Arquivo da tag: Indígenas

Assassinatos de indígenas disparam no Brasil, comprova relatório do Cimi

Brasil, Santa Cruz Cabrália, BA. 22/04/2000. Polícia impede marcha de índios que partiu do povoado de Coroa Vermelha em direção a Porto Seguro, próximo de Santa Cruz Cabrália, na Bahia. A manifestação, que fez parte do movimento "Brasil, Outros 500", foi realizada durante as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil e acabou reprimida com bombas de gás. - Crédito:VALTER PONTES/COPERPHOTO/AE/Codigo imagem:106658

Brasil, Santa Cruz Cabrália, BA. 22/04/2000. Polícia impede marcha de índios que partiu do povoado de Coroa Vermelha em direção a Porto Seguro, próximo de Santa Cruz Cabrália, na Bahia. A manifestação, que fez parte do movimento “Brasil, Outros 500”, foi realizada durante as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil e acabou reprimida com bombas de gás. – Crédito:VALTER PONTES/COPERPHOTO/AE/Codigo imagem:106658

O relatório ‘Violência contra os Povos Indígenas do Brasil’, referente a 2014, aponta um aumento dos casos de violência e violações contra integrantes das comunidades indígenas. No período, 138 índios foram assassinados, contra 97 casos no ano anterior. Um dos dados mais alarmantes é o número de suicídios, que chegou a 135, ante 73 ocorrências em 2013.

[Publicado originalmente na Agência Senado, 7 ago 2015] Produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o relatório foi debatido em audiência pública nesta quarta-feira (5), na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A antropóloga Lúcia Helena Rangel salientou que o relatório ainda é uma expressão parcial da realidade, pois o Cimi não consegue captar todas as ocorrências em todo o País.

“Mesmo assim, os registros são assustadores”, comentou a antropóloga, coordenadora da pesquisa.

O debate foi proposto pelo senador Telmário Mota (PDT-RR), que se revezou na direção dos trabalhos da audiência com o presidente da comissão, Paulo Paim (PT-RS). Na avaliação dos convidados, os fatores de estímulo à violência são antigos e decorrem fundamentalmente da negação do direito à terra, da disputa em torno de áreas indígenas e conflitos possessórios.

“O que vemos é o não reconhecimento, por parte do Estado, às comunidades indígenas, que permanecem tendo seus direitos negados”, observou Lúcia Rangel.

Mesmo no caso dos suicídios, o entendimento é de que em grande medida as ocorrências estão relacionadas à falta de perspectivas para indivíduos que precisam da terra para viver e trabalhar, em harmonia com suas culturas. Os 135 casos de 2014 configuram o maior número em 29 anos, com predomínio de ocorrências no Mato Grosso do Sul (48), notadamente entre índios Guarani-kaiowá.

A mortalidade na infância foi ainda apontada como indicador de situação de violação de direitos: o relatório registra 785 mortes de crianças indígenas, na faixa de 0 a 5 anos, contra 693 no ano anterior. A situação mais grave se situa entre os índios Xavantes, no Mato Grosso, com a taxa de mortalidade chegando a impressionantes 141,64 mortes por mil crianças. Já média nacional registrada pelo IBGE, em 2013, foi de 17 por mil.

Segundo o relatório, em 2014 mais do que dobraram os registros de invasões possessórias, exploração ilegal de terras indígenas e outros danos ao patrimônio. Enquanto em 2013 foram 36 ocorrências, em 2014 aconteceram 84 casos.

Funai

O ex-senador João Pedro Gonçalves da Costa (PT), que assumiu em junho passado o comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), destacou a importância da audiência diante da “dívida histórica” que o País tem com os povos indígenas. Reconheceu que é essencial avançar na questão das terras indígenas. “Não pode haver índio sem terra; os povos indígenas não podem viver sem história do lugar ponde pisaram seus ancestrais”, defendeu.

