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Congo: A maior guerra do mundo

congo_warChacinas, estupros de mulheres e sequestros de crianças são armas de guerra no país. É o mais sangrento conflito desde a 2ª Guerra.

Dessa vez, nem esperaram o disfarce da noite. Atacaram às claras, surpreendendo os aldeões na lavoura. Eram 11 horas, calcula Geni Mungo olhando para o céu – o relógio natural de Lwibo, vilarejo na Província de Kivu do Norte, na fronteira oriental da República Democrática do Congo. Ela os viu chegar de longe, pelo mato. Correu para casa para avisar os três filhos sobre o ataque, mas, ao saírem, os rebeldes estavam muito perto.

[Adriana Carranca, enviada especial do Estadão, Lwibo, Rep. Democrática do Congo, 20 out 2013] Alcançaram primeiro seu marido, abatido como um bicho. Ela titubeou, mas sabia que não poderia salvá-lo. Seguiu em direção ao rio. Moradores tentavam escapar, imaginando poder atravessar para o outro lado e sumir na mata. Alcançaram a ponte frágil de madeira. Armados com facões, os rebeldes cortaram as cordas.

Geni viu os corpos das duas filhas serem arrastados pela correnteza de outubro, mês das chuvas. Forjou com o caçula um esconderijo sob folhas de bananeira e ali ficaram até cessarem os gritos. Voltou à vila e encontrou a cabeça do marido, como as de outros homens da aldeia, secando ao sol em estacas – a marca do grupo liderado por um homem chamado Sheka.

O bando saqueou e botou fogo nas palhoças. Fugiu levando 45 crianças que estavam na pequena escola da vila no momento do ataque. Os meninos são feitos soldados. As meninas, escravas sexuais.

Dois dias após o ataque, quando o Estado visitou o local, os gritos de um professor de 25 anos, chamando cada aluno pelo nome, ainda ecoavam na mata – em vão. Ele tinha esperança de que as crianças, de 6 a 12 anos, assustadas, estivessem escondidas. O professor e todos à sua volta sabiam que isso era improvável. Geni buscava o corpo do marido – queria enterrá-lo inteiro – e os das filhas.

congo mapAssim se vive no Congo (antigo Zaire), buscando os desaparecidos e recolhendo corpos no rastro de ataques que ocorrem com frequência assustadora.

Em quase duas décadas, os confrontos no leste do país deixaram cerca de 6 milhões de mortos. É o maior e mais sangrento conflito desde a 2.ª Guerra, produziu mais vítimas do que todos os combates recentes somados. É o holocausto africano. Mas pouco se ouve falar sobre ele porque ocorre na floresta densa de um continente esquecido, a África, não mata brancos, não ameaça o Ocidente. Pelo menos, até agora.

O Congo é a maior e mais cara missão da ONU. E o retrato mais visível de seu fracasso.

“Muzungu! Muzungu!”, gritam as crianças ao ver uma equipe da organização Médicos sem Fronteira (MSF), que chega para atender feridos. Não há. Nesse tipo de ataque, os rebeldes não deixam vivos para trás – matam os que podem alcançar. A ajuda humanitária trata outros fantasmas que assombram o Congo: malária, sarampo, cólera, desnutrição, infecções, traumas. Muzungu quer dizer branco – a MSF é uma dos raras entidades que chegam à região remota, com acesso dificultado por estradas esburacadas, enlameadas e dominadas por grupos armados.

Lwibo fica em uma área limítrofe entre territórios controlados pela Aliança de Patriotas por um Congo Livre e Soberano (APCLS), formado por homens da etnia hunde, e as Forças Democráticas para a Liberação de Ruanda (FDLR), de hutus (veja mapa na página A15). Numa espécie de vácuo, o vilarejo fica exposto a ataques de forasteiros como Sheka, de outra região – o que faz com que a população prefira estar sob a mão pesada de um grupo rebelde de sua etnia, que lhes cobra impostos em troca de proteção.

As chacinas de homens, os estupros de mulheres e os sequestros de crianças tornaram-se armas de guerra no Congo. Servem para humilhar o oponente e mandar-lhe um recado: não mexa com a minha área ou vou invadir seu território e massacrar seu povo.

