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A Nova Reforma Protestante [Revista Época]

Rani Rosique não é apóstolo, bispo, presbítero nem pastor. É apenas um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. No alpendre da casa de uma amiga professora, ele se prepara para falar. Cercado por conhecidos, vizinhos e parentes da anfitriã, por 15 minutos Rosique conversa sobre o salmo primeiro (“Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios”). Depois, o grupo de umas 15 pessoas ora pela última vez – como já havia orado e cantado por cerca de meia hora antes – e então parte para o tradicional chá com bolachas, regado a conversa animada e íntima.

Desde que se converteu ao cristianismo evangélico, durante uma aula de inglês em Goiânia em 1969, Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Com o passar do tempo, esses grupos cresceram e se multiplicaram. Hoje, são 262 espalhados por Ariquemes, reunindo cerca de 2.500 pessoas, organizadas por 11 “supervisores”, Rosique entre eles. São professores, médicos, enfermeiros, pecuaristas, nutricionistas, com uma única característica comum: são crentes mais experientes.

Apesar de jamais ter participado de uma igreja nos moldes tradicionais, Rosique é hoje uma referência entre líderes religiosos de todo o Brasil, mesmo os mais tradicionais. Recebe convites para falar sobre sua visão descomplicada de comunidade cristã, vindos de igrejas que há 20 anos não lhe responderiam um telefonema. Ele pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

Estima-se que haja cerca de 46 milhões de evangélicos no Brasil. Seu crescimento foi seis vezes maior do que a população total desde 1960, quando havia menos de 3 milhões de fiéis espalhados principalmente entre as igrejas conhecidas como históricas (batistas, luteranos, presbiterianos e metodistas). Na década de 1960, a hegemonia passou para as mãos dos pentecostais, que davam ênfase em curas e milagres nos cultos de igrejas como Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e O Brasil Para Cristo. A grande explosão numérica evangélica deu-se na década de 1980, com o surgimento das denominações neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer. Elas tiraram do pentecostalismo a rigidez de costumes e a ele adicionaram a “teologia da prosperidade”. Há quem aposte que até 2020 metade dos brasileiros professará à fé evangélica.

Dentro do próprio meio, levantam-se vozes críticas a esse crescimento. Segundo elas, esse modelo de igreja, que prospera em meio a acusações de evasão de divisas, tráfico de armas e formação de quadrilha, tem sido mais influenciado pela sociedade de consumo que pelos ensinamentos da Bíblia. “O movimento evangélico está visceralmente em colapso”, afirma o pastor Ricardo Gondim, da igreja Betesda, autor de livros como Eu creio, mas tenho dúvidas: a graça de Deus e nossas frágeis certezas (Editora Ultimato). “Estamos vivendo um momento de mudança de paradigmas. Ainda não temos as respostas, mas as inquietações estão postas, talvez para ser respondidas somente no futuro.”

Nos Estados Unidos, a reinvenção da igreja evangélica está em curso há tempos. A igreja Willow Creek de Chicago trabalhava sob o mote de ser “uma igreja para quem não gosta de igreja” desde o início dos anos 1970. Em São Paulo, 20 anos depois, o pastor Ed René Kivitz adotou o lema para sua Igreja Batista, no bairro da Água Branca – e a ele adicionou o complemento “e uma igreja para pessoas de quem a igreja não costuma gostar”. Kivitz é atualmente um dos mais discutidos pensadores do movimento protestante no Brasil e um dos principais críticos da“religiosidade institucionalizada”. Durante seu pronunciamento num evento para líderes religiosos no final de 2009, Kivitz afirmou: “Esta igreja que está na mídia está morrendo pela boca, então que morra. Meu compromisso é com a multidão agonizante, e não com esta igreja evangélica brasileira.”

Essa espécie de “nova reforma protestante” não é um movimento coordenado ou orquestrado por alguma liderança central. Ela é resultado de manifestações espontâneas, que mantêm a diversidade entre as várias diferenças teológicas, culturais e denominacionais de seus ideólogos. Mas alguns pontos são comuns. O maior deles é a busca pelo papel reservado à religião cristã no mundo atual. Um desafio não muito diferente do que se impõe a bancos, escolas, sistemas políticos e todas as instituições que vieram da modernidade com a credibilidade arranhada. “As instituições estão todas sub judice”, diz o teólogo Ricardo Quadros Gouveia, professor da Universidade Mackenzie de São Paulo e pastor da Igreja Presbiteriana do Bairro do Limão. “Ninguém tem dúvida de que espiritualidade é uma coisa boa ou que educação é uma coisa boa, mas as instituições que as representam estão sob suspeita.”

Uma das saídas propostas por esses pensadores é despir tanto quanto possível os ensinamentos cristãos de todo aparato institucional. Segundo eles, a igreja protestante (ao menos sua face mais espalhafatosa e conhecida) chegou ao novo milênio tão encharcada de dogmas, tradicionalismos, corrupção e misticismo quanto a Igreja Católica que Martinho Lutero tentou reformar no século XVI. “Acabamos nos perdendo no linguajar ‘evangeliquês’, no moralismo, no formalismo, e deixamos de oferecer respostas para nossa sociedade”, afirma o pastor Miguel Uchôa, da Paróquia Anglicana Espírito Santo, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife. “É difícil para qualquer pessoa esclarecida conviver com tanto formalismo e tão pouco conteúdo.”

Uchôa lidera a maior comunidade anglicana da América Latina. Seu trabalho é reconhecido por toda a cúpula da denominação como um dos mais dinâmicos do país. Ele é um dos grandes entusiastas do movimento inglês Fresh Expressions, cujo mote é “uma igreja mutante para um mundo mutante”. Seu trabalho é orientar grupos cristãos que se reúnem em cafés, museus, praias ou pistas de skate. De maneira genérica, esses grupos são chamados de “igreja emergente” desde o final da década de 1990. “O importante não é a forma”, afirma Uchôa. “É buscar a essência da espiritualidade cristã, que acabou diluída ao longo dos anos, porque as formas e hierarquias passaram a ser usadas para manipular pessoas. É contra isso que estamos nos levantando.”

No meio dessa busca pela essência da fé cristã, muitas das práticas e discursos que eram característica dos evangélicos começaram a ser considerados dispensáveis. Às vezes, até condenáveis (leia o quadro na última pág.). Em Campinas, no interior de São Paulo, ocorre uma das experiências mais interessantes de recriação de estruturas entre as denominações históricas. A Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera não tem um templo. Seus frequentadores se reúnem em dois salões anexos a grandes condomínios da cidade e em casas ao longo da semana. Aboliram a entrega de dízimos e as ofertas da liturgia. Os interessados em contribuir devem procurar a secretaria e fazê-lo por depósito bancário – e esperar em casa um relatório de gastos. Os sermões são chamados, apropriadamente, de “palestras” e são ministrados com recursos multimídias por um palestrante sentado em um banquinho atrás de um MacBook. A meditação bíblica dominical é comumente ilustrada por uma crônica de Luis Fernando Verissimo ou uma música de Chico Buarque de Hollanda.

“Os seminários teológicos formam ministros para um Brasil rural em que os trabalhos são de carteira assinada, as famílias são papai, mamãe, filhinhos e os pastores são pessoas respeitadas”, diz Ricardo Agreste, pastor da Comunidade e autor dos livros Igreja? Tô fora e A jornada (ambos lançados pela Editora Socep). “O risco disso é passar a vida oferecendo respostas a perguntas que ninguém mais nos faz. Há muita gente séria, claro, dizendo verdades bíblicas, mas presas a um formato ultrapassado.”