João Pedro anunciou a intenção de percorrer de imediato as aldeias de todo o País, começando pelo Mato Grosso, lugar de conflitos possessórios mais graves. Também salientou o papel do Congresso e do Judiciário, além de Estados e prefeituras, na solução dos problemas. Depois, apelou aos senadores por apoio para reforçar o orçamento da Funai, por meio de emendas parlamentares.

Entre os senadores, as manifestações foram de solidariedade às demandas dos povos indígenas. Para a senadora Simone Tebet (PMDB-MT), existe a perspectiva de solução para os conflitos sobre terras. Mostrou otimismo com a aprovação de proposta de emenda constitucional (PEC 71/2011) que prevê pagamento de indenizações a produtores que estejam em posse “mansa e pacífica” das terras, o que agilizará a devolução das áreas aos índios.

“Estratégia de ataque”

O secretário-executivo do Cimi, Kleber Cesar Buzato, denunciou o que definiu como a “estratégia anti-indígena” no País. Um dos objetivos seria impedir o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionais que continuam invadidas, na posse de não-índios. Outro seria reabrir e rever procedimentos de demarcação já finalizados. Por fim, disse que há ainda o interesse em invadir, explorar e mercantilizar as terras já demarcadas e sob a posse de índios.

“Se não tomarmos iniciativas muito firmes, coordenadas e articuladas, a tendência é de se aprofundar ainda mais esse quadro de violências contra os povos indígenas”, alertou.

Em seguida, Buzato listou iniciativas e decisões adotadas, em separado, pelo Executivo, Legislativo e o Judiciário que, a seu ver, traduzem interesses de ruralistas, mineradoras e empreiteiras, entre outros segmentos do mercado. Uma delas seria o Decreto 7.957/2013), que regulamenta a atuação das Forças Armadas no “combate a povos e comunidades locais” que resistirem a empreendimentos em seus territórios. Outra veio por meio da Portaria Interministerial 60/2015, que define procedimentos a serem seguidos pela Funai para licenciamento ambiental de empreendimentos que impactam essas terras.

No âmbito do Legislativo, um dos projetos é o PL 161/1996, da Câmara dos Deputados, que regulamenta a mineração em terras indígenas, com abertura à exploração pelo setor privado, que hoje é vedada. Foi citada ainda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000), que transfere ao Congresso o poder de demarcar e rever a processos de terras indígenas já demarcadas.

“Na prática, significa atribuir à bancada ruralista o poder de decidir ou não sobre a demarcação das terras. Se aprovada, a tendência é não passa mais nada”, comentou.

Quanto ao Judiciário, Buzato mencionou julgamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que atribuiu interpretação mais restritiva a dispositivo constitucional que define o conceito de “terra tradicionalmente ocupada pelos povos”. Com base nessa decisão, segundo ele, foi possível anular atos administrativos de demarcação de terras de povos Guarani-Kaiowá e Terena, no Mato Grosso do Sul, e do povo Canela-Apãniekra, no Maranhão.

Desamparo

Alberto Terena, representante do Povo Terena e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que os povos indígenas e seus líderes vivem uma situação de desespero diante do permanente desrespeito a seus direitos. Segundo ele, a luta não começou com a atual geração nem as anteriores, mas desde que os colonizadores europeus ocuparam o País. Lembrou que os Terena, hoje com mais de seis mil indivíduos, dispõem de reserva com pouco mais de 2 mil hectares e esperam longamente pela devolução de terras esbulhadas.

“Achavam que éramos poucos e que seríamos exterminados ou integrados à sociedade. Mas isso não aconteceu, e a nova geração se multiplica; por isso, precisamos das nossas terras”, comentou.

Outro líder, Kâhu Pataxó, da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, relatou a ocorrência de regulares conflitos na região e o assassinato de índios que lutam pela recuperação de suas terras. Também denunciou o uso excessivo de força, seja por efetivos da Polícia Federal ou da Polícia Militar do estado, na tentativa de retiradas dos índios das terras. A seu ver, esses conflitos vão de fato se agravar se vier a ser aprovada a PEC 215.

“O que vamos ver é o extermínio final dos índios”, comentou, antecipando que as comunidades estão dispostas a dar a vida para garantir suas terras.

