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Fé e política: de novo? ~ por Jung Mo Sung

Church from Macedonia

Eu sou de uma geração de cristãos que foi marcada intensamente pelo debate sobre “a fé e a política”. Na década de 1980, ser um cristão que assumia a tarefa de anunciar a boa-nova de Jesus ao mundo e de “construir” o Reino de Deus era sinônimo de discutir e fazer política. Como diziam os teólogos e assessores das pastorais de então, a política é o campo da luta pelo bem comum e justiça social e as comunidades cristãs devem participar dela.

Falo disso não por um saudosismo, que sempre tende a pintar o passado melhor do que foi e assim vê o presente pior do que é. Mas porque penso que devemos -ou podemos- aproveitar as semanas que precedem a eleição e refletirmos sobre a fé cristã, o compromisso com justiça social e a política.

Eu penso que um dos diversos equívocos que cometemos no passado, no meio de boa vontade e de muita doação e luta, foi o de confundir os distintos campos que compõe a relação entre a fé, o compromisso social e a política. Muitos de nós pensávamos que não há diferenças qualitativas entres eles. Ser cristão, membro de uma comunidade de fé, significava assumir o compromisso de “construir” o Reino de Deus. E a “construção” do RD passava necessariamente pelas lutas sociais em favor dos pobres; e todas as lutas eram vistas como política, sem uma distinção clara entre lutas sociais e a ação política, ou entre o campo da sociedade civil e a esfera da sociedade política. Assim, a fé e a política eram vistas como inseparáveis e, em alguns lugares, como indistinguíveis. Por isso, muitas vezes se pensava que falar de política era já anunciar o evangelho.

Eu continuo com a convicção de que ser cristão, ser seguidor de Jesus de Nazaré, é anunciar a boa-nova (evangelho) aos pobres, a boa-nova da libertação de todas as formas de opressão que pesam sobre excluídos/as de todo o mundo. E não se pode fazer isso sem tomar parte nas lutas e/ou ações sociais, ao lado das vítimas de sistemas econômicos, políticos, sociais e culturais opressivos e excludentes.

Contudo, devemos tomar cuidado para não cair no erro de não perceber as diferenças que existem nas dinâmicas e nas identidades entre as comunidades de fé, lutas sociais e o campo da política e Estado.

Essa confusão está bastante presente na sociedade e também no interior das comunidades cristãs “engajadas” nas lutas sociais. Em grande parte, por causa da concepção de política como “bem comum” tão difundida nos inúmeros cursos e materiais espalhados Brasil afora. Como as comunidades devem lutar pelo bem comum, essa luta se dá majoritariamente no campo social e se entende a política como a busca do bem comum, parece que há um caminho que liga esses três campos sem grandes problemas.

Esse tipo de confusão pode trazer sérios problemas práticos. Um deles se dá a partir da noção do “bem comum”. Como a discussão sobre o “bem” se dá no campo da ética, as igrejas cristãs costumam associar o debate e a luta pelo “bem comum” com a moral. No caso específico da teologia católica clássica, no campo da moral social. Nos seminários e nas faculdades de teologia, a questão dos problemas sociais, da política e a busca do bem comum é discutida nas aulas da moral social ou nas de doutrina social da Igreja. Isso pode gerar dois tipos de problemas. Primeiro é a desvalorização da questão social, pois não faria parte da “teologia sistemática” que discute as questões fundamentais da fé. O compromisso e as lutas em favor das vítimas e dos pobres seriam no máximo uma aplicação da fé, mas não uma parte essencial da identidade de ser cristão e da reflexão teológica.

O segundo é a tendência de “moralização” da discussão e ação política. Na medida em que não se percebe as especificidades do campo político (no sentido estrito relacionado ao Estado), não se discute as questões ligadas às instituições e à estrutura do Estado. Uma boa parte do debate se dá em torno da “honestidade”, da “santidade”, dos candidatos e das acusações de corrupção. (Isto sem falar em quão católico ou cristão é o candidato e o quanto vai defender os interesses ou as doutrinas morais da Igreja. O que é um grande equívoco e uma tentativa de voltar ao tempo da cristandade.) É claro que essas questões de honestidade e competência são também importantes, mas o que quero chamar atenção é que não se constrói uma sociedade mais justa e uma nova ordem político-econômico-social reduzindo o debate às questões morais ou a apelos morais. Se os apelos morais e a boa vontade fossem suficientes para criar um mundo mais justo, um mundo já teria sido “convertido” há séculos atrás. É preciso recriar o Estado e o sistema econômico.

Um efeito colateral destes problemas pode ser visto na ausência de uma séria reflexão teológica sobre o Estado na teologia latinoamericana. (A TL produziu uma consistente crítica teológica ao mercado/economia; e a filosofia da libertação, especialmente Enrique Dussel, tem produzido uma filosofia política da libertação).