Outro ponto em comum entre esses questionadores é o rompimento declarado com a face mais visível dos protestantes brasileiros: os neopentecostais. “É lisonjeador saber que atraímos gente com formação universitária e que nos consideram ‘pensadores’”, afirma Ricardo Agreste. “O grande problema dos evangélicos brasileiros não é de inteligência, é de ética e honestidade.” Segundo ele, a velha discussão doutrinária foi substituída por outra. “Não é mais uma questão de pensar de formas diferentes a espiritualidade cristã”, diz. “Trata-se de entender que há gente usando vocabulário e elementos de prática cristã para ganhar dinheiro e manipular pessoas.”

Esse rompimento da cordialidade entre os evangélicos históricos e os neopentecostais veio a público na forma de livros e artigos. A jornalista (evangélica) Marília Camargo César publicou no final de 2008 o livro Feridos em nome de Deus (Editora Mundo Cristão), sobre fiéis decepcionados com a religião por causa de abusos de pastores. O teólogo Augustus Nicodemus Lopes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, publicou O que estão fazendo com a Igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro (Mundo Cristão), retrato desolador de uma geração cindida entre o liberalismo teológico, os truques de marketing, o culto à personalidade e o esquerdismo político. Em um recente artigo, o presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas, João Flavio Martinez, definiu como “macumba para evangélico” as práticas místicas da Igreja Universal do Reino de Deus, como banho de descarrego e sabonete com extrato de arruda.

Tais críticas, até pouco tempo atrás, ficavam restritas aos bastidores teológicos e às discussões internas nas igrejas. Livros mais antigos – como Supercrentes, Evangélicos em crise, Como ser cristão sem ser religioso e O evangelho maltrapilho (todos da editora Mundo Cristão) – eram experiências isoladas, às vezes recebidos pelos fiéis como desagregadores. “Parece que a sociedade se fartou de tanto escândalo e passou a dar ouvidos a quem já levantava essas questões há tempos”, diz Mark Carpenter, diretor-geral da Mundo Cristão.

O pastor Kivitz – que publicou pela Mundo Cristão seus livros Outra espiritualidade e O livro mais mal-humorado da Bíblia – distingue essa crítica interna daquela feita pela mídia tradicional aos neopentecostais “A mídia trata os evangélicos como um fenômeno social e cultural. Para fazer uma crítica assim, basta ter um pouco de bom-senso. Essa crítica o (programa) CQC já faz, porque essa igreja é mesmo um escracho”, diz ele. “Eu faço uma crítica diferente, visceral, passional, porque eu sou evangélico. E não sou isso que está na televisão, nas páginas policiais dos jornais. A gente fica sem dormir, a gente sofre e chora esse fenômeno religioso que pretende ser rotulado de cristianismo.”

A necessidade de se distinguir dos neopentecostais também levou essas igrejas a reconsiderar uma série de práticas e até seu vocabulário. Pastores e “leigos” passam a ocupar o mesmo nível hierárquico, e não há espaço para “ungidos” em especial. Grandes e imponentes catedrais e “cultos shows” dão lugar a reuniões informais, em pequenos grupos, nas casas, onde os líderes podem ser questionados, e as relações são mais próximas. O vocabulário herdado da teologia triunfalista do Antigo Testamento (vitória, vingança, peleja, guerra, maldição) é reconsiderado. Para superar o desgaste dos termos, algumas igrejas preferem ser chamadas de “comunidades”, os cultos são anunciados como “reuniões” ou “celebrações” e até a palavra “evangélico” tem sido preterida em favor de “cristão” – o termo mais radical. Nem todo mundo concorda, evidentemente. “Eles (os neopentecostais) é que não deveriam ser chamados de evangélicos”, afirma o bispo anglicano Robinson Cavalcanti, da Diocese do Recife. “Eles é que não têm laços históricos, teológicos ou éticos com os evangélicos.”

Um dos maiores estudiosos do fenômeno evangélico no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano (PUC-RS), vê como natural o embate entre neopentecostais e as lideranças de igrejas históricas. Ele lembra que, desde o final da década de 1980, quando o neopentecostalismo ganhou força no Brasil, os líderes das igrejas históricas se levantaram para desqualificar o movimento. “O problema é que não há nenhum órgão que regule ou fale em nome de todos os evangélicos, então ninguém tem autoridade para dizer o que é uma legítima igreja evangélica”, afirma.

Procurado por ÉPOCA, Geraldo Tenuta, o Bispo Gê, presidente nacional da Igreja Renascer em Cristo, preferiu não entrar em discussões. “Jesus nos ensinou a não irmos contra aqueles que pregam o evangelho, a despeito de suas atitudes”, diz ele. “Desde o início, éramos acusados disto ou daquilo, primeiro porque admitíamos rock no altar, depois porque não tínhamos usos e costumes. Isso não nos preocupa. O que não é de Deus vai desaparecer, e não será por obra dos julgamentos.” A Igreja Universal do Reino de Deus – que, na terceira semana de julho, anunciou a construção de uma “réplica do Templo de Salomão” em São Paulo, com “pedras trazidas de Israel” e “maior do que a Catedral da Sé” – também foi procurada por ÉPOCA para comentar os movimentos emergentes e as críticas dirigidas à igreja. Por meio de sua assessoria, o bispo Edir Macedo enviou um e-mail com as palavras: “Sem resposta”.

O sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Editora Loyola), oferece uma explicação pragmática para a ruptura proposta pelo novo discurso evangélico. Ateu, ele afirma que o objetivo é a busca por uma certa elite intelectual, um público mais bem informado, universitário, mais culto que os telespectadores que enchem as igrejas populares. “Vivemos uma época em que o paciente pesquisa na internet antes de ir ao consultório e é capaz de discutir com o médico, questionar o professor”, diz. “Num ambiente assim, não tem como o pastor proibir nada. Ele joga para a consciência do fiel.”

A maior parte da movimentação crítica no meio evangélico acontece nas grandes cidades. O próprio pastor Kivitz afirma que “talvez não agisse da mesma forma se estivesse servindo alguma comunidade em um rincão do interior” e que o diálogo livre entre púlpito e auditório passa, necessariamente, por uma identificação cultural. “As pessoas não querem dogmas, elas querem honestidade”, diz ele. “As dúvidas delas são as minhas dúvidas. Minha postura é, juntos, buscarmos respostas satisfatórias a nossas inquietações.”

Por isso mesmo, Ricardo Mariano não vê comparação entre o apelo das novas igrejas protestantes e das neopentecostais. “O destino desses líderes será ‘pescar no aquário’, atraindo insatisfeitos vindos de outras igrejas, ou continuar falando para meia dúzia de pessoas”, diz ele. De acordo com o presbiteriano Ricardo Gouveia, “não há, ou não deveria haver, preocupação mercadológica” entre as igrejas históricas. “Não se trata de um produto a oferecer, que precise ocupar espaço no mercado”, diz ele. “Nossa preocupação é simplesmente anunciar o evangelho, e não tentar ‘melhorá-lo’ ou torná-lo mais interessante ou vendável.”

O advento da internet foi fundamental para pastores, seminaristas, músicos, líderes religiosos e leigos decidirem criar seus próprios sites, portais, comunidades e blogs. Um vídeo transmitido pela Igreja Universal em Portugal divulgando o Contrato da fé – um “documento”, “autenticado” pelos pastores, prometendo ao fiel a possibilidade de se “associar com Deus e ter de Deus os benefícios” – propagou-se pela rede, angariando toda sorte de comentários. Outro vídeo, em que o pregador americano Moris Cerullo, no programa do pastor Silas Malafaia, prometia uma “unção financeira dos últimos dias” em troca de quem “semear” um “compromisso” de R$ 900 também bombou na rede. Uma cópia da sentença do juiz federal Fausto De Sanctis condenando os líderes da Renascer Estevam e Sônia Hernandes por evasão de divisas circulou no final de 2009. De Sanctis afirmava que o casal “não se lastreia na preservação de valores de ética ou correção, apesar de professarem o evangelho”. “Vergonha alheia em doses quase insuportáveis” foi o comentário mais ameno entre os internautas.