Cobiça. É uma guerra travestida de conflito étnico, mas que esconde interesses mundanos: os trilhões de dólares enterrados no solo vermelho do leste do Congo. O maior país da África subsaariana é também o mais rico em recursos naturais, confiscados desde a colonização belga. Hoje, essa riqueza financia as milícias sem que o povo veja um tostão. Ao contrário disso, são explorados no trabalho pesado das minas.

Ouro, diamantes, coltan – minério que contém tântalo, usado em aparelhos de celular e tablets – são contrabandeados para países vizinhos como Ruanda, Uganda e Burundi. Calcula-se que apenas 10% das minas do Congo sejam exploradas legalmente.

O comandante Sheka era responsável por um dos centros de negociações de minérios da estrada entre Lobuto e Walikali, onde estão pequenas aldeias satélites das minas escondidas na floresta. Um dia, ele matou o patrão, roubou seu dinheiro e iniciou seu próprio grupo Mai-Mai – nome dado às gangues locais, com interesse puramente econômico.

Em uma pista improvisada de pouso na altura de Kilambo, pequenos aviões aterrissam e decolam com frequência. “Trazem equipamentos para mineração e voltam levando sacos de minerais”, disse ao Estado o especialista de uma organização internacional, há sete anos no Congo. “O destino oficial é Goma, mas extraoficialmente… Como explicar que Ruanda e Uganda se tornaram exportadores de minérios? Onde estão suas minas? Vendem para mercados como a China e, de lá, para EUA e Europa, que lavam as mãos sobre a procedência.”

O governo congolês é visto como fraco e corrupto. Enquanto a reportagem conversava com moradores de Lwibo, jovens do FDLR passavam caminhando tranquilamente com velhas Kalashnikov; um deles trazia um porco no laço e uma AK-47 personalizada – o cabo de madeira pintado de branco e o metal de um dourado reluzente, possivelmente ouro.

À luz do dia, controlam vilarejos e estradas. Vigiam seus impérios miseráveis do alto de pequenos montes – milicianos desleixados e maltrapilhos, armados com fuzis de assalto, o cinturão de balas à tiracolo, óculos escuros com o aro irremediavelmente dourado e um cigarro de bangi (a maconha congolesa). Pela estatura, alguns aparentam ter 11 ou 12 anos, mas num país como o Congo não é possível saber a idade – a desnutrição impede o crescimento, enquanto a guerra endurece o semblante e envelhece seus rostos, enrugados e com marcas de navalha. São crianças velhas.

Entre Lwibo e Masisi, havia pelo menos três postos de checagem: cabanas de madeira e cancelas de bambu, onde os rebeldes cobram pedágio de camponeses que passam com banana, mandioca, amendoim para vender no vilarejo mais próximo – tomam-lhes algo como 10% da colheita. “Todos os grupos armados sobrevivem da exploração das minas. É uma questão-chave desse conflito. Os impostos são um complemento”, disse o especialista.

O Estado viu minas de coltan – pequenas Serras Peladas negras – e, à noite, caminhões sendo abastecidos com o material sob a vigilância dos rebeldes. Um bando armado estava a 500 metros da base da Missão da ONU em Nyabuondo. Dois jovens se aproximam do carro da MSF, que transportava uma grávida em trabalho de parto. Só se vê o brilho do cano de seus fuzis e o branco dos olhos. Querem revistar o carro. “MSF!”, avisa o motorista. A organização, neutra, não permite que homens armados entrem no carro e trafega sem seguranças. “Sigara! Um cigarro!”, eles pedem. E somem na escuridão.

Milícias usam violência sexual como arma de guerra no Congo

Nos cinco minutos que você levará para terminar de ler esta reportagem, pelo menos três mulheres terão sido estupradas na República Democrática do Congo. A cada hora, 48 mulheres são violentadas no país, segundo um estudo publicado no American Journal of Public Health. Organizações de proteção aos direitos humanos também registram um número impressionante de vítimas masculinas.