Eu penso que devemos aproveitar esta época de eleição para rediscutirmos a questão da relação entre a fé e a política. Precisamos aprender com os erros do passado e com as novas reflexões teóricas e práticas que estão surgindo no presente. (A continuar…)

Jung Mo Sung é Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo. Autor, com Hugo Assmann, de “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.
Fonte: Adital

Quase metade das cidades não tem acesso à rede de esgoto

Quase metade dos municípios brasileiros, ou 44,8% do total, não era servida com uma rede de saneamento em 2008, de acordo com um levantamento divulgado nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A oferta do serviço também era bastante desigual. Enquanto no Estado de São Paulo a rede de esgoto chegava a 99,8% das cidades, no Piauí apenas 4,5% dos municípios eram atendidos.

Quando o cálculo é feito por domicílios, o resultado é ainda mais preocupante: 56% dos brasileiros, ou seja, a maioria da população, não tinham acesso ao serviço de coleta de esgoto há dois anos.

Ainda de acordo com o levantamento, de todo o volume de esgoto gerado no país em 2008, 31% não passou por qualquer tipo de tratamento.

Ao contrário de outros serviços básicos, como luz e coleta de lixo, que evoluíram nos oito anos anteriores, o saneamento deixou a desejar no período. Em 2000, esse serviço chegava a 52,2% das cidades.

A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) 2008 investiga a oferta de diversos serviços básicos, tendo como fonte de informação as entidades prestadoras desses serviços em todos os municípios brasileiros.

Água encanada, por exemplo, chegava a 99,4% dos municípios em 2008, enquanto a coleta de lixo atingia a totalidade (100%) das cidades brasileiras.

Fonte: BBC Brasil, 20 ago 2010

Desigualdade social no Brasil ~ por Frei Betto

Relatório da ONU (Pnud), divulgado em julho, aponta o Brasil como o terceiro pior índice de desigualdade no mundo. Quanto à distância entre pobres e ricos, nosso país empata com o Equador e só fica atrás de Bolívia, Haiti, Madagascar, Camarões, Tailândia e África do Sul.

Aqui temos uma das piores distribuições de renda do planeta. Entre os 15 países com maior diferença entre ricos e pobres, 10 se encontram na América Latina e Caribe. Mulheres (que recebem salários menores que os homens), negros e indígenas são os mais afetados pela desigualdade social. No Brasil, apenas 5,1% dos brancos sobrevivem com o equivalente a 30 dólares por mês (cerca de R$ 54). O percentual sobe para 10,6% em relação a índios e negros.

Na América Latina, há menos desigualdade na Costa Rica, Argentina, Venezuela e Uruguai. A ONU aponta como principais causas da disparidade social a falta de acesso à educação, a política fiscal injusta, os baixos salários e a dificuldade de dispor de serviços básicos, como saúde, saneamento e transporte.

É verdade que nos últimos dez anos o governo brasileiro investiu na redução da miséria. Nem por isso se conseguiu evitar que a desigualdade se propague entre as futuras gerações. Segundo a ONU, 58% da população brasileira mantém o mesmo perfil social de pobreza entre duas gerações. No Canadá e países escandinavos, este índice é de 19%.

O que permite a redução da desigualdade é, em especial, o acesso à educação de qualidade. No Brasil, em cada grupo de 100 habitantes, apenas 9 possuem diploma universitário. Basta dizer que, a cada ano, 130 mil jovens, em todo o Brasil, ingressam nos cursos de engenharia. Sobram 50 mil vagas… E apenas 30 mil chegam a se formar. Os demais desistem por falta de capacidade para prosseguir os estudos, de recursos para pagar a mensalidade ou necessidade de abandonar o curso para garantir um lugar no mercado de trabalho.

Nas eleições deste ano votarão 135 milhões de brasileiros. Dos quais, 53% não terminaram o ensino fundamental. Que futuro terá este país se a sangria da desescolaridade não for estancada?

Há, sim, melhoras em nosso país. Entre 2001 e 2008, a renda dos 10% mais pobres cresceu seis vezes mais rapidamente que a dos 10% mais ricos. A dos ricos cresceu 11,2%; a dos pobres, 72%. No entanto, há 25 anos, de acordo com dados do IPEA, este índice não muda: metade da renda total do Brasil está em mãos dos 10% mais ricos do país. E os 50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da riqueza nacional.

Para operar uma drástica redução na desigualdade imperante em nosso país é urgente promover a reforma agrária e multiplicar os mecanismos de transferência de renda, como a Previdência Social. Hoje, 81,2 milhões de brasileiros são beneficiados pelo sistema previdenciário, que promove de fato distribuição de renda.

Mais da metade da população do Brasil detém menos de 3% das propriedades rurais. E apenas 46 mil proprietários são donos de metade das terras. Nossa estrutura fundiária é a mesma desde o Brasil império! E quem dá emprego no campo não é o latifúndio nem o agronegócio, é a agricultura familiar, que ocupa apenas 24% das terras, mas emprega 75% dos trabalhadores rurais.

Hoje, os programas de transferência de renda do governo – incluindo assistência social, Bolsa Família e aposentadorias – representam 20% do total da renda das famílias brasileiras. Em 2008, 18,7 milhões de pessoas viviam com menos de Ï€ do salário mínimo. Se não fossem as políticas de transferência, seriam 40,5 milhões. Isso significa que, nesses últimos anos, o governo Lula tirou da miséria 21,8 milhões de pessoas. Em 1978, apenas 8,3% das famílias brasileiras recebiam transferência de renda. Em 2008 eram 58,3%.