Sites como Pavablog , Veshame Gospel , Irmãos.com , Púlpito Cristão , Caiofabio.net ou Cristianismo Criativo fazem circular vídeos, palestras e sermões e debatem doutrinas e notícias com alto nível de ousadia e autocrítica. De um grupo de blogueiros paulistanos, surgiu a ideia da Marcha pela ética, um protesto que ocorre há dois anos dentro da Marcha para Jesus (evento organizado pela Renascer). Vestidos de preto, jovens carregam faixas com textos bíblicos e frases como “O $how tem que parar” e “Jesus não está aqui, ele está nas favelas”.

A maior parte desses blogueiros trafega entre assuntos tão diversos como teologia, política, televisão, cinema e música popular. O trânsito entre o “secular” e o “sagrado” é uma das características mais fortes desses novos evangélicos. “A espiritualidade cristã sempre teve a missão de resgatar a pessoa e fazê-la interagir e transformar a sociedade”, diz Ricardo Agreste. “Rompemos o ostracismo da igreja histórica tradicional, entramos em diálogo com a cultura e com os ícones e pensamento dessa cultura e estamos refletindo sobre tudo isso.”

Em São Paulo, o capelão Valter Ravara criou o Instituto Gênesis 1.28, uma organização que ministra cursos de conscientização ambiental em igrejas, escolas e centros comunitários. “É a proposta de Jesus, materializar o amor ao próximo no dia a dia”, afirma Ravara. “O homem sem Deus joga papel no chão? O cristão não deve jogar.” Ravara publicou em 2008 a Bíblia verde, com laminação biodegradável, papel de reflorestamento e encarte com textos sobre sustentabilidade.

A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, escreveu o prefácio da Bíblia verde. Sua candidatura à Presidência da República angariou simpatia de blogueiros e tuiteiros, mas não o apoio formal da Assembleia de Deus, denominação a que ela pertence. A separação entre política e religião pregada por Marina é vista como um marco da nova inserção social evangélica. O vereador paulistano e evangélico Carlos Bezerra Jr. afirma que o dever do político cristão é “expressar o Reino de Deus” dentro da política. “É o oposto do que fazem as bancadas evangélicas no Congresso, que existem para conseguir facilidades para sua denominação e sustentar impérios eclesiásticos”, diz ele.

O raciocínio antissectário se espalhou para a música. Nomes como Palavrantiga, Crombie, Tanlan, Eduardo Mano, Helvio Sodré e Lucas Souza se definem apenas como “música feita por cristãos”, não mais como “gospel”. Eles rompem os limites entre os mercados evangélico e pop. O antissectarismo torna os evangélicos mais sensíveis a ações sociais, das parcerias com ONGs até uma comunidade funcionando em plena Cracolândia, no centro de São Paulo. “No fundo, nossa proposta é a mesma dos reformadores”, diz o presbiteriano Ricardo Gouveia. “É perceber o cristianismo como algo feito para viver na vida cotidiana, no nosso trabalho, na nossa cidadania, no nosso comportamento ético, e não dentro das quatro paredes de um templo.”

A teologia chama de “cristocêntrico” o movimento empreendido por esses crentes que tentam tirar o cristianismo das mãos da estrutura da igreja – visão conhecida como “eclesiocêntrica” – e devolvê-lo para a imaterialidade das coisas do espírito. É uma versão brasileiramente mais modesta do que a Igreja Católica viveu nos tempos da Reforma Protestante. Desta vez, porém, dirigida para a própria igreja protestante. Depois de tantos desvios, vozes internas levantaram-se para propor uma nova forma de enxergar o mundo. E, como efeito, de ser enxergadas por ele. Nas palavras do pastor Kivitz: “Marx e Freud nos convenceram de que, se alguém tem fé, só pode ser um estúpido infantil que espera que um Papai do Céu possa lhe suprir as carências. Mas hoje gostaríamos de dizer que o cristianismo tem, sim, espaço para contribuir com a construção de uma alternativa para a civilização que está aí. Uma sociedade que todo mundo espera, não apenas aqueles que buscam uma experiência religiosa”.

Fonte: Cristianismo Criativo, 7 ago 2010

A cidade edificada sobre o monte ~ por Ed René Kivitz

Este mundo vai de mal a pior, e aqueles que acreditam que o mundo vai melhorar precisam ler a Bíblia outra vez. Ou fazer teologia novamente. Quem acredita que “o dia de justiça, o dia de verdade, o dia em que haverá na terra paz, em que será vencida a morte pela vida, e a escravidão enfim acabará” refere-se às possibilidades de estruturação social está iludido.

A teologia da missão integral da Igreja deu passos significativos para que o assistencialismo evoluísse para a solidariedade emancipadora. Na verdade, a bandeira da responsabilidade social da Igreja levantada pelo movimento chamado evangelical foi além do velho paradigma “dar o peixe e ensinar a pescar” e profetizou a necessidade da transformação das estruturas sociais, isto é, lutar pela igualdade de condições entre os pescadores: instrução a respeito de pescaria, acesso aos apetrechos de pesca e às margens dos rios. A visão sistêmica que compreende a interação entre o indivíduo e a sociedade não dá margem para outra postura que não a implicação social da evangelização. Ponto para os herdeiros de Lausanne.*

Os discursos a respeito da Igreja como agência de transformação histórica e os apelos para que as cidades sejam conquistadas para Cristo foram, entretanto, inseridos nas agendas dos políticos cristãos, distorcendo o próprio propósito do Senhor Jesus para sua Igreja e seu Reino. Boa parte da chamada Igreja Evangélica brasileira (cada dia gosto menos desta expressão) padece de um crasso erro hermenêutico, a saber, a transposição simples das promessas do Velho Testamento para o contexto social e histórico atual.

Quero dizer que a promessa de Deus ao povo de Israel (“Se o meu povo que se chama pelo meu nome se humilhar, e orar, e buscar a minha face, e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei do céu e sararei a sua terra”) jamais pode ser aplicada ao Brasil e significar que a terra a ser sarada é a nação brasileira. Deus tinha um povo, e o seu povo tinha uma terra, um projeto de Estado, uma ética social e uma agenda litúrgica em unidade coerente. Isto é, o povo de Israel, habitando na terra da promessa, organizado num Estado regido pela Lei divina em suas múltiplas dimensões e sujeito ao único e verdadeiro Deus, seria luz para todas as nações.

Hoje, Deus ainda tem um povo: a Igreja (e se você ainda acredita que o povo de Deus é a nação de Israel, leia Gálatas novamente). Mas este povo, a Igreja, não tem uma terra delimitada como espaço geográfico, tipo território nacional. Mais do que isso, quando o povo de Deus fala em “organização social”, não está falando de um estado de direito, uma ordem social temporal, mas sim do Reino eterno de Deus. E o Reino de Deus não é um reino a ser instaurado na história, mas sim sinalizado na história.

A Igreja não vive sob a promessa de que a sociedade pode ser sarada. A Igreja vive sob o imperativo de oferecer-se ao mundo como humanidade e sociedade redimida, que se estrutura, de maneira alternativa, e através de suas relações internas anuncia profeticamente o Reino que virá. Como aprendi com os evangelicais, a Igreja é responsável por manifestar aqui e agora a maior densidade possível do Reino que será estabelecido ali e além. Mas esta manifestação histórica do Reino de Deus, entretanto, não se dá pela cristianização da sociedade ou, como pretendem alguns, pela tomada do poder temporal pela Igreja Evangélica.

