga, o centro da corrupção são os costumes. É preciso as pessoas serem decentes, para que haja república. Nisso se inclui a contenção sexual, mas sobretudo a capacidade de fazer passar o bem comum à frente do pessoal. Evoquemos Múcio Cévola, que – estando Roma cercada – vai ao acampamento dos inimigos matar o general deles. Erra e é preso. Vão executá-lo. Mas ele queima o próprio braço numa chama, sem um gemido sequer de dor, dizendo que assim o castiga pelo fracasso de seu intento. Horrorizados, apavorados diante de gente tão resoluta, os inimigos debandam.

Não há prova dessa história, que talvez não passe de lenda, mas o importante é que ela educou gerações de romanos na convicção de que o fim público passa à frente de qualquer elemento particular. Como escravos, mulheres e estrangeiros não sentem assim, é óbvio que não terão a dignidade de cidadão.

Contrastemos a coragem de Múcio Cévola com a dos exércitos orientais, descritos por Montesquieu nas Cartas Persas (lembrando sempre que ele exagera em suas referências ao mundo islâmico). Os soldados do sultão se batem até a morte, mas – diz ele, na carta 89 – sua valentia não é a de quem preza a si próprio, e sim a de quem se despreza. É medo (ao sultão) tornado coragem (diante do inimigo). Não é o caso do romano. A cidade é o que o realiza. É o que dá sentido à sua vida.

Daí, finalmente, que na república antiga a educação seja fundamental. Ninguém age – naturalmente – como Múcio. Pela natureza estamos mais perto da conduta feminina. As mulheres são os seres mais naturais. Querem satisfazer seus desejos. Desejam enfeitar-se, ter prazer. Precisam ser contidas – a fim de contermos nossa tendência natural a ser como elas. A educação do cidadão será permanente, pois em última análise pode fracassar. Não é uma educação como a moderna, que desde o Emílio de Rousseau (Émile, ou_De l’éducation_, 1762) acredita em transformar o ser humano em algo melhor e estável. A educação do cidadão antigo é interminável, porque não há como estabilizar seu produto. O homem pode – sempre – decair e corromper-se.

A LIBERDADE PESSOAL

A corrupção moderna é outra. É verdade que, quando a França institui sua Primeira República, durante a Revolução, muitos sonham com Roma, mais talvez que com Atenas. Mas isso não dura. E já os Estados Unidos, ou antes deles a Inglaterra monárquica, mas constitucional, haviam-se aberto para uma república de exigências aliviadas – como veremos com Mandeville.

Benjamin Constant (1767-1830), político liberal franco-suíço de tanto impacto no século 19 que um republicano brasileiro foi batizado com seu nome, criticou aqueles, como Rousseau, que davam tal importância à Antiguidade que não conseguiam ver as reais características dos novos tempos. Esse foi, disse, o erro dos revolucionários que quiseram restaurar a sociedade antiga, na qual a coletividade era tudo e o indivíduo, nada.

Para os antigos – explica Constant – a liberdade importante era a da pólis grega, da civitas romana. O cidadão aceitava sacrificar-lhe tudo. Mas nos tempos modernos a liberdade que conta é a do indivíduo, que não admite ser oprimido pelo coletivo. A coletividade para nós é um peso, um fardo. O convívio político e mesmo social se tornou custoso. Ampliou-se enormemente a vida privada, como área de produção econômica, como tempo de lazer e como espaço em que escolho os valores e fins mais preciosos de minha vida.

Disso resultam duas coisas. Primeiro, aumenta incrivelmente nossa liberdade – insistindo: como indivíduos, como pessoas. Escolho minha profissão, minha religião, meu amor. Cada vez preciso dar menos satisfação disso. Mas, se isso passa a constituir minha liberdade, é porque se esvazia o alcance social das escolhas. Se antes do século 17 tantas sociedades puniam severamente quem adotava uma religião distinta da dominante, era porque passava pela religião o elo social. Quando um budista se abstém de carne, um muçulmano de vinho, um judeu de porco, ele dá à sua religião um alcance bem maior do que no mundo leigo que a modernidade cristã construiu.

O que significa o casamento se tornar escolha pessoal? A justificação romântica é que assim escolho um cônjuge com o coração. Mas quer isso dizer que eu seja mais feliz? Não é óbvio. O casamento como contrato entre famílias tinha menor sentido sexual e sentimental, mas seu alcance social fazia dele um espaço de maior satisfação pública. Modernamente, estamos condenados a buscar a realização, a felicidade, no plano privado, quase íntimo. Perdemos a dimensão pública e sofisticamos a particular, a pessoal. Não é uma crítica; é uma constatação. Houve ganhos, mas também custos, uns e outros enormes.