É uma falácia dizer que, ao promover transferência de renda, o governo está “sustentando vagabundos”. O governo sustenta vagabundos quando não pune os corruptos, o nepotismo, as licitações fajutas, a malversação de dinheiro público. Transferir renda aos mais pobres é dever, em especial num país em que o governo irriga o mercado financeiro engordando a fortuna dos especuladores que nada produzem. A questão reside em ensinar a pescar, em vez de dar o peixe. Entenda-se: encontrar a porta de saída do Bolsa Família.

Todas as pesquisas comprovam que os mais pobres, ao obterem um pouco mais de renda, investem em qualidade de vida, como saúde, educação e moradia.

O Brasil é rico, mas não é justo.

Fonte: Correio da Cidadania, 10 ago 2010

Indígenas no Brasil temem o progresso a qualquer custo

Índios da tribo Yanomami: resistência pela cultura

População indígena do Brasil ainda briga para ser ouvida pelas autoridades e teme que o progresso do país acabe com a sua cultura. E a construção da usina de Belo Monte é vista como grande ameaça.

Na data em que a Organização das Nações Unidas celebra o Dia Mundial dos Povos Indígenas, nesta segunda-feira (09/08), Sônia Bone Santos Guajajara, líder dos movimentos indígenas na Amazônia, demonstra um certo pessimismo ao pensar no futuro.

Guajajara usa o nome de sua tribo como sobrenome, e confessa uma certa preocupação quanto ao progresso brasileiro: “A tendência do Brasil é crescer, é se desenvolver, isso é uma meta do Estado. Mas não estão levando em consideração a vida das populações tradicionais e dos povos indígenas. Nós vamos resistir enquanto pudermos.”

Sônia fez história ao se tornar a primeira mulher a assumir um posto de chefia na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e ao concluir o ensino superior do curso de Letras na Universidade Estadual do Maranhão. Ela nunca se limitou às fronteiras naturais amazonenses: participou da Conferência do Clima em Copenhague e já representou o Brasil em reuniões do Fórum Permanente dos Povos Indígenas das Nações Unidas.

A terra e o progresso

Em 21 anos de história, a Coiab comemora alguns avanços, entre eles uma maior agilidade no processo de demarcação da terra. Mas os índios ainda precisam de proteção para se manter no território a eles garantido pela lei. “Os indígenas vivem ameaçados dentro das próprias terras, por conta de madeireiros, de fazendeiros, de donos do agronegócio, que vão expandindo a plantação e que fazem grande pressão sobre as terras indígenas”, conta Guajajara.

A região amazônica é marcada por interesses intrínsecos ao desenvolvimento do país. Mas os grandes projetos econômicos também trazem ameaças aos indígenas que, em muitos casos, são obrigados a mudar suas aldeias de lugar e deixar para trás heranças tradicionais.

“A proteção territorial é muito falha e ainda há terras por serem demarcadas, como no Mato Grosso do Sul e no Nordeste. Sem terras, os índios são levados à criminalização, o que é hoje uma questão muito grave para nós”, ressalta a líder.

Mas o maior desafio do movimento de resistência dos índios provoca também uma batalha nos tribunais brasileiros, tem um histórico de mais de 20 anos e, ao que tudo indica, se transformará em fato consumado: a usina hidrelétrica de Belo Monte.

A usina bilionária

“Não é que se é contra Belo Monte, ou contra todos os empreendimentos. Mas as coisas precisam ser feitas de forma legal. Há a declaração da ONU que dá a garantia de consulta livre, prévia e informada. E em Belo Monte não aconteceu nada disso. As comunidades não foram consultadas, não foram informadas”, lembra Sônia Guajajara.

Felício Pontes atua no Ministério Público Federal do Pará e acompanha a queda de braço na Justiça brasileira. O procurador federal move nove ações contra a usina e acredita que a legislação brasileira está a seu favor.

“O Brasil tem leis protetoras ambientais e indígenas muito fortes. O problema é que o governo mente sobre os efeitos que esses projetos terão, sobretudo na questão indígena. O presidente da República disse no programa Café com o Presidente que não haverá impacto nenhum sobre as comunidades indígenas. Mas haverá um impacto muito grande”, denuncia.

Dentre as funções da Procuradoria Federal, está a de defender os direitos sociais e individuais dos cidadãos perante a Justiça. Felício Pontes, que também nasceu no estado do Pará, diz que é impossível que a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, com barragens no rio Xingu, não tenha impacto sobre os povos indígenas – a região concentra a maior diversidade étnica indígena do país.

“O sistema judiciário é muito burocrático e lento. Faz com que a demora numa decisão judicial definitiva favoreça sempre a quem não tem razão. Isso explica a pressa do governo federal em que não haja uma decisão definitiva sobre o caso e a correria para que a obra seja feita”, argumenta.

A primeira ação judicial movida pelos procuradores foi ainda em 2001: ela pedia que os índios fossem ouvidos antes que Belo Monte virasse uma realidade. Mas as audiências públicas, que deveriam ser feitas no Congresso Nacional, nunca aconteceram.

