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A pornografia das frases de efeito ~ Paulo Brabo

palavras soltasPor mais que eu me esforce, não consigo pensar num fator que tenha contribuído mais para a diluição do impacto da Bíblia, tendo aberto maior brecha para uma leitura tendenciosa da sua mensagem, do que o fato de que um dia alguém achou por bem dividi-la em versículos.

Um livro como a carta de São Paulo aos Efésios, que até aquele momento vinha sendo lido como um todo contínuo e orgânico, acordou no dia seguinte esquartejado de modo inteiramente arbitrário, tendo adquirido a graça e a agradabilidade de leitura de uma planilha do Excel. E nunca mais recuperaram-se da operação: foi retalhado dessa forma que cada livro da Bíblia chegou até nós.

A divisão em versículos teve a infelicidade de nascer mais ou menos ao mesmo tempo em que vinha à luz a tecnologia dos tipos móveis de Gutemberg – e tecnologia significou desde sempre uma coisa: não há erro fortuito que não possa ser reproduzido indefinidamente. Continue lendo

Jonas, o primeiro teólogo da libertação palestino ~ Naim Ateek

Como eu comecei a ler a Bíblia quando garoto, bem antes de ir para o seminário estudar teologia, já estava firmado no conhecimento bíblico. Meu pai me treinara para ler uma vez ao ano todo o Antigo Testamento e duas vezes o Novo Testamento, como ele costumava fazer. Ele dizia que isso era central para minha fé.

O livro de Gênesis e partes do Êxodo eram divertidas. Levítico e Deuteronômio eram maçantes, mas parte do livro de Números continha histórias que eu gostava. As histórias dos livros de Josué e Juízes eram interessantes, mas quando chegava aos profetas tinha que ler página após página de informação que não desfrutava e não podia entender. Em meio ao que parecia para mim terra árida, chegava ao oásis de Jonas, que considerava refrescante.

O livro de Jonas compreende quatro capítulos curtos. É uma bonita história; simples o bastante para as crianças. Na superfície, não parece tão profundo quanto Isaías ou Jeremias, mas eu sentia que era uma história que podia compreender, uma narrativa leve colocada no meio de uma série de livros proféticos que eram prolixos e tediosos. Minha imaginação juvenil corria solta quando pensava em Jonas no meio de uma tempestade no mar e na barriga de uma baleia. Continue lendo

Finado, mas não confinado!

 

“Ora, se o único lar que pelo qual espero é a sepultura,

se estendo minha cama nas trevas, se digo à corrupção mortal:

você é meu pai, e se aos vermes digo: vocês são meus irmãos…

Onde está então minha esperança?

Quem poderá ver alguma esperança para mim?

Descerá ela às portas do abismo? Desceremos juntos ao pó?” ~  Jó 17.13-16 Continue lendo

Brasil importa até Bíblia da China

Índia e Chile também fornecem o livro a preço inferior; gráfica já demitiu e ameaça mais 40

[Marcelo Rehder, O Estado de SP, 02 jul 12] Depois do livro didático, as gráficas brasileiras enfrentam agora forte concorrência das importações de bíblias. A Palavra de Deus está sendo impressa em português em gráficas na China, na Índia e no Chile, entre outros países, a custos considerados imbatíveis pela indústria.

Para driblar o chamado “custo Brasil” e ainda obter alguma vantagem com o câmbio, editoras de publicações católicas e evangélicas aceleraram as encomendas no exterior. A vantagem comparativa em relação ao impresso nacional chega a superar 50%. Continue lendo

Brasileiro recria Bíblia ao estilo de HQs de super-heróis

Histórias em quadrinhos e religião andam juntas na vida do pernambucano Sergio Cariello, 48, desde a infância, quando ele desenhava no boletim da Igreja Presbiteriana que frequentava no Recife.

[Marco A Canônico, FSP, 30 abr 12] Essa duas forças motrizes –responsáveis também por sua ida para os Estados Unidos, onde vive desde 1985 e desenha para editoras como Marvel e DC– se encontram na “Bíblia em Ação”, adaptação em quadrinhos do livro sagrado, que Cariello autografa no Brasil nesta semana. Continue lendo

Bíblia é o livro mais lido pelo brasileiro e Monteiro Lobato o escritor mais admirado

[Amanda Cieglinski, Agência Brasil, 1 abr 12] Brasília – A Bíblia continua sendo o livro mais lido pelos brasileiros – ganha dos livros didáticos e dos romances. Foi o que apontou pesquisa divulgada nesta semana pelo Instituto Pró-Livro sobre os hábitos de leitura da população. Ao questionar os cerca de 5 mil participantes sobre os gêneros que costumam ler, a Bíblia foi citada por 42% e manteve-se no primeiro lugar da lista, mesma posição ocupada na edição anterior da pesquisa, em 2007. Os livros didáticos foram citados por 32%, os romances por 31%, os livros religiosos por 30% e os contos por 23%. Cada entrevistado selecionou em média três gêneros.