A igreja, leia-se comunidade cristã local, é uma cidade edificada sobre o monte, uma luz na escuridão, que, inserida na sociedade corrompida e vivendo em meio a uma geração perversa, que se opõe a Deus e é inimiga da cruz, funciona como um sinal do Reino que virá. Não se iluda, esperando que o Brasil inteiro um dia fique iluminado. Ele, assim como todo o mundo, continuará em trevas. Mas em meio a estas trevas, viva em comunidade, uma comunidade que “vive o que prega para que possa pregar o que vive”.

Isso significa que os cristãos devem se recolher de sua inserção social? Eu não disse isso. Aliás, o Senhor Jesus disse que a luz acesa não pode ser colocada embaixo da cama.

Fonte: Revista Eclésia – Ano V – Nº55

*Congresso Mundial de Evangelização, realizado na Suíça em 1974, cujas conclusões teológicas, publicadas no Brasil pela ABU Editora, sintetizam a teologia da missão integral, ou movimento evangelical.

A Cidade ~ por Russell Shedd

Quando Deus criou o primeiro casal, o colocou no paraíso (significa “jardim” na língua persa). A decisão catastrófica ocorreu quando eles cederam à tentação de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Deus os expulsou do jardim e eles começaram sua busca pelo sentido da vida, levantando torres e construindo cidades. “Caim fundou uma cidade”, informa o texto bíblico.

Muitos anos depois, Deus convocou Abraão a deixar a cidade de Ur dos Caldeus, entre as mais modernas do mundo antigo. Peregrinou na terra prometida alojando-se numa tenda, mas esperava uma “cidade que tem alicerces cujo arquiteto e edificador é Deus” (Hb 11.10). Essa cidade deve ter sido a Nova Jerusalém.

H. Drummond nos surpreende, ao afirmar que o cristianismo é distinto de todas as outras religiões porque é a “religião de cidades… sua esfera é a rua, o mercado, a vida do empregado no mundo. De fato, o novo mundo do Apocalipse se apresenta para nós em forma de uma imensa cidade. A vida da cidade é intensa, real e comunitária” (The Greatest Thing in the World). Na cidade, quem desejar pode se isolar, ou ter muitos amigos.

O Espírito Santo desceu sobre os 120 discípulos na cidade. A primeira igreja foi plantada na cidade. Atos narra o sucesso do Evangelho correndo a largos passos pelas cidades de Jerusalém, Damasco, Antioquia, Tessalônica, Corinto, Éfeso e Roma.

Deus planejou enviar seus embaixadores às cidades de onde o conhecimento da verdade salvadora se espalharia pelas zonas rurais. A dinâmica da mensagem em Éfeso foi tal que, em apenas dois anos “todos os judeus e os gregos que viviam na província da Ásia ouviram a palavra do Senhor” (At 19.10).

Mas nem tudo é belo e atraente na cidade. Tem seu lado sombrio. Nela, proliferam a competição, a busca frenética do poder, do dinheiro, de ter em vez de ser. Na cidade, a prostituição, as drogas e a violência contaminam a atmosfera. Creio que muitos concordariam que é mil vezes mais fácil sentir a presença e ação de Deus no campo do que na confusão de prédios e ruas congestionadas. Não foi por meio de um arbusto em chamas que Deus se revelou a Moisés?

No congresso de evangelismo, Lausanne II, em Manila (1989), um palestrante, Os Guiness, citou Abraão Kuyper, primeiro ministro da Holanda, “Não há uma polegada sequer de qualquer esfera da vida sobre a qual Cristo não diz: “Meu”. É isto que torna a modernidade tão difícil”. Precisamente na cidade, a modernidade nos confronta com a força de um Tsunami. Mas sobre a cidade, Deus tem vontade de revelar seu poder transformador, dizendo: “Isto é meu!”.

Se o nosso destino final é de fato uma cidade, não seria de primordial importância aprendermos a viver de forma cristã na cidade? Não seria alvo digno do Senhor da igreja, nos esforçar na transformação da comunidade na qual ela se encontra, num reflexo do modelo da Nova Jerusalém?

Richard Baxter, dedicado pastor da igreja de Kidderminster, Inglaterra (séc. XVII), foi o instrumento da mudança na reputação da cidade. De pior, passou a ser considerada a mais santa do país. A contagiosa influência de um pastor santo como Baxter tem poder para mudar um bairro, uma cidade ou um país. Em vez de escândalos abalarem a igreja, roguemos a Deus por líderes que consigam implantar o modelo da Nova Jerusalém no meio dos homens engavetados na cidade poluída e escura, carecendo da luz de Deus.

De cima é fácil identificar uma cidade pela mancha de luz que passa por debaixo do avião. Milhares de luzes juntas dão a impressão de uma luz espalhada numa grande área da terra. Seria assim que a cidade corrompida pelo pecado poderia ser modificada? Não espere pelos políticos, nem pela legislação, nem uma maior proliferação de policiais. A mudança da cidade ocorre pelas luzes que vidas santas produzem. Jesus declarou: “É impossível esconder uma cidade construída sobre um monte”. Mas uma cidade sem luzes se esconde, sim! Portanto, candeias colocadas em lugares apropriados iluminam a todos que estão na casa e transformam a cidade numa mancha de luz gigante.

Assim, não podemos imaginar a beleza da Cidade de Deus que os herdeiros da salvação ocuparão. Todos se amarão perfeitamente. O fruto do Espírito dominará todos os relacionamentos. No presente gozamos das primícias do Espírito para experimentar a sombra dessa realidade.

Bebê morre após ser submerso três vezes durante batismo

altar in Serbian orthodox monastery

Um padre da Moldávia está sendo investigado pela morte de um bebê que se afogou após ter sido submergido três vezes durante a cerimônia de batismo.

Familiares acusam o padre, Valentin Taralunga, da Igreja Católica Orotodoxa, de negligência ao prosseguir com a cerimônia apesar dos sinais de que a criança, de um ano e meio, estava se afogando na pia batismal.

Médicos da capital moldávia, Chisinau, diagnosticaram que o bebê morreu por afogamento. O padre está sendo investigado por homicídio culposo, punível com até três anos de prisão.

Ao prestar depoimento, o padre Taralunga negou as acusações e disse que obedeceu aos cânones religiosos que ensinam sobre a cerimônia de batismo.

A família repassou à polícia um vídeo amador do momento em que o religioso submerge a criança na água. O conteúdo do vídeo foi divulgado pelas TVs locais.

Entretanto, os investigadores que trabalham no caso disseram a uma delas, a Publika TV, que ainda é cedo para chegar a uma conclusão.

Na cerimônia católica ortodoxa, os padres tampam o nariz e a boca das crianças durante os curtos instantes em que elas são submergidas na água benta.

Um porta-voz da Igreja moldávia disse não recordar de semelhante episódio na história religiosa do país.

Logo após a imersão na água, o bebê é visto com dificuldades de respirar. Segundo testemunhas, minutos depois a criança começou a espumar pela boca e sangrar pelo nariz.

Levado para ser socorrido, o bebê morreu a caminho do hospital. O diagnóstico da morte foi ocorrência de água nos pulmões.

Fonte: BBC Brasil, 28 jul 2010

Pastor de aeropuerto: entre el cielo y la tierra

Gudrun Bauer recuerda perfectamente aquel día terrible, hace un año. Esta mujer de 66 años esperaba a su hermano mayor en la sala de llegadas. Ella lo había llamado por teléfono a Múnich la noche anterior para pedirle que viniera a Düsseldorf lo más pronto posible.

Gudrun estaba enferma y necesitaba su apoyo, le dijo. Pero el verdadero motivo de la llamada era en realidad más triste: su hermano tenía una hija única – su sobrina – que residía en este Estado de Renania del Norte Westfalia y acababa de fallecer en un accidente automovilístico.

“Estaba desconsolada”

Bauer estaba en schock, absolutamente perpleja, desconsolada.  ¿Cómo decirle a su hermano que su hija adorada, la que él habría preferido tener siempre cerca en Múnich, estaba ahora muerta? No se atrevía.