Outros processos em andamento apontam erros no projeto e levantam dúvidas sobre a quantidade de energia que será gerada na usina.

O Ministério Público do Pará está acostumado a brigar pelo direito dos indígenas, já que o estado tem forte presença desses povos. Já ganhou processos contra diversas mineradoras que exploram a Amazônia – inclusive contra a gigante Vale, que foi obrigada a pagar indenização por construir uma estrada de ferro numa reserva indígena no sul do estado.

“No caso de Belo Monte, nós não estamos tendo agora resultados positivos. Mas se não tivéssemos entrado com a primeira ação em 2001, a usina hoje já estaria construída. Só não saiu do papel ainda por conta das ações que movemos desde então”, avalia o procurador federal.

A empresa Norte Energia é a responsável pela construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, estimada em 19 bilhões de reais, segundo a própria companhia. A construção ainda não foi iniciada, mas a previsão é que a usina comece a operar parcialmente em 2015.

Fonte: DW, 10 ag0 2010

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Rodrigo Rimon

Lei Maria da Penha: a cada hora, um processo é aberto no Rio por violência contra mulheres

RIO – Os três Juizados da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher no município do Rio – entre eles, o que condenou o ator Dado Dolabella a dois anos e nove meses de prisão em regime aberto – abrem praticamente um processo por hora. Das 66.733 ações iniciadas desde que as varas especiais foram criadas, entre 2007 e 2008, 35% ou 23.673 já receberam sentença. A maior parte, no entanto – 43.060 processos -, ainda aguarda julgamento.

Os juizados são um desdobramento da Lei Maria da Penha (11.340), que hoje completa quatro anos e tornou mais rígidas as punições a acusados de violência doméstica.

Juízas farão mutirão para reduzir fila de processos

Entre os três, o campeão de abertura de processos é o 1º Juizado, no Centro: desde junho de 2007, quando foi criado, foram aceitas 29.856 ações, das quais 10.989 já receberam sentença. Na próxima semana, as juízas da vara especial farão um mutirão para diminuir a fila de processos.

As juízas Adriano Ramos de Mello e Anne Cristina Scheele Santos, que condenou o ator Dado Dolabella pela agressão à ex-namorada, a atriz Luana Piovani, e a camareira dela, Esmeralda de Souza, farão audiências especiais na quinta e sexta-feira da próxima semana. A expectativa é julgar mil casos.

– O foco do mutirão não é condenar os réus, e sim dar celeridade aos processos dessas vítimas que buscam o Judiciário – explicou a juíza Adriana Ramos.

Responsável por aumentar as denúncias contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha foi elaborada por um grupo interministerial, que contou com sugestões de ONGs. Sancionada pelo governo federal há exatos quatro anos, a lei contou com a participação decisiva da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Subordinada ao órgão, a secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Aparecida Gonçalves, destaca que a nova norma mudou paradigmas de comportamento na sociedade brasileira. Ela cita uma pesquisa do Ibope/Instituto Avon, divulgada recentemente, em que 35% dos entrevistados afirmaram que, após a sanção da Lei Maria da Penha, tomam alguma atitude diante de uma violência contra a mulher.

– Além de criar uma rede de proteção à mulher, a lei está mudando a sociedade. No caso do Dolabella, o importante é que houve punição. As peças no processo é que vão dizer o quão grave foi a agressão e cabe ao juiz determiná-la – afirmou Aparecida, esquivando-se de comentar a polêmica sobre o tamanho da pena aplicada ao ator.

Fonte: O Globo, 6 ago 2010

Crack, uma epidemia devastadora ~ por Ricardo Young

A poor man sitting at the helm of a boat deep ...

Quem é pai ou mãe tem preocupações constantes, não importa a idade de seus filhos. Porém, nos últimos anos, não existe assombração maior para familiares do que o fantasma do crack – droga derivada da cocaína, adaptada para ser fumada, o que torna seu efeito rápido e devastador no organismo do consumidor. O vício acontece numa velocidade absurda; pesquisas apontam que em um mês o usuário passa de eventual a dependente. E os pesadelos começam: veloz perda da realidade, necessidade cada vez mais frequente de consumir a droga, e também ergue-se uma barreira de convivência entre o usuário e sua família, afinal ele não consegue se relacionar mais com as pessoas.

Considerada em passado recente droga das populações menos favorecidas, o perfil do usuário vem mudando a cada ano, atingindo todas as classes sociais. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, entre 2006 e 2008, o número de usuários de crack com renda familiar acima de 10 000 reais aumentou 139,5%. Em algumas das mais caras clínicas particulares de tratamento de dependências químicas em São Paulo, cerca de 60% das internações são de usuários de crack.

Segundo dados da Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes (Jife) — órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) — o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de maior consumidor mundial dessa droga e tem a principal rota de tráfico internacional de cocaína no Cone Sul.