A segunda conseqüência da modernidade é, assim, a redução do espaço público. Tornou-se exíguo. Os costumes passaram, de sociais ou grupais, a individuais. Surgiu a vida psíquica como campo cada vez maior de indagação, de perplexidade, de escolha. Ora, isso torna praticamente absurdo pensar em costumes como fiadores da república. Quando o valor básico é o da realização pessoal, como queimar a mão ou sacrificar a sexualidade a um ideal social? Ao contrário: se alguém nos propuser um ideal que passe por tais custos pessoais, provaremos que só pode ser um falso ideal, gerador de males sem fim e até de doenças. E provaremos isso tão bem quanto um antigo provaria o contrário.

A CORRUPÇÃO DESPOLITIZADA

Mas a idéia de corrupção dos costumes não desapareceu de um momento para o outro: provavelmente passou por duas fases. Para os antigos, ela ameaçava a república. Quando a França retoma uma república mais próxima da romana, em 1792-3, a corrupção e seu antônimo, a virtude, voltam à cena. Mas isso dura pouco. Daí a dois anos, Robespierre, o Incorruptível, é deposto e guilhotinado. Na vitória dos moderados – ou corruptos, como outros os vêem -, é interessante que as roupas femininas se tornem vaporosas e que em fins da década de 1790 mulheres da sociedade até exibam em público os seios nus.

Poucas sociedades se dispõem a pagar, pela república, o preço da contenção dos costumes; talvez o último movimento a fazê-lo tenha sido o Khmer Rouge, que tomou o poder no Camboja em 1975 e chacinou um terço da população, querendo purificá-la. Alguns temas republicanos, reativados em nossos dias, correm o risco de resultar em crime contra a humanidade.

Essa foi a primeira fase, tentando-se reciclar Roma em Paris. Mas não sumiu o tema da corrupção dos costumes. Não deu certo articulá-lo com a república, mas ele ressurgiu, fortíssimo, com os vitorianos. É curioso: Constant mostrou que não pagaríamos, pela república moderna, o sacrifício de nossa vida íntima. Mas se pagou esse preço, pela monarquia moral da rainha Vitória. A contenção dos costumes veio não com a república, com o regime da autonomia ou do autogoverno, mas com o da heteronomia, do moralismo, das reverências à realeza.

Nessa segunda fase, a corrupção tornou-se tema exclusivamente moral. Sustentou, é claro, uma política – mas sustentou-a de maneira não clara e explícita, como na república romana, e sim implícita e indireta. Até porque a contenção dos costumes era apresentada não como a condição para uma política (se quiserem ser livres politicamente, abram mão da liberdade íntima), e sim como a única conduta decente. No século 19, quando alguns religiosos cristãos, chocados com o deboche sexual dos polinésios, procuraram ensinar-lhes um modo tido como decente de ter relações sexuais (o papai-mamãe, como chamamos, ou a missionary position, como ficou conhecido em inglês), o que faziam era transmitir essa moral única para toda a humanidade. A política – no caso, a destruição de uma cultura em proveito da ocidental – vinha a reboque, discreta, escondida.

Enfim: a contenção e a corrupção dos costumes deixaram de ser tema explicitamente político e essencialmente republicano. Ocultaram a dimensão política e favoreceram a opressão. Nossos políticos da República Velha podiam ler Cícero e reprimir as mulheres de sua família: com isso nada efetuavam de republicano. Temas romanos podiam ser repetidos, mas tinham-se tornado vitorianos.

NOSSO PROBLEMA

A corrupção continua, porém, sendo um tema republicano – só que com outro sentido, outro conteúdo. Ela ainda é o grande perigo para a república. Como esta valoriza o bem comum, todo desvio dele para o particular a ameaça. Mas nossa idéia de corrupção é mais fraca que a antiga.

Chamamos de corrupção o furto do patrimônio público. Ora, isso faz esquecer que o bem público tem natureza distinta do bem particular ou da propriedade privada. Muitos se referem ao Estado como se fosse equivalente a um indivíduo ou empresa. Com isso, ficam na perspectiva patrimonialista, cujos problemas vimos no capítulo anterior.

Uma saída para a pouca importância, hoje, do tema da corrupção seria apostar na educação. Diríamos: a corrupção ameaça a república, mas não se resume no furto do dinheiro público. O corrupto impede que esse dinheiro vá para a saúde, a educação, o transporte, e assim produz morte, ignorância, crimes em cascata. Mais que tudo: perturba o elo social básico que é a confiança no outro. Quem anda por nossas ruas, com medo até de crianças pequenas, e depois se espanta com a descontração das pessoas em outros países pode sentir o preço que pagamos por não vivermos numa república – por termos um regime que é republicano só de nome.