Por suerte, Gudrun Bauer recordó un reportaje televisivo sobre el pastor del aeropuerto. Así que lo buscó y le pidió ayuda. Detlef Toonen, párroco evangélico del aeropuerto de Düsseldorf, supo enseguida qué hacer.

Toonen recibió al anciano y le transmitió la dramática noticia. Cuando el hermano de Gudrun se deshizo en lágrimas, el religioso halló las palabras adecuadas para consolarlo en su dolor. Estos casos son parte del trabajo diario de Detlef Toonen, presente desde 2006 en las terminales de Düsseldorf, para confortar a pasajeros y sus familiares en momentos duros.

Muerte a bordo

Unos 50.000 a 60.000 pasajeros pasan diariamente por el aeropuerto de Düsseldorf. La misión del pastor consiste en cuidar de ellos, acompañarlos, escucharlos, hablarles: “por supuesto existen situaciones de emergencia. Las más frecuentes involucran personas que fallecen a bordo o en sus vacaciones, en un lugar lejano, en vez de aterrizar aquí con vida como alguien espera”.

El pastor debe informar a los miembros de la familia, al tiempo que se ofrece para brindarles el primer consuelo. Toonen se ocupa también de inmigrantes que serán desplazados de Alemania. Los acompaña en sus últimas horas en el aeropuerto, antes de que se los obligue a regresar a su país de origen y, con ello, las más de las veces, a la incertidumbre.

“Con una mano delante y otra detrás”

Toonen, de 54 años, realiza también una labor social que, a primera vista, no pertenecen a su misión religiosa en el aeropuerto. El pastor recibe, por ejemplo, a alemanes que regresan a su país sin recursos luego de largas estancias en el extranjero. Con frecuencia estos pasajeros se regresan desde EE.UU., Tailandia, el Caribe, las Islas Canarias, Baleares y recientemente también desde el Cercano Oriente, apenas “con una mano delante y la otra detrás”.

Hace poco tuvo uno de estros casos: “un alemán que había vivido como dos años ilegal en EE.UU. Había ingresado como turista y se le había vencido la visa. Las autoridades americanas lo encerraron en prisión y luego lo deportaron a Alemania”. Tonnen se encargó de recibirlo y acompañarlo en el camino a su antiguo lugar de residencia.

Experiencias positivas

Antes de asumir esta responsabilidad Detlef Toonen fue pastor durante 12 años en una comunidad de Oberhausen, en la Cuenca del Ruhr, que pertenece también al Estado de Renania del Norte Westfalia. Además, daba clases en escuelas de oficios. Aceptó con entusiasmo la oferta de convertirse en pastor de aeropuerto.

Su trabajo es diverso, dice Toonen, y en él vive también muchas experiencias positivas. En un sitio conmemorativo especial del tercer piso el párroco oficia misas al inicio de las vacaciones de verano. Si se lo solicitan, bendice también a los viajeros antes de echar a volar.

Justo hace unos días bendijo a una familia que viajó a donde unos amigos en África, por medio año: “madre, padre, dos niños, ojos brillantes y grandes expectativas. Me preguntaron si podía estar presente cuando despegaran”. El pastor se retiró con la familia a un espacio de meditación e hizo sólo para ellos una pequeña ceremonia de despedida.

“En contacto con Dios y con el Mundo”

El día de trabajo de Detlef Toonen dura oficialmente 8 horas, pero muchas veces su jornada acaba más bien tarde en la noche, pues las situaciones de emergencia no se pueden planear. El pastor está a disposición de los pasajeros y de los 18.000 trabajadores del aeropuerto.

Cuando tiene tiempo, Toonen recorre las terminales y le habla a los pasajeros. La Iglesia no sólo está presente en situaciones de emergencia, dice el pastor. “Siempre digo: ‘Yo estoy ahí, en contacto con Dios y con El Mundo. Soy parte del personal de Dios en la Tierra’”.

Por eso, para Toonen, su misión en el aeropuerto consiste en establecer contacto con las personas, preguntarles sobre lo que tienen más cerca del corazón y desearles unas lindas vacaciones.

Autora: Nadja Baeva / RML

Editor: José Ospina Valencia

Fonte: DW, 20 jul 2010

Luteranos se desculpam por perseguir menonitas séculos atrás

A Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial teve como um ponto alto o pedido de perdão dos luteranos ao menonitas. Favoráveis a reformas radicais do cristianismo, eles foram perseguidos por católicos e protestantes.

Até esta terça-feira (27/07), 400 delegados de 140 igrejas-membros do mundo inteiro participam em Stuttgart, na Alemanha, da 11ª Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial. Ao todo, mais de mil participantes discutiram, durante uma semana, questões como injustiças e soluções para problemas humanitários globais. O evento teve como ponto alto o pedido de perdão dos luteranos aos menonitas, pela perseguição religiosa ocorrida 500 anos atrás.

“Temos essa lembrança de sermos uma minoria perseguida”, disse Larry Miller, secretário-geral do Congresso Mundial Menonita por ocasião de uma cerimônia de reconciliação realizada pela Federação Luterana Mundial sobre a perseguição cruel do movimento anabatista.

Os menonitas pertencem ao principal ramo do movimento anabatista. A repressão sangrenta sofrida por seus membros no século 16 faz parte dos capítulos mais sombrios da história europeia.

Um principal ponto de discórdia era o batismo de crianças. Os menonitas acreditam que seus membros devem ser batizados adultos, voluntariamente, e rejeitam o batismo de crianças. Isso fez com que fossem tachados como hereges pelo reformador Martinho Lutero (1483-1546), para quem essa era uma forma de negar às crianças a inclusão na comunidade cristã.

Lutero deixou clara sua rejeição pelos anabatistas na Confissão de Augsburg, publicado em 1530 naquela cidade alemã. Até hoje, os pastores luteranos são ordenados com base em partes dessa confissão.

Conflito mortal no movimento europeu de reforma

Os seguidores dos anabatistas, que pediam uma reforma social mais radical do cristianismo do que a pleiteada por Lutero e pelo suíço Ulrich Zwingli (1484-1531), tiveram que fugir dos governantes católicos e protestantes para se salvar, o que não impediu que milhares fossem executados.

Hoje, a religião menonita conta no mundo todo com mais de 1 milhão de membros, muitos deles nos EUA e no Canadá, cerca de 60 mil na Europa. Devido ao fato de já terem cedo levantado a voz contra qualquer forma de guerra e darem importância à “absoluta abdicação da violência”, eles são considerados uma das “Igrejas históricas da paz”. As comunidades menonitas são opostas às hierarquias eclesiásticas: a paróquia local é totalmente autônoma.

Reconciliação exige nova identidade

Na cerimônia de reconciliação que marcou a 11ª Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial, em Stuttgart, os luteranos pediram, “a Deus e às nossas irmãs e aos irmãos menonitas o perdão pelo sofrimento que nossos antepassados lhe infligiram no século 16”. O pedido de perdão foi elaborado entre 2005 e 2008 por uma comissão de estudos luterano-menonita.

Para o secretário-geral da Conferência Mundial Menonita, o Larry Miller, a medida é uma “concessão importante e um ato de libertação”, pois os menonitas, segundo ele, muitas vezes “se sentem ainda como vítimas”. “Agora temos de repensar nossa identidade”, ressalta. Na verdade, as histórias dos mártires das comunidades menonitas ainda estão bastante presentes. O sofrimento dos antepassados é passado de geração em geração.

“É simplesmente uma ferida profunda no seio do cristianismo, quando igrejas que estão na realidade tão perto, por virem da mesma raiz e terem uma história comum, estão tão divididas dentro do movimento de reforma”, disse o pastor menonita Reiner Burghard durante a cerimônia de reconciliação. Ele espera que essa ferida seja curada.