[BBC Brasil, 24 ago 12] No total, 22% dos homens e 30% das mulheres do Congo já foram vítimas de violência sexual em ataques relacionados ao conflito, segundo números de 2010. Tais estatísticas levaram a enviada da ONU ao país, Margot Wallström, a classificar o país como a “capital mundial do estupro” em um apelo para que o Conselho de Segurança tomasse uma atitude para interromper a barbárie.

Mas se os números já são chocantes, os depoimentos reunidos pelo jornalista Will Storr em uma investigação exclusiva para a BBC são um grito de socorro que a comunidade internacional não deveria ser capaz de ignorar. Continue lendo

Congo: uma guerra contra as mulheres

Cerca de 500 mil mulheres foram estupradas na República Democrática do Congo desde o início da guerra civil em 1996.

Um estudo recente da ONU estima que os soldados são responsáveis ​​por cerca de um terço de todos os estupros e crimes de violência sexual cometidos nas províncias orientais do país. A disciplina no exército nacional é fraca, os soldados raramente são pagos, e muitos recebem ordens de seus superiores para “viver da terra”: um convite para os abusos. Tanto soldados como militantes agem impunemente. O problema é agravado pela falta de infra-estrutura legal e uma indiferença em relação à situação das mulheres.

Uma média de 1.100 novos incidentes de estupro são relatados a cada mês, mas um estudo descobriu que o número de mulheres congolesas estupradas todos os dias é maior que este.

As enfermarias do Hospital Panzi em Bukavu, que trata as vítimas de estupro, estão frequentemente lotadas.

Dr. Denis Mukwege, um ginecologista-obstetra fundador do hospital e finalista do Prêmio Nobel da Paz 2010, frequentemente realiza 10 cirurgias por dia. Ele diz que chegou a reconhecer os autores pelas cicatrizes que deixam nas mulheres. “Posso dizer que grupo fez isso, mesmo antes dela me diz”, diz ele. “Alguns grupos usam facas, outros só violentam jovens, e ainda outros usam armas de fogo. Desta forma, é como se eles deixassem uma assinatura no corpo.”

Clique para ver a reportagem do Washington Times (em Inglês) sobre o estupro na República Democrática do Congo.

Esta matéria foi publicada originalmente em Inglês aqui.

Crianças do Congo, país mais subnutrido da África, se alimentam dia sim, dia não

“Se hoje nós comemos, amanhã beberemos chá”, disse Dieudonne Nsala, pai de cinco filhos que ganha US$ 60 por mês…

[Adam Nossiter, NYT/UOL, 9 jan 12] Os Berbok estão praticando um ritual familiar de Kinshasa quase tão comum aqui quanto os telhados de metal e as ruas poeirentas: o “corte de energia”, como os moradores da capital, com quase 10 milhões de habitantes, o batizaram. Em alguns dias, algumas crianças comem, outras não. Em outros dias, todas as crianças comem, e os adultos não. Ou vice-versa.

O termo “corte de energia” – em francês, delestage – é para evocar outra rotina desagradável da vida da cidade: os blecautes rotativos que atingem primeiro um bairro depois o outro. Continue lendo

ONU alerta sobre violência sexual na Costa do Marfim, Líbia, no Congo e em regiões de Angola

[Renata Giraldi, Agência Brasil, 15 abr 11] Aumentou o número de denúncias de violência sexual nos conflitos armados na Costa do Marfim, Líbia, no Congo e em algumas regiões de Angola. O alerta foi feito ontem (14) pela  representante especial do secretário-geral sobre a Violência Sexual em Conflito nas Nações Unidas,  Margot Wallström. Para ela, é urgente que as autoridades tomem providências efetivas antes que a situação se agrave.

As informações são das Nações Unidas. “Mesmo na  tirania da urgência, as provas concretas aparecem”, afirmou Wallström durante apresentação no Conselho de Segurança das Nações Unidas. “Nossos esforços são para defender a segurança internacional e isso não será completo se não incluir o fim da violência sexual antes mesmo de ela começar.”

A representante lembrou que em dezembro de 2010, o Conselho de Segurança aprovou a resolução que define a necessidade de acabar com a impunidade para os crimes sexuais e recomenda a adoção de medidas para lidar com a “violência sexual generalizada e sistemática” em situações de conflito armado. Continue lendo