O vício em crack tornou-se um caso de saúde pública que está beirando níveis epidêmicos e é um enorme desafio para as autoridades brasileiras. Em maio passado, o governo federal lançou um plano de tratamento e combate à droga, que é mais uma releitura do programa anunciado em junho do ano passado, que não foi implementado. A meta do governo desta vez é investir 410 milhões de reais e dobrar de 2 500 para 5 000 o número de leitos para dependentes químicos no Sistema Único de Saúde (SUS), criar abrigos e centros para apoiar usuários e capacitar professores da rede pública para lidar com os jovens dependentes.

Se o governo conseguir implantar o que promete já será um avanço. Pequeno, mas insuficiente. Cientistas vêm pesquisando formas inovadoras de tratamento, porém, não há informações de que o sistema público de saúde esteja adotando esses novos tratamentos. Embora o assunto já esteja sendo abordado na Câmara e no Senado, que aumentou para 100 milhões de reais a verba destinada ao tratamento de dependentes de crack, ainda é muito tímida a iniciativa no âmbito de políticas públicas. Deve haver incentivo para a produção de pesquisas inovadoras nos tratamentos; apoio às universidades para implementação de centros de referência; garantia de apoio multidisciplinar como psicológico e assistência social para usuários e familiares; entre outras iniciativas.

É importante se avaliar o aspecto social nos tratamentos, visto que o crack, por ser ilícito, é distribuído em um cenário de marginalidade e violência. Para conseguir saciar o vício, o usuário perde a noção do perigo e envolve-se constantemente em situações de alto risco. Segundo dados da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp –, a mortalidade associada ao crack é de 30%, sendo que metade das vítimas morre em confrontos violentos com traficantes ou policiais, e isso deve ser levado em conta na hora de planejar o tratamento adequado para cada usuário.

O avanço da droga na infância, segundo um levantamento da Secretaria de Saúde de São Paulo, mostra que, em dois anos, dobrou o número de crianças e adolescentes em tratamento contra a dependência de crack. Há casos de crianças com 10 ou 11 anos, viciadas na droga, o que está levando a outro grave problema: mães desesperadas estão prendendo seus filhos com cadeado e corrente para afastá-los do crack.

A cura é possível, como demonstram vários relatos de ex-usuários publicados nos veículos de comunicação, mas não é fácil e pode levar anos. Ainda há o risco de recaída. Segundo grupos de ajuda como os Narcóticos anônimos, deve haver controle a vida inteira. A família tem papel fundamental na recuperação e manutenção da saúde de ex-dependentes e podem ajudar a exercer esse controle com equilíbrio.

Fonte: Ricardo Young, na Carta Capital, 30 jul 2010

Autoexibição de adolescentes na web ganha audiência e desafia autoridades

Full length of young friends lying together on...

É noite de segunda-feira, 25 de julho. Sentada na frente da webcam, uma adolescente lê em voz alta a quantidade de pessoas que assistem ao vivo à transmissão: “989, 994, 1.004!” Ela mostra um sorriso meio nervoso e adverte: “Só vou deixar ela fazer se ficar acima de mil.” O número se estabiliza e, de repente, uma outra menina “também de traços infantis” aparece seminua num canto da tela, mostrando os seios e a calcinha enquanto dança funk em poses sensuais.

A cena registrada na última quarta-feira não é caso isolado no universo dos adolescentes brasileiros. A moda de se exibir em câmeras na internet vem crescendo entre os jovens. Grande parte dos pais não sabe disso. Todas as noites é possível encontrar dezenas de câmeras transmitindo ao vivo cenas de adolescentes que, sem serem forçadas ou ganhar algo por isso, mostram o corpo em troca de audiência.

O programa utilizado para as transmissões é o Twitcam. Com ele, a interação ocorre em tempo real e não são raras as coações de conotação sexual, mesmo quando os jovens do vídeo afirmam ter menos de 14 anos.

Entre as práticas mais comuns há a promessa de tirar uma parte da roupa quando os espectadores ultrapassarem um certo número. Há até comunidades no Orkut que listam os endereços eletrônicos de transmissões dos adolescentes e incitam outros visitantes a acessarem os links para aumentar a audiência. Os mesmos grupos chegam a divulgar regras básicas para os voyeurs como, por exemplo, não constranger as meninas para não assustá-las ou xingar quem está tirando a roupa muito devagar.

Na semana passada, um caso desse tipo teve repercussão nacional, mas é apenas a ponta do iceberg. Dois adolescentes gaúchos foram apreendidos após se masturbarem diante da câmera do computador. Os pais, que não sabiam de nada, ficaram boquiabertos. Os jovens estão sujeitos a cumprir medida socioeducativa. O Ministério Público Federal prometeu ir atrás de todos que baixaram as imagens.

Novidade. A situação é tão nova que as próprias autoridades não sabem como combatê-la. O MPF agiu no caso do Rio Grande do Sul por causa da repercussão, mas, alertado pelo Estado sobre a dimensão do problema, o próprio órgão reconheceu que não fazia ideia de que essa prática de autoexibição fosse tão comum.

Para o delegado Marcelo Bórsio, do Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil na Internet da Polícia Federal, a ação das autoridades pode esbarrar na falta de definição do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) em relação aos crimes cibernéticos. “Os sites são responsáveis pelos conteúdos transmitidos e devem ser acionados. Há brechas na lei que permitem que os espectadores visualizem as cenas sem serem responsabilizados”, afirmou.