No futuro, luteranos e menonitas querem lutar para que liberdade de religião e de consciência sejam respeitadas e protegidas na política e na sociedade.

Bispo palestino é novo presidente da federação

Outro ponto marcante dessa assembleia foi a eleição do bispo palestino Munib A. Younan como presidente da Federação Luterana Mundial. O prelado de 59 anos, conhecido por seu engajamento pela paz no Oriente Médio e incentivador do diálogo entre as religiões, sucede o norte-americano Mark Hanson, de 63 anos, que desde 2003 liderava a entidade formada por 70 milhões de cristãos.

Autora: Ulrike Mast-Kirschning (md)
Revisão: Augusto Valente

Fonte: DW, 27 jul 2010

Lutherans reconcile with Mennonites 500 years after bloody persecution

A photo of a Danish church in wintertime

It lasted for centuries, now Lutherans apologised to the Mennonites and thereby allowed the conflicting parties to find closure. Both religions celebrated their reconciliation at the Lutheran World Federation Assembly.

The bloody oppression of the Mennonite Free Church in the 16th century is one of the darkest chapters in European history. This past week, Lutherans issued an official apology for the cruel persecution of the Anabaptists – and both parties celebrated their reconciliation in a very moving ceremony.

“We still remember being a prosecuted minority,” said Larry Miller, secretary general of the Mennonite World Conference.

The Mennonite Free Church is the main branch of the descendants of the Christian Baptist movement. Mennonites are known as Anabaptists because they only baptise adults and not underage children.

For church reformer Martin Luther, Mennonites were schismatic heretics who denied children access to the Christian community. Luther expressed his rejection of the Anabaptists in a letter of denomination which was published in the southern German city of Augsburg, and is known as the Augsburg Confession of 1530. Even today, Lutheran pastors are ordained using parts of this text.

Bloody religious conflict

The Baptists, who advocated church reforms even more radical than those proposed by Martin Luther or Ulrich Zwingli, were persecuted by both the Catholics and the Protestants and had to flee for their lives. Nevertheless, thousands were killed

Today, the Free Church has more than one million members all over the world, mostly in the United States and Canada. About 60,000 members live in Europe. The Mennonites disapprove of ecclesiastic hierarchies and their local churches are rather autonomous.

Early on, they decided to raise their voice against every act of war and violence and live according to a “total renunciation of force.” They are regarded as one of the historical peace churches.

No longer victims

In the reconciliation ceremony during the 11th Lutheran World Federation Assembly in Stuttgart this past week, representatives of the Lutheran church explicitly asked “God and our Mennonite sisters and brothers for forgiveness for the harm that our ancestors have brought upon the Anabaptists.”

The plea for forgiveness is the result of a year-long process and is based on work done by the Lutheran-Mennonite Study Commission from 2005 to 2008.

For General Secretary Miller, this apology is a significant concession and an act of liberation. The Anabaptists had regarded themselves as victims for centuries.

“Now we have to reconsider our identity,” Miller said. Indeed, the stories of martyrdom are still present in the Mennonite communities and their ancestors’ suffering is passed on from generation to generation.

Healing can begin

“It is a deep wound within the Christian world when two churches of the reformation movement are separated despite actually being so close because of their common origin and their history,” Mennonite pastor Reiner Burghard said, expressing his hope that this wound could now begin to heal.

Source: DW, 26 jul 2010

Preso em cave durante seis anos por estar possuído

Um homem da Arábia Saudita chamado Turki, de 29 anos, vive preso e acorrentado numa cave há mais de seis anos porque o seu pai acredita que ele está possuído por um espírito feminino.

Segundo o seu pai, citado pelo ‘Daily Mail’, Turki “tem convulsões, o seu corpo contorce-se e os olhos ficam brancos. Depois pode se ouvir uma voz feminina vinda dele”

Quando o possuído se começou a comportar de forma estranha, o seu pai levou-o a clérigos muçulmanos na zona para que exorcizassem Turki através de leituras do Alcorão.

“Mas a maior parte deles assustou-se quando ouviram Turki falar com voz feminina dizendo que ela é um génio real e ninguém a consegue banir sem matar primeiro Turki”, disse o pai.

O pai de Turki também já foi vítima de um espírito quando tinha nove anos e sofreu com isso cerca de quatro décadas até que foi exorcizado.

Um saudita activista dos Direitos Humanos, Suhali, visitou Turki e disse que este se encontra em “semi-coma” não tendo qualquer percepção do que se passa à sua volta. Quando Suhali começou a ler alguns versos do Alcorão, Turki ficou furioso e só se acalmou quando a leitura acabou.

Suhali comunicou com o Ministério dos ‘Assuntos’ Sociais pedindo que a família de Turki recebesse melhores condições e para que o filho possuído fosse integrado no programa de segurança social.

Fonte: Correio da Manhã (Portugal) – 23 jul 2010

Confissões à Inquisição mostram os hábitos sexuais dos brasileiros no século XVI

Autor da certidão de nascimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha não se encantou apenas com os dotes da natureza, como o solo fértil ou as águas infinitas. O escrivão português dedicou algumas linhas à nudez das índias, que “de (…) muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”. Morria ali, no berço, qualquer chance de que a nova colônia lusitana fosse conhecida como uma terra de pudores. A liberdade sexual deu o tom de todo o século XVI, surpreendendo até o temido Tribunal da Santa Inquisição, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Sexualidade (Nusex), da Universidade Estadual Paulista.

O grupo elabora uma historiografia da vida sexual do brasileiro, buscando na Colônia a origem de hábitos e preconceitos que permanecem até hoje . No século XVI, a falta de recato da nova colônia fez corar até um enviado da Igreja acostumado a ouvir barbaridades. Visitador da Inquisição no Nordeste em 1591, onde ficou por quatro anos, o padre Heitor Furtado de Mendoça veio à Colônia com a missão de vigiar os cristãos-novos, acusados de se aproveitarem da distância da Europa para abraçar novamente os ritos judaicos – um crime conhecido como apostasia. Entre as confissões coletadas, no entanto, destacaram-se aquelas envolvendo práticas sexuais condenadas pelo catolicismo.

– O século XVI foi marcado pela ambivalência sexual – avalia o psicólogo Paulo Rennes, coordenador do Nusex, co-autor dos estudos com as pesquisadoras Shirley Romera e Anne Caroline Scalia. – Ao mesmo tempo em que se fazia muito sexo, a Igreja aumentava o controle e as normas proibitivas. O povo queria satisfazer o desejo, e o fazia com muita intensidade, mas vivia com o medo de ser punido ao transgredir as regras católicas. A introjeção da culpa e do pecado levou muito tempo para se cristalizar, e nos anos 1500 este caminho ainda estava sendo trilhado. Principalmente no Brasil, onde, com a distância da metrópole, houve flexibilização das atitudes e do comportamento sexual muito maior do que a religião desejaria.

Fogueira não inibia poligamia

O explorador português, senhor de tantas terras, já não era estranho ao conceito de miscigenação. Uma inicial condenação a índias nuas passava rapidamente à tolerância. Conquistá-las era, inclusive, uma questão estratégica: unir-se a uma mulher garantia a fidelidade de toda a sua família – algo bem-vindo para o marido branco, entre tribos hostis.

A poligamia era popular entre os colonos – muitos já casados na metrópole. Os portugueses não escondiam uma certa admiração por seus inimigos tupinambás, que tinham até 14 mulheres. Quando cansavam de uma, a davam de presente para alguém. A tribo era, também, uma notória adepta da sodomia. Essa prática merecia condenação enfática da Igreja.

Foi, de fato, um século masculino. Os homens escolhiam com quem teriam relações. As índias usufruíam de situação semelhante, embora fossem dominadas pelo pretendente. As negras, escravizadas, não tinham opção.