Os títulos religiosos ganharam espaço na estante dos brasileiros. Na lista dos 25 livros mais marcantes indicados pelos entrevistados, o livro Ágape, do padre Marcelo Rossi, aparece em segundo lugar na lista. Perde apenas para a própria Bíblia e para A Cabana, do canadense William Young. Continue lendo

Criacionista, diz-me com quem andas ~ por Rafael Garcia

O que os criacionistas sempre tentam esconder, na verdade, é uma constatação filosófica que torna suas idéias incoerentes: a teoria da evolução de Darwin é, sim, compatível com a hipótese da existência de Deus.

[Folha SP, 13 jan 12] Caros leitores. Vou confessar uma coisa. Estou preocupado com o criacionismo. De verdade. Até pouco tempo, eu costumava considerar esse movimento ideológico como um fenômeno anglo-americano com poucos reflexos no Brasil. Achava que, sobretudo, era algo que não representava ameaça à educação científica no país. Talvez eu esteja errado.

Confesso, me surpreendi com um “tuitaço” que conseguiu colocar a etiqueta #criacionismo entre os tópicos líderes no Twitter nesta sexta-feira. Não acho que o Ministério da Educação jamais será louco o suficiente para a incluir pregação religiosa nas aulas de ciência por causa disso. O sucesso do criacionismo em se disseminar no Brasil, porém, é um sintoma do fracasso das escolas em ensinar biologia adequadamente. A propaganda criacionista brasileira, reconheçamos, soube aproveitar uma brecha para seduzir boa fatia do público com uma idéia errada.  Continue lendo

Alguém Superior a Você ~ por Stephen Kanitz

Viajei uma vez de classe executiva, e ao meu lado um senhor de terno, cara de executivo, lendo a Bíblia.

Achei que fosse um destes bispos de igrejas que visam o lucro viajando com todo o conforto do mundo, mas era na realidade um Vice Presidente de uma empresa subsidiária da Alcoa.

Perguntei porque ele estava lendo a Bíblia.

“Como Vice Presidente de uma grande empresa eu tenho muita influência e poder sobre a vida de milhares de pessoas. Se eu não tomar cuidado, este poder pode subir à minha cabeça, o que causaria muita infelicidade.

Por isto, acho importante ir todo domingo à Igreja, para relembrar que existe uma pessoa mais poderosa e muito mais sábia do que eu.”

Eu já ouvi muitas razões para se ir todo domingo à Igreja, mas esta era uma ideia nova.
Achei uma razão muito interessante para ir até uma Igreja toda semana, não para pedir perdão ou pedir ajuda. Continue lendo

O Pai José ~ por José Roberto Prado

Por uma série de razões culturais e religiosas, muito já foi escrito e reverberado acerca de Maria, mãe de Jesus de Nazaré. Por outro lado, é digno de nota e até mesmo constrangedor observar o silêncio histórico acerca daquele que desempenhou o papel de “pai”: José. Sejamos coerentes; busquemos justiça: a história de Jesus não foi escrita somente pelas mãos do Espírito Santo e de Maria.

Houve um homem presente, um pai humano, que abraçou, acolheu, ensinou. Sua presença é discreta no relato dos Evangelhos, é verdade, mas nem por isso deixou de ter impacto na vida do filho. José compreendeu tão bem e foi tão pleno em desenvolver o papel que recebera de Deus que, deixando as luzes brilharem sobre o personagem principal – o Filho – engrandeceu e honrou a autor da vida e da História.

José adotou. Abençoou. Protegeu. Amou.

Por isso quero falar de José, o pai José.

Em primeiro lugar, verdadeiros pais são, também, maridos de verdade.

Honram, protegem, amam, respeitam…

Poderia passar despercebido, mas as Escrituras registram. Mateus diz que José “não querendo expô-la (Maria) à desonra pública, pretendia anular o casamento”. Ele pensou primeiro na reputação dela, ao invés do que os outros iriam falar dele!

É na vida compartilhada do casal, onde o bem estar da esposa tem prioridade, que os futuros pais aprendem (ou não) a amar. Semeado na noite e regado durante o dia, este amor ágape floresce no trato cotidiano da esposa e frutifica na saúde emocional e espiritual dos filhos. Antes de sermos pais abençoadores, precisamos aprender a ser maridos acolhedores.