Essa situação preocupa os pais. “É difícil controlar os filhos na internet. Mas no nosso tempo a gente fazia coisas que nossos pais nem imaginavam. As meninas ficam no quarto delas na internet e não sabemos o que está acontecendo”, diz o professor universitário Herom Vargas, pai de duas adolescentes, uma de 15 e outra de 12 anos.

Fonte: Estadão, 1 ago 2010

Polícia quer identificar 10 mil que baixaram vídeo de sexo entre adolescentes

3d person - puppet, pressed down by hammer

São Paulo – A polícia do Rio Grande do Sul tentará identificar mais de 10 mil pessoas que fizeram o download do vídeo em que dois adolescentes de Porto Alegre aparecem em cenas de sexo. As imagens foram feitas pelos próprios jovens, ele de 16 e ela de 14 anos, na noite do último domingo (25) e exibidas em tempo real por meio da ferramenta Twitcam.

Nesta quinta-feira (29), o delegado Emerson Wendt, da Delegacia de Repressão a Crimes Informáticos, encaminhará um pedido formal de informações ao site de compartilhamentos 4shared.com, que hospeda o vídeo. Tanto o usuário que enviou a gravação para o servidor quanto os que baixaram o arquivo podem ser indiciados com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

De acordo com o artigo 241-B do ECA, “adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” prevê pena de reclusão, de um a quatro anos, além de multa. “Muitas pessoas fazem o download apenas por curiosidade, mas trata-se de crime”, diz Wendt.

Segundo o delegado, como o site 4shared.com tem servidores e registro em outro país, não é possível estabelecer um prazo para o envio das informações. Os adolescentes que aparecem no vídeo foram ouvidos na última terça-feira (26), e liberados. O caso foi encaminhado à Delegacia para o Adolescente Infrator e ao Ministério Público, que definirão o destino dos jovens.

O caso

Conforme o depoimento dos adolescentes à polícia, o episódio começou durante um jogo de Uno online, no qual foi feita uma aposta. Como a adolescente perdeu o jogo, ela deveria pagar um castigo, exibindo-se diante da webcam para os seguidores do Twitter. Conforme o número de usuários que assistiam à transmissão crescia, a “punição” evoluía, de tirar a roupa até fazer sexo diante da câmera. Mais de 20 mil pessoas acessaram o vídeo durante a exibição em tempo real.

Na delegacia, ambos disseram não terem sido forçados a nada. Depois da repercussão do vídeo, o adolescente excluiu os perfis que mantinha no Twitter, no Orkut e no Formspring. Em um vídeo publicado no YouTube, ele se defende de acusações de que teria drogado a menina antes do ato e diz que não houve pedofilia, uma vez que ambos são menores de idade.

Fonte: Exame, 29 jul 2010

No RS, adolescentes transmitem cenas de sexo ao vivo pela internet

Dois adolescentes, de 16 e 14 anos, prestaram depoimento à polícia do Rio Grande do Sul depois de exibirem cenas de sexo ao vivo pela internet, via Twitcam, no Twitter. As cenas foram transmitidas entre a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira, em Porto Alegre. A Delegacia de Repressão a Crimes Informáticos da capital gaúcha foi acionada, inclusive via Twitter, por pessoas que viram as cenas.

Segundo o delegado Emerson Wendt, ele ficou sabendo do que havia acontecido pela conta de seu Twitter pessoal. Ao comprovar que as cenas existiram e foram gravadas, o delegado conseguiu identificar os jovens. Eles foram chamados a prestar esclarecimentos na delegacia, onde foram acompanhados dos pais. O rapaz, de 16 anos, foi ouvido na segunda-feira, e a garota, de 14, nesta terça.

“Eles decidiram que teriam uma relação sexual se o número de acessos ultrapassasse 20 mil”

De acordo com as informações prestadas pelos jovens, eles se conheceram pela internet há cerca de um mês. O primeiro encontro entre eles aconteceu na última sexta-feira. No domingo, eles voltaram a se encontrar e fizeram uma aposta. Num jogo de cartas on-line, o Uno, quem perdesse teria que tirar a roupa e se submeter às carícias do ganhador na webcam. A menina perdeu.

– Eles tiraram as roupas e fizeram carícias. Como as imagens estavam sendo transmitidas pela Twitcam, decidiram que teriam uma relação sexual se o número de acessos ultrapassasse 20 mil. O número de acessos chegou quase a 25 mil, mas a menina desistiu de consumar o ato e pediu que a câmera fosse desligada – informou o delegado Wendt ao GLOBO.

Segundo o delegado, os jovens são de classe média. Eles não foram apreendidos, porque não havia mandado judicial ou foram flagrados nas cenas. Por isso, eles foram liberados depois do depoimento. O caso será encaminhado ao Departamento Estadual da Criança e do Adolescente, que deve enviar ao Ministério Público. O MP deverá decidir que tipo de medida socioeducativa será aplicada aos jovens.

Os pais não devem ser punidos pelo ato dos filhos. Os pais disseram ao delegado que não sabiam que o estava acontecendo.