As mulheres brancas, ainda em baixo contingente, cambaleavam entre manifestações de força e fragilidade. Diversas mandaram cegar as amantes do marido. Mas, de frente para o homem, apelavam a uma simpatia para evitar humilhações: durante o sexo, proferiam, em latim, as mesmas palavras com que os padres ofereciam a hóstia. Assim, segundo a crença, impediriam os maus-tratos.

Fonte: O Globo, 24 jul 2010

Nenhuma religião evita divórcios, aponta pesquisa

O que Deus uniu o homem separa. Um cruzamento entre dados de estado conjugal e religião realizado pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp a pedido da Folha mostra que a fé não segura casamentos.

A proporção das mulheres separadas, desquitadas ou divorciadas de cada igreja é muito similar à distribuição das crenças pela população.

A base utilizada foi a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, de 2006, do Ministério da Saúde e abarca mulheres em idade reprodutiva (entre 15 e 49 anos).

Se é relativamente fácil constatar que a fé não mantém casais unidos, bem mais difícil é descobrir o que o faz.

Segundo a pesquisadora Joice Melo Vieira, que cruzou os dados, estudos no Brasil e no exterior mostram que a preocupação é estar em relações satisfatórias. Como a separação já não é tão estigmatizada, o fim da união é sempre uma possibilidade quando as coisas vão mal.

No final, relata Vieira, o que faz casais à beira da separação pensarem duas vezes são a situação dos filhos e a questão financeira. Como hoje mais mulheres trabalham, a dependência econômica não segura mais o casamento. Já os filhos o fazem apenas por tempo limitado.

Estudos europeus apontam que durante a gravidez e o primeiro ano de vida da criança é mais baixa a chance de os pais se separarem.

Mas, à medida que os filhos crescem, esse deixa de ser um fator importante, e a probabilidade de separação volta a ser igual à de casais que nunca tiveram filhos.

RELAÇÃO IGUALITÁRIA

Embora não haja uma receita para o sucesso da união, existem fatores preponderantes. O mais eficiente é a distribuição das tarefas familiares e domésticas entre o homem e a mulher. Quanto mais igualitária for, menores são os riscos de ruptura.

A maioria dos religiosos ouvidos pela Folha não se surpreendeu com os dados.

Para o padre Eduardo Henriques, a religião “entra em diálogo com outros elementos da cultura e há níveis diferentes de adesão à fé”. Há desde o sujeito que se casa na igreja só para contentar a família até os que realmente creem no sacramento.

O pastor batista Adriano Trajano é mais veemente: “Religião não segura nada. O casamento deve estar seguro por amor, confiança, caráter e dedicação. Nenhuma dessas virtudes é conferida pela religião. O indivíduo precisa ser educado nelas”.

Marcos Noleto, teólogo adventista, diz que o abismo entre teoria e prática vai além do casamento: “Em números redondos: só 20% são dizimistas; 30% frequentam os cultos do meio de semana”.

Uma exceção parcial é o pastor luterano Waldemar Garcia Jr.: “As estatísticas podem até afirmar algo diferente, mas vejo que a religião auxilia na manutenção saudável das relações. Temos um trabalho de aconselhamento, com função preventiva”.

Hélio Schwartsman

Fonte : Folha SP, 22 jul 2010

Onde está a verdadeira crise da Igreja ~ Leonardo Boff

A crise da pedofilia na Igreja romano-católica não é nada em comparação à verdadeira crise, essa sim, estrutural, crise que concerne à sua institucionalidade histórico-social. Não me refiro à Igreja como comunidade de fiéis. Esta continua viva apesar da crise, se organizando de forma comunitária e não piramidal como a Igreja da Tradição. A questão é: que tipo de instituição representa esta comunidade de fé? Como se organiza? Atualmente, ela comparece como defasada da cultura contemporânea e em forte contradição com o sonho de Jesus, percebida pelas comunidades que se acostumaram a ler os envangelhos em grupos e então a fazer a suas analises.

Dito de forma breve mas não caricata: a instituição-Igreja se sustenta sobre duas formas de poder: um secular, organizativo, jurídico e hierárquico, herdado do Império Romano e outro espiritual, assentado sobre a teologia política de Santo Agostinho acerca da Cidade de Deus que ele identifica com a instituição-Igreja. Em sua montagem concreta não é tanto o Evangelho ou a fé cristã que contam, mas estes poderes, considerados como um único “poder sagrado” (potestas sacra) também na forma de sua plenitude (plenitudo potestatis) no estilo imperial romano da monarquia absolutista. César detinha todo o poder: político, militar, jurídico e religioso. O Papa, semelhantemente detém igual poder: “ordinário, supremo, pleno, imediato e universal” (canon 331), atributos só cabíveis a Deus. O Papa institucionalmente é um César batizado.

Esse poder que estrutura a instituição-Igreja foi se constituindo a partir do ano 325 com Imperador Constantino e oficialmente instaurado em 392 quando Teodósio, o Grande (+395) impôs o cristianismo como a única religião de Estado. A instituição-Igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo de vida dos bispos, cardeais e papas.

Esse poder ganhou, com o tempo, formas cada vez mais totalitárias e até tirânicas, especialmente a partir do Papa Gregório VII que em 1075 se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo. Radicalizando, Inocêncio III (+1216) se apresentou não apenas como sucessor de Pedro mas como representante de Cristo. Seu sucessor, Inocêncio IV(+1254), deu o último passo e se anunciou como representante de Deus e por isso senhor universal da Terra que podia distribuir porções dela a quem quisesse, como depois foi feito aos reis de Espanha e Portugal no século XVI. Só faltava proclamar Papa infalível, o que ocorreu sob Pio IX em 1870. O circulo se fechou.

Ora, este tipo de instituição encontra-se hoje num profundo processo de erosão. Depois de mais de 40 anos de continuado estudo e meditação sobre a Igreja (meu campo de especialização) suspeito que chegou o momento crucial para ela: ou corajosamente muda e assim encontra seu lugar no mundo moderno e metaboliza o processo acelerado de globalização e ai terá muito a dizer, ou se condena a ser uma seita ocidental, cada vez mais irrelevante e esvaziada de fiéis. O projeto atual de Bento XVI de “reconquista” da visibilidade da Igreja contra o mundo secular é fadado ao fracasso se não proceder a uma mudança institucional. As pessoas de hoje não aceitam mais uma Igreja autoritária e triste como se fosse ao próprio enterro. Mas estão abertas à saga de Jesus, ao seu sonho e aos valores evangélicos.

Esse crescendo na vontade de poder, imaginado ilusoriamente vindo diretamente de Cristo, impede qualquer reforma da instituição-Igreja, pois tudo nela seria divino e intocável. Realiza-se plenamente a lógica do poder, descrita por Hobbes em seu Leviatã: “o poder quer sempre mais poder, porque não se pode garantir o poder senão buscando mais e mais poder”. Uma instituição-Igreja que busca assim um poder absoluto fecha as portas ao amor e se distancia dos sem-poder, dos pobres. A instituição perde o rosto humano e se faz insensível aos problemas existenciais, como da família e da sexualidade.

O Concílio Vaticano II (1965) procurou curar este desvio pelos conceitos de Povo de Deus, de comunhão e de governo colegial. Mas o intento foi abortado por João Paulo II e Bento XVI que voltaram a insistir no centralismo romano, agravando a crise.

O que um dia foi construído pode ser num outro, desconstruído. A fé cristã possui força intrínseca de nesta fase planetária encontrar uma forma institucional mais adequada ao sonho de seu Fundador e mais consentânea ao nosso tempo.