É por isso que, no plano sábio e perfeito de Deus, filhos vêm depois do casamento.

José amou Maria com amor ágape. O amor que procede de Deus e que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Co 13.7). Demonstrou esse tipo de amor quando aceitou a noiva grávida que Deus lhe havia dado.

José foi cuidadosamente escolhido por Deus para acolher Maria.

José, filho de Eli (Lc 3.23), descendente de Davi, de Nazaré, o carpinteiro, pai adotivo de Jesus, é descrito como um homem justo (Mt 1.19).

Na linguagem bíblica, “justo” é alguém que anda retamente diante de Deus, que procura honrar o Senhor em todas as áreas da vida. Noé foi o primeiro a ser chamado justo. Ele era “justo e íntegro em seus caminhos; ele andava com Deus” (Gn 6.9).

Em outras palavras: quem seguisse suas pegadas encontraria Deus. Assim era José. Ele era íntegro, “justo” em seu coração, em sua intimidade. Nela, cultivava a Lei de Deus, o caráter, o amor e a graça do amoroso Pai.

Esta influência abençoadora e formadora de José na vida de Jesus pode ser vista no fato de que este, no início do seu ministério, quando retorna à cidade onde crescera – Nazaré, na Galiléia – é chamado de “o carpinteiro” (Mc 6.3), mesma profissão de seu pai, José (Mt 13.55).

Os estudiosos entendem que, em algum momento da vida de Jesus, entre a juventude e o início de seu ministério, aos trinta anos, seu pai José faleceu. Isto explica sua ausência nos relatos dos Evangelhos que focam essencialmente a vida adulta de Jesus.

Contudo, José conviveu tempo suficiente para moldar o caráter do filho e deixar-lhe de herança uma profissão e, mais importante ainda, um nome honrado.

José foi cuidadosamente escolhido por Deus para adotar Jesus.

Nós, homens modernos, céticos, tecnológicos, racionais, precisamos aprender com José a criar nossos filhos nos sábios, belos e muitas vezes inescrutáveis caminhos de Deus. Precisamos aprender a ser sensíveis à voz de Deus, discernindo os seus propósitos. Precisamos estar abertos e conscientes dos inexplicáveis e surpreendentes caminhos da graça de Deus na vida dos nossos filhos. Cabe a nós, como pais, orar para que estes sobrenaturais e maravilhosos caminhos de Deus possam ser encontrados pelos nossos filhos. Que a graça os alcance, encontrando seus corações, assim como nós fomos encontrados.

Existe um “eis-me aqui” silencioso na atitude de José. 

Temos poucas palavras dele registradas, mas suas ações falam alto, muito alto.

José tornou-se protagonista desta história. Adotou o menino. Encarou a tarefa. Não se ausentou. Não se escondeu. Posso ouvir José orando: “Se este que foi gerado é teu, Senhor, farei de tudo para estar à altura desta responsabilidade. Empenhar-me-ei para que a tua glória seja vista em sua vida. Conta comigo, Senhor”.

José fez do seu filho sua missão.

É preciso que se diga também que “justo” não significa, como pode erroneamente parecer, insensível ou turrão.

Na vida de Deus, assim como na vida de gente de Deus, a justiça não ofusca ou impede o amor e a misericórdia. Em José tampouco. A Bíblia afirma que Deus é fiel e justo, e que perdoa nossos pecados (1Jo 1.9).

Nós, pais brasileiros, que temos dificuldade de conciliar justiça e graça, disciplina e perdão, limites e liberdade, correção e comunhão, precisamos aprender de Deus. Precisamos aprender de José.

Como José, verdadeiros pais adotam.

Acolhem, cuidam e entregam. Sabem que os filhos não são seus. Na linguagem do Salmista, filhos “são herança do Senhor”, isto é, “herança que pertence ao Senhor”! São presentes que desfrutamos com prazo pré-estabelecido. Dádivas que, de tão sagradas, não podemos tomar posse. Dons em forma de gente, que um dia crescem… e se vão!

Nosso papel como pais adotivos é, neste curto espaço de tempo que os temos sob o nosso teto, ensinar-lhes a caminhar com o Pai de amor.

Deus é Pai, o verdadeiro Pai.

Com José, nós pais, aprendemos que nossa vocação suprema é devolvermos nossos filhos a Deus.

Somos mordomos. Aios.

Pais adotivos.

Como José.

Como Deus.