O delegado disse que uma terceira pessoa que teria gravado e postado as imagens num site internacional está sendo procurada. Ela poderá ser indiciada por divulgar imagens pornográficas.

Fonte: O Globo, 28 jul 2010

Analfabetismo atinge 3 milhões de jovens trabalhadores rurais no Brasil

Cerca de 40% das pessoas entre 16 e 32 anos que moram e trabalham no campo são analfabetas. O analfabetismo atinge 3 milhões dos quase 8 milhões de trabalhadores rurais do país nesta faixa etária, de acordo com a secretária de Jovens Trabalhadores Rurais da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Maria Elenice Anastácio.

Se forem considerados os habitantes de pequenas cidades que sobrevivem da economia rural, os números podem ser ainda mais preocupantes.

Para Maria Elenice, as condições atuais do ensino obrigam o jovem a escolher entre o estudo e o trabalho. “O trabalhador rural tem que buscar a cidade para ter acesso à saúde, à informação e à escola. Mas como vão pegar um transporte precário para estudar na cidade se estão cansados do trabalho exaustivo?”, questionou.

A coordenadora do curso de licenciatura em Educação no Campo da Universidade de Brasília, Mônica Molina, também apontou a pouca oferta de escolas no campo como responsável pelas altas taxas de analfabetismo. “O interesse em estudar existe. Hoje, o trabalhador dá mais importância ao estudo do que em gerações anteriores, mas quando o aluno chega à 5ª série, dificilmente encontra turmas no meio rural. Então ele precisa ir estudar na cidade mais próxima e acaba desistindo”.

Em pesquisa feita em assentamentos de reforma agrária, Molina constatou que, aproximadamente 70% das escolas rurais, são de 1ª a 4 série, enquanto 25% atendem os alunos de 5ª a 8ª e apenas 4% têm turma de ensino médio.

A consequência é que poucos alunos vão além dos primeiros anos de escolaridade. Este fator, somado às faltas, repetição de séries, professores despreparados e recursos didáticos escassos, leva ao analfabetismo funcional. “Sem acesso á escolarização correta na idade apropriada, o jovem acaba perdendo a condição de ler e interpretar após alguns anos”, afirmou Mônica.

Como solução, Mônica e Maria Elenice defendem a ampliação do número de escolas no campo. “De 2005 a 2007 foram fechadas 8 mil escolas rurais e agora temos que garantir as que já existem”, disse Molina.

“Não adianta investir em transporte das pessoas para cidades próximas. Poucos vão arriscar a vida em pau de arara para terminar o ensino médio”, completou Maria Elenice.

Fonte: Folha SP, 28 jul 2010

Confissões à Inquisição mostram os hábitos sexuais dos brasileiros no século XVI

Autor da certidão de nascimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha não se encantou apenas com os dotes da natureza, como o solo fértil ou as águas infinitas. O escrivão português dedicou algumas linhas à nudez das índias, que “de (…) muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”. Morria ali, no berço, qualquer chance de que a nova colônia lusitana fosse conhecida como uma terra de pudores. A liberdade sexual deu o tom de todo o século XVI, surpreendendo até o temido Tribunal da Santa Inquisição, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Sexualidade (Nusex), da Universidade Estadual Paulista.

O grupo elabora uma historiografia da vida sexual do brasileiro, buscando na Colônia a origem de hábitos e preconceitos que permanecem até hoje . No século XVI, a falta de recato da nova colônia fez corar até um enviado da Igreja acostumado a ouvir barbaridades. Visitador da Inquisição no Nordeste em 1591, onde ficou por quatro anos, o padre Heitor Furtado de Mendoça veio à Colônia com a missão de vigiar os cristãos-novos, acusados de se aproveitarem da distância da Europa para abraçar novamente os ritos judaicos – um crime conhecido como apostasia. Entre as confissões coletadas, no entanto, destacaram-se aquelas envolvendo práticas sexuais condenadas pelo catolicismo.

– O século XVI foi marcado pela ambivalência sexual – avalia o psicólogo Paulo Rennes, coordenador do Nusex, co-autor dos estudos com as pesquisadoras Shirley Romera e Anne Caroline Scalia. – Ao mesmo tempo em que se fazia muito sexo, a Igreja aumentava o controle e as normas proibitivas. O povo queria satisfazer o desejo, e o fazia com muita intensidade, mas vivia com o medo de ser punido ao transgredir as regras católicas. A introjeção da culpa e do pecado levou muito tempo para se cristalizar, e nos anos 1500 este caminho ainda estava sendo trilhado. Principalmente no Brasil, onde, com a distância da metrópole, houve flexibilização das atitudes e do comportamento sexual muito maior do que a religião desejaria.

Fogueira não inibia poligamia

O explorador português, senhor de tantas terras, já não era estranho ao conceito de miscigenação. Uma inicial condenação a índias nuas passava rapidamente à tolerância. Conquistá-las era, inclusive, uma questão estratégica: unir-se a uma mulher garantia a fidelidade de toda a sua família – algo bem-vindo para o marido branco, entre tribos hostis.