Antonio Carlos Moura, que falou pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz, também vinculada à CNBB, também apontou ações de “conluio” entre o Estado brasileiro e segmento econômicos na continuidade do esbulho de terras e direitos dos índios. Destacou a recente encíclica do papa Francisco como fonte de inspiração para luta pelo reconhecimento desses direitos.

Participou ainda da audiência a antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues, que comoveu colegas e plateia com o relato da história dos Avá-Canoeiro do Araguaia, também mencionada no relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2014. Caçadores, eles chegaram à região fugindo das frentes de colonização. Por seguidas gerações, foram atingidos por incêndios de aldeias, ações de caçadores de índios e ataques de tribos inimigas, com sucessivos massacres.

Já reduzidos a menos de dez indivíduos, foram então pegos, com a ajuda de agentes do aparelho de repressão. Passaram a viver em área de uma fazenda do Bradesco, submetidos a violências e privações. Só não desapareceram completamente porque se reproduziram, por meio de uniões com indivíduos de outras etnias (Javaé, Tuxá e Karajá). Hoje somam pouco mais de 20 pessoas.

Populações indígenas têm os piores indicadores sociais da Amazônia

[Luana Lourenço*, Agência Brasil, 17 nov 11] Belém (PA) – Se os indicadores sociais da Amazônia estão aquém da média nacional dos países que compartilham a floresta, as populações indígenas são ainda mais vulneráveis. O relatório A Amazônia e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio avaliou indicadores de nove países: o Brasil, a Bolívia, Colômbia, o Equador, Peru, a Venezuela, o Suriname, a Guiana e a Guiana Francesa e identificou resultados piores para os indígenas.

O levantamento diz que nos nove países há 1,6 milhão de indígenas, de 375 povos. Nem todos vivem em territórios reconhecidos, o que, segundo os pesquisadores, tem impacto direto na subsistência e na qualidade de vida das comunidades. “A erradicação da pobreza e da fome está intimamente associada à garantia do usufruto de seus territórios tradicionais. A consolidação territorial é que permite que as populações indígenas possam produzir seus alimentos por meio da pesca, caça, agricultura etc.”, destaca o trabalho.

Os piores resultados estão relacionados à saúde. A ausência de serviços básicos e as distâncias geográficas na região acabam excluindo as populações indígenas do atendimento de saúde. A alta incidência de malária, tuberculose  e doenças sexualmente transmissíveis entre essas populações confirma a desigualdade. A taxa de incidência de tuberculose entre os indígenas do Brasil, por exemplo, é 101 para cada 100 mil pessoas. A média nacional é 37,9 casos para cada 100 mil. Na Venezuela, há tribos que registram 450 casos de tuberculose para cada 100 mil pessoas. Continue lendo

Situação dos índios brasileiros é crítica também fora da Amazônia

Neste Dia Internacional dos Povos Indígenas, podem-se comemorar avanços nos direitos indígenas e 400 terras demarcadas no Brasil. Mas índios brasileiros ainda enfrentam adversidades. E não apenas no norte do país.

[DW, 9 ago 11] Pouco antes deste Dia Internacional dos Povos Indígenas (09/08), criado pela ONU em 1994, a organização Anistia Internacional divulgou um relatório alarmante sobre a situação dos povos indígenas no continente americano.

Intitulado Sacrificando Direitos em Nome do Progresso: povos indígenas ameaçados nas Américas, o documento cita o emblemático caso brasileiro de Belo Monte, no rio Xingu, e o dos Guaranis em Mato Grosso do Sul. Especialistas revelam que também as condições de vida dos índios no sul do país são preocupantes. Continue lendo

Indígenas no Brasil temem o progresso a qualquer custo

Índios da tribo Yanomami: resistência pela cultura

População indígena do Brasil ainda briga para ser ouvida pelas autoridades e teme que o progresso do país acabe com a sua cultura. E a construção da usina de Belo Monte é vista como grande ameaça.