Fonte: Adital, 12 jul 2010

Vírus divinos ~ por Hélio Schwartsman

A cross

Na semana passada a Itália entrou com um recurso no Tribunal Europeu de Direitos Humanos para que esta corte reveja sua decisão de novembro passado de mandar retirar os crucifixos de todas as salas de aula de escolas públicas. Como o acórdão tem grandes chances de virar jurisprudência para toda a Europa, dez outros países (a maioria católicos e ortodoxos) manifestaram apoio a Roma.

Com o arrefecimento do comunismo, o embate ideológico se deslocou da economia para temas culturais. Frequentemente, questões de pouca ou nenhuma consequência prática provocam debates acalorados. A controvérsia em torno de crucifixos em tribunais e escolas é um caso paradigmático.

Para os novos iconoclastas, espaços públicos não devem ostentar nenhuma espécie de adorno religioso, sob pena de violar o princípio da laicidade do Estado, em maior ou menor grau consagrado nos países democráticos contemporâneos.

O raciocínio central é o de que membros de religiões não cristãs –e vale lembrar que mesmo algumas denominações protestantes denunciam o crucifixo como idolatria–, agnósticos e ateus podem sentir-se constrangidos com a exibição ostensiva de cruzes em espaços tão caracteristicamente republicanos nos quais sua presença é exigida por lei. Ninguém, afinal, pode alegar divergências religiosas para ausentar-se da escola ou de prestar um testemunho.

Já os tradicionalistas contra-atacam dizendo que a exposição dos crucifixos faz parte da identidade nacional de muitos países europeus e não corresponde em absoluto a uma tentativa de conversão. Ignorar o papel que o catolicismo desempenhou na formação da Itália, por exemplo, constituiria uma falsificação da história.

No mais, vários países têm cruzes incorporadas a suas bandeiras e possuem hinos nacionais que evocam Deus. Não cabe à Justiça, mas aos Parlamentos, e apenas se acharem que é o caso, modificá-los. Católicos pragmáticos sugeriram a realização de um plebiscito na Itália para decidir o futuro dos crucifixos. Escoram-se em pesquisas que apontam que 60% da população quer manter o Cristo agonizante nas salas de aula de seus filhos.

Ambos os argumentos encerram algumas verdades, mas também apresentam uma série de limites. Para começar, o princípio do laicismo nos espaços públicos é menos absoluto do que apregoam seus entusiastas. Nem mesmo a França, que sempre esteve na vanguarda do anticlericalismo, cogita de desfazer o Louvre (um museu estatal) das peças que de algum modo se relacionam com uma religião –o que deve corresponder a uns 90% do acervo. Qual juiz teria a coragem de mandar a Vênus de Milo a hasta pública para manter a “neutralidade” de um Estado que não pode sancionar os deuses pagãos?

Também não é muito exato afirmar que o crucifixo possui significações que transcendem a religião. Em termos objetivos a cruz é um método de execução bastante popular entre os séculos 6 a.C. e 4 d.C. Era utilizada por romanos, persas e egípcios.

Se alguém ousasse propor que as paredes de nossos tribunais fossem enfeitadas por forcas ou cadeiras elétricas provocaria indignados e justos protestos. Não é preciso recorrer a manuais de estética para constatar o mau gosto de uma iniciativa como essa. Se nós deixamos de ver a cruz como um instrumento de tortura, é apenas e justamente porque ela se tornou o símbolo maior do cristianismo, caráter que lhe é indissociável.

Acho importante destacar mais uma vez a desimportância dessa discussão. Para falar um português bem claro, tudo não passa de uma tremenda de uma bobagem. Eu, que sou ateu de carteirinha, jamais me senti constrangido por ter de entrar numa sala que dependure os pedaços de pau entrelaçados. Na verdade, não conheço ninguém que fique, mas admito, é claro, essa possibilidade.

Também a reação dos religiosos me parece despropositada. Se a Corte mantiver sua posição de que as cruzes ferem os direitos das minorias não cristãs e mandar retirá-las das escolas e tribunais, isso em nada diminuirá o papel da religião para os fiéis. É preciso muita paranoia para ver aí uma golpe contra Deus, o qual, de resto, se tem apenas uma fração poderes que os crentes lhe atribuem, seria plenamente capaz de defender-se sozinho.

A insistência na manutenção me remete a um livro que acabo de ler. Trata-se de “The God Virus”, de Darrel Rey, psicólogo e estudioso das religiões, que percorreu uma trajetória suave até o ateísmo. Criado num ambiente fundamentalista, ele se tornou mestre em estudos religiosos por um seminário metodista. Foi aos poucos se afastando da igreja. Com 30 anos, havia se tornado agnóstico e, aos 40, já era ateu.

“The God Virus” não é uma obra excepcional, mas traz alguns “insights” interessantes. A estrutura é até bem simples. Rey abraça a tese de Richard Dawkins de que existem complexos de unidades culturais (os memes) que são capazes de reproduzir-se, mutar, evoluir e morrer exatamente como seres vivos e a aplica à religião, com especial cuidado com as relações interpessoais sob a batuta divina.

Num resumo grosseiro, como diz o título, o autor equipara deuses a vírus. E é o próprio Rey quem lembra que nem todos os vírus são patológicos. Nós podemos viver relativamente bem com vários deles, embora existam alguns tipos extremamente parasitários.

Há vários pontos do livro que seria interessante destacar, mas me limito ao papel dos vetores. Religiões precisam de um veículo para infectar as mentes dos humanos que reproduzem e executam suas ideias. E eles existem aos borbotões. São os próprios pais que introduzem seus filhos nos mistérios de sua crença. Os mais eficientes desses vetores, entretanto, são os sacerdotes, pastores, padres, rabinos imãs etc. Eles, mais do que os fiéis ordinários, se dedicam a converter pessoas e preservar a “pureza” do DNA religioso, para que não seja conspurcado por mutações que possam descaracterizá-la.

Vale lembrar que isso já ocorreu. O cristianismo, por exemplo, se apropriou de genes de outros credos e teve tanto sucesso que acabou por matar muitas das fés das quais emprestou elementos. Um exemplo simples é o mitraísmo, do qual foi retirado o mito do nascimento virginal. O culto a Mitra, que era tão popular entre os legionários romanos, pereceu esmagado pela conversão do império àquela forma exótica e não tribal de judaísmo que ficou conhecida como cristianismo.

Uma observação curiosa (e de alto poder explicativo) do autor diz respeito aos escândalos de abusos sexuais por padres católicos. Vetores exigem um alto investimento do vírus para ser criados. Eles precisam ser treinados, o que exige tempo e consome recursos. Uma vez formados, devem ser mantidos e protegidos, exceto em algumas poucas situações em que o vetor se torna mais poderoso morto do que vivo, hipótese em que os chamamos de santos e mártires.

De um modo geral, porém, vetores são mais valiosos do que fiéis comuns. E isso explica o fato de a igreja não ter pensado duas vezes antes de criar toda uma rede de proteção e acobertamento para os padres que abusavam da garotada, ainda que, nominalmente, a religião exista para garantir a salvação do praticante.

E é justamente aí que reside o que, a meu ver, é o ponto central da obra de Rey. As religiões, como prevê o modelo dos memes, existem apenas para manter vivo, ativo e tão puro quanto possível o DNA de seu Deus. Todo o resto é adorno. E cada milímetro de espaço religioso (no qual o vírus possa reproduzir-se) vale a pena. Daí a insistência na manutenção dos crucifixos.

E, já que voltamos a esses aparelhos de tortura que tanto mobilizam as almas das pessoas, creio que precisamos buscar a solução para o problema fora da lógica da propagação viral. Diante da aporia entre religiosos e secularistas, deveria prevalecer a regra da boa educação: se nem todos que estão obrigados a comparecer às escolas públicas e aos tribunais são cristãos, é impolido impor-lhes essa imagem. Paredes nuas não são, afinal, tão feias assim.

Fonte: Folha SP, 08 jul 10