Profeta: Filósofo, Político, Poeta ~ por Davi Bogomoletz

O profeta é conhecido, em primeiro lugar, como aquele que vê o futuro. A palavra que o designa em hebraico, navi, pode ser compreendida como designando “aquele que traz”, ou seja, aquele que traz de longe alguma coisa que não está no aqui e agora. Enquanto místico, ou seja, aquele que se relaciona com “a outra realidade”, o profeta tinha de fato a visão do futuro, pois Aryêh Kaplan já mostrou como a inspiração profética se produzia graças a sofisticados exercícios de meditação, que levavam os que a praticavam a sair do nível comum de percepção para alcançar o que eu aqui chamaria, para efeitos meramente descritivos, de “ultra-percepção”. (Nos livros “Meditação Judaica” e “Meditação e a Bíblia”, Kaplan explica de que modo os profetas utilizavam a meditação.) E pelo menos em um lugar, o profeta é designado na Bíblia como “vidente”. Mas, por tudo o que podemos ver, se lermos os seus textos, não era essa a sua função mais importante. E eu havia prometido a vocês falar hoje do profeta como político, filósofo, poeta, conjunto de atividades, ou atribuições, muito mais importantes na história da profecia bíblica. Eu deveria, então, falar um pouco de cada uma dessas dimensões. Mas não é o que vou fazer.

Eu me dei conta de que para conhecer o profeta enquanto poeta basta abrir a Bíblia. E vou dar um exemplo. Abri o livro do profeta Sofonias – Tzefanyâh – um profeta considerado “menor”, porque o seu texto é muito curto. É um dos “doze”, os profetas de textos muito pequenos, contidos todos num único livro. Ele é considerado um profeta admoestador, de duros discursos contra os opressores e os exploradores. Nele encontramos a idéia de que os homens de bem de Israel serão salvos, enquanto os maus perecerão, e o mesmo ocorrerá às outras nações: as que se salvarem reconhecerão a Lei de Ad’. No capítulo 3 temos alguns versículos que funcionarão como exemplo tanto de linguagem poética quando de discurso político. Infelizmente, o ritmo muito marcado dos versos em hebraico não pode ser fielmente transmitido na tradução, o que diminui em muito o seu impacto. Aqui tentei uma tradução um tanto livre, justamente na intenção de preservar o ritmo do texto original. Continue lendo

A cura pela palavra: o que fazem, pensam e pregam os pastores psicanalistas

[Texto de Clara Becker, publicado na Revista Piauí, nov 2010]

Toda vez que assumia a direção de seu carro, o gerente de vendas Roberto manifestava sintomas descritos pela literatura médica como os da síndrome do pânico. Suava frio, faltava-lhe ar, sentia dormência nas mãos, dores no peito e, por fim, na certeza de que teria uma síncope, entrava em desespero. Funcionário de uma grande empresa, seu trabalho exigia que ele dirigisse por longas distâncias.

Roberto procurou um psicanalista para tentar entender a origem da sua angústia automobilística. Em uma das sessões, lembrou-se de um trauma de infância: o dia em que pulou o muro para roubar goiabas no quintal da vizinha, se apoiou em dois canos de um circuito elétrico e levou um choque de 220 volts. Tremeu como um apoplético até que alguém desligou a eletricidade. O episódio, ao que parece, estivera longamente reprimido no inconsciente.

Enquanto contava a história, demonstrou com gestos como se agarrara aos canos. O psicanalista percebeu que a posição das mãos era a mesma usada para segurar o volante do carro. O diagnóstico era óbvio: o pânico de dirigir era uma reminiscência reprimida do episódio traumático. Com a cena vindo à consciência, os ataques cessaram. Continue lendo

O Deus que nos levanta ~ por José Roberto Prado

A reação natural de um pai ao ver seu pequeno filho caído é estender a mão para levantá-lo.

A omissão, neste caso, seria sinal de desequilíbrio mental, alienação ou desamor.

Jesus argumenta: Se vocês que são maus sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai celestial? (Mt 7.11).

Por que então, tantos de nós rejeitamos a mão estendida de Deus?

Por que insistimos em ficar caídos, rastejando pela vida, comendo o pão amassado pelo Diabo, sofrendo nas mãos de nossa própria consciência, ao invés de voltar-nos à Deus?

Uma das razões, talvez a mais grave, seja o fato de que não queremos reconhecer que estamos caídos.

Não queremos dar o braço a torcer.

Não nos agrada a idéia de estarmos errados.

Em outras palavras… Nosso orgulho nos afasta de Deus e, ao contrário do que possa parecer, nos impede de andar de cabeça erguida. Continue lendo