A poligamia era popular entre os colonos – muitos já casados na metrópole. Os portugueses não escondiam uma certa admiração por seus inimigos tupinambás, que tinham até 14 mulheres. Quando cansavam de uma, a davam de presente para alguém. A tribo era, também, uma notória adepta da sodomia. Essa prática merecia condenação enfática da Igreja.

Foi, de fato, um século masculino. Os homens escolhiam com quem teriam relações. As índias usufruíam de situação semelhante, embora fossem dominadas pelo pretendente. As negras, escravizadas, não tinham opção.

As mulheres brancas, ainda em baixo contingente, cambaleavam entre manifestações de força e fragilidade. Diversas mandaram cegar as amantes do marido. Mas, de frente para o homem, apelavam a uma simpatia para evitar humilhações: durante o sexo, proferiam, em latim, as mesmas palavras com que os padres ofereciam a hóstia. Assim, segundo a crença, impediriam os maus-tratos.

Fonte: O Globo, 24 jul 2010

Apesar de progresso, Brasil permanece um dos mais desiguais do mundo, diz ONU

Apesar dos progressos sociais registrados no início da década passada, o Brasil continua entre os países mais desiguais do mundo, segundo atesta um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que será divulgado nesta sexta-feira.

O índice de Gini – medição do grau de desigualdade a partir da renda per capita – para o Brasil ficou em torno de 0,56 por volta de 2006 – quanto mais próximo de um, maior a desigualdade.

Isto apesar de o país ter elevado consideravelmente o seu índice de desenvolvimento humano – de 0,71 em 1990 para 0,81 em 2007 – e ter entrado no grupo dos países com alto índice neste quesito.

O cálculo do indicador de desigualdade varia de acordo com o autor e as fontes e a base de dados utilizados, mas em geral o Brasil só fica em melhor posição do que o Haiti e a Bolívia na América Latina – o continente mais desigual do planeta, segundo o Pnud.

No mundo, a base de dados do Pnud mostra que o país é o décimo no ranking da desigualdade.

Mas os dados levam em conta apenas 126 dos 195 países membros da ONU, e em alguns casos, especialmente na África subsaariana, a comparação é prejudicada por uma defasagem de quase 20 anos de diferença.

Na seleção de países mencionada no relatório do Pnud, os piores indicadores pela medição de Gini são Bolívia, Camarões e Madagascar (0,6) e Haiti, África do Sul e Tailândia (0,59). O Equador aparece empatado com o Brasil com um indicador de 0,56.

Colômbia, Jamaica, Paraguai e Honduras se alternam na mesma faixa do Brasil segundo as diferentes medições.

Desigualdade e mobilidade

O relatório foca no problema da desigualdade na América Latina, o continente mais desigual do mundo, segundo o Pnud. Dos 15 países onde a diferença entre ricos e pobres é maior, dez são latino-americanos.

Em média, os índices Gini para a região são 18% mais altos que os da África Subsaariana, 36% mais altos que os dos países do leste asiático e 65% mais altos que os dos países ricos.

O documento traça uma relação entre a desigualdade e baixa mobilidade social, caracterizada pelo círculo de aprisionamento social definido pela situação familiar de cada indivíduo.

No Brasil e no Peru, por exemplo, o nível de renda dos pais influencia a faixa de renda dos filhos em 58% e 60%, respectivamente.

No Chile esse nível de pré-determinação é mais baixo, 52% – semelhante ao da Inglaterra (50%).

Já nos países nórdicos, assim como no Canadá, a influência da situação familiar sobre os indivíduos é de 19%.

Alemanha, França e Estados Unidos (32%, 41% e 47%, respectivamente) se incluem a meio do caminho.

A mobilidade educacional e o acesso à educação superior foram os elementos mais importantes na determinação da mobilidade socioeconômica entre gerações.

Relatório do Pnud

No campo educacional, os níveis de educação dos pais influenciam o dos filhos em 55% no Brasil e em 53% na Argentina. No Paraguai essa correlação é de 37%, com Uruguai e Panamá registrando 41%.

A influência da educação dos pais no sucesso educacional dos filhos é pelo menos duas vezes maior na América Latina que nos EUA, onde a correlação é 21%.

“Estudos realizados em países com altos níveis de renda mostram que a mobilidade educacional e o acesso à educação superior foram os elementos mais importantes na determinação da mobilidade socioeconômica entre gerações”, afirma o relatório.

Para o Pnud, a saída para resolver o problema da desigualdade na América Latina passa por melhorar o acesso das populações aos serviços básicos – inclusive o acesso à educação superior de qualidade.

O relatório diz que programas sociais como o Bolsa Família, Bolsa Escola e iniciativas semelhantes na Colômbia, Equador, Honduras, México e Nicarágua representaram “um importante esforço para melhorar a incidência do gasto social” na América Latina, sem que isso tenha significado uma deterioração fiscal das contas públicas.

“No que diz respeito à distribuição (de renda), as políticas orientadas para o combate à pobreza e à proteção da população vulnerável promoveram, na prática, uma incidência mais progressiva do gasto social, que por sua vez resultou em uma melhor distribuição da renda.”

Fonte: BBC Brasil, 23 jul 2010