A saída educativa é indispensável. Mas ela exige dar à educação dos costumes um sentido distinto do que teve no antigo pensamento republicano. Não se trata mais de conter a sexualidade, de promover a castidade e a discrição. Os costumes viáveis, a educação desejável em nosso tempo têm a ver com a realização pessoal. Será preciso combinar essa promoção de si com o respeito devido ao outro. E será necessário, mais que tudo, recuperar – ou reinventar – a idéia de que haja algo, no espaço comum a todos, que seja mais do que um simples arremedo social da propriedade privada.

Liberalismo econômico ainda é tabu no Brasil, diz ‘Economist’

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Da BBC Brasil

Um artigo publicado na edição desta quinta-feira da revista britânica The Economist afirma que o liberalismo econômico ainda é tabu no Brasil.

“Liberalistas econômicos são tão escassos no Brasil como flocos de neve”, diz o texto, intitulado The almost-lost cause of freedom (“A causa quase perdida da liberdade”, em tradução livre).

O artigo afirma que a “mudez” dos liberalistas no país ocorre, em parte, porque o voto é compulsório, o que faz com que os eleitores pobres “ajudem a empurrar os partidos na direção de um Estado maior”.

De acordo com a Economist, “a escassez dos liberalistas é ainda mais estranha dada a história do país”.

Nesse sentido, a revista oferece ainda outra explicação para essa falta – o fato de que muitos dos políticos brasileiros participaram da oposição durante o regime militar (1964-1985).

O texto cita, por exemplo, que o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva era um líder sindicalista, e o pré-candidato nas próximas eleições José Serra, um ex-líder estudantil exilado.

Apesar disso, o artigo afirma que muitos dos políticos que faziam parte dessa oposição esquerdista “provaram ser pragmáticos no governo”.

A revista afirma, por exemplo, que nenhum dos candidatos nas próximas eleições fala em cortar impostos, apesar do aumento da porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) destinada ao governo, que chegou a um patamar próximo dos países europeus.

Avanços

De acordo com a Economist, os liberalistas brasileiros enfrentam ainda outro problema para se manifestarem: “a falta de um partido onde suas ideias sejam bem-vindas”.

Mas, se a tônica do texto trata da falta de liberalistas no país, a revista oferece um contraponto e afirma que as instituições responsáveis pela política econômica estão mais liberais, no sentido de que estão mais livres da interferência do governo do que jamais estiveram.

A revista afirma ainda que a abertura econômica trazida pelo governo de Fernando Collor de Melo impulsionou os liberalistas a “fazer mais barulho” e cita os grupos voltados a essa doutrina, como o Fórum da Liberdade e o Movimento por um Brasil Competitivo.

Apesar dos avanços, a Economist afirma que “por enquanto, no entanto, as pessoas que queiram praticar o liberalismo econômico são aconselhadas a fazê-lo em particular”.

Promiscuidade e Poder

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Por Bráulia Ribeiro, na Eclesia (www.eclesia.com.br)

“Quanto mais distorcida a noção de certo e errado de um povo mais passível ele se torna de receber e aceitar domínios opressivos e tirânicos”

O governo brasileiro decidiu meter a “colher”, até na vida sexual de seus súditos, ops, digo: cidadãos. Quando se lê as cartilhas escritas pelo governo para o ensino de sexualidade nas escolas, o texto e os desenhos absurdamente explícitos excitam até aos adultos. As cartilhas tornam desnecessária aos curiosos a compra de guias sexuais como o Kama Sutra. Basta colocar as mãos numa destas cartilhas feitas para o ensino fundamental em casa, que o casal já vai ter informações novas para “apimentar” bastante sua vida sexual.

As cartilhas tem o “cuidado” de colocar todas os tipos de práticas sexuais no mesmo patamar sem “discriminar” nenhuma. Aliás, pra quem não sabe a sigla para definir a diversidade sexual agora não é mais GLS mas LGBTTTIAQ. Nem vale a pena tentar explicar o que cada letra quer dizer porque amanhã uma ou duas terão mudado de significado e com certeza outras serão acrescentadas. Em breve o Z de zoófilos estará presente. O governo ainda não colocou sexo com animais nas cartilhas para ensinar a nossas crianças os melhores bichos e posições, mas de acordo com o Correio Braziliense os zoófilos já estão no caminho. Continue lendo