Na data em que a Organização das Nações Unidas celebra o Dia Mundial dos Povos Indígenas, nesta segunda-feira (09/08), Sônia Bone Santos Guajajara, líder dos movimentos indígenas na Amazônia, demonstra um certo pessimismo ao pensar no futuro.

Guajajara usa o nome de sua tribo como sobrenome, e confessa uma certa preocupação quanto ao progresso brasileiro: “A tendência do Brasil é crescer, é se desenvolver, isso é uma meta do Estado. Mas não estão levando em consideração a vida das populações tradicionais e dos povos indígenas. Nós vamos resistir enquanto pudermos.”

Sônia fez história ao se tornar a primeira mulher a assumir um posto de chefia na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e ao concluir o ensino superior do curso de Letras na Universidade Estadual do Maranhão. Ela nunca se limitou às fronteiras naturais amazonenses: participou da Conferência do Clima em Copenhague e já representou o Brasil em reuniões do Fórum Permanente dos Povos Indígenas das Nações Unidas.

A terra e o progresso

Em 21 anos de história, a Coiab comemora alguns avanços, entre eles uma maior agilidade no processo de demarcação da terra. Mas os índios ainda precisam de proteção para se manter no território a eles garantido pela lei. “Os indígenas vivem ameaçados dentro das próprias terras, por conta de madeireiros, de fazendeiros, de donos do agronegócio, que vão expandindo a plantação e que fazem grande pressão sobre as terras indígenas”, conta Guajajara.

A região amazônica é marcada por interesses intrínsecos ao desenvolvimento do país. Mas os grandes projetos econômicos também trazem ameaças aos indígenas que, em muitos casos, são obrigados a mudar suas aldeias de lugar e deixar para trás heranças tradicionais.

“A proteção territorial é muito falha e ainda há terras por serem demarcadas, como no Mato Grosso do Sul e no Nordeste. Sem terras, os índios são levados à criminalização, o que é hoje uma questão muito grave para nós”, ressalta a líder.

Mas o maior desafio do movimento de resistência dos índios provoca também uma batalha nos tribunais brasileiros, tem um histórico de mais de 20 anos e, ao que tudo indica, se transformará em fato consumado: a usina hidrelétrica de Belo Monte.

A usina bilionária

“Não é que se é contra Belo Monte, ou contra todos os empreendimentos. Mas as coisas precisam ser feitas de forma legal. Há a declaração da ONU que dá a garantia de consulta livre, prévia e informada. E em Belo Monte não aconteceu nada disso. As comunidades não foram consultadas, não foram informadas”, lembra Sônia Guajajara.

Felício Pontes atua no Ministério Público Federal do Pará e acompanha a queda de braço na Justiça brasileira. O procurador federal move nove ações contra a usina e acredita que a legislação brasileira está a seu favor.

“O Brasil tem leis protetoras ambientais e indígenas muito fortes. O problema é que o governo mente sobre os efeitos que esses projetos terão, sobretudo na questão indígena. O presidente da República disse no programa Café com o Presidente que não haverá impacto nenhum sobre as comunidades indígenas. Mas haverá um impacto muito grande”, denuncia.

Dentre as funções da Procuradoria Federal, está a de defender os direitos sociais e individuais dos cidadãos perante a Justiça. Felício Pontes, que também nasceu no estado do Pará, diz que é impossível que a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, com barragens no rio Xingu, não tenha impacto sobre os povos indígenas – a região concentra a maior diversidade étnica indígena do país.

“O sistema judiciário é muito burocrático e lento. Faz com que a demora numa decisão judicial definitiva favoreça sempre a quem não tem razão. Isso explica a pressa do governo federal em que não haja uma decisão definitiva sobre o caso e a correria para que a obra seja feita”, argumenta.

A primeira ação judicial movida pelos procuradores foi ainda em 2001: ela pedia que os índios fossem ouvidos antes que Belo Monte virasse uma realidade. Mas as audiências públicas, que deveriam ser feitas no Congresso Nacional, nunca aconteceram.

Outros processos em andamento apontam erros no projeto e levantam dúvidas sobre a quantidade de energia que será gerada na usina.

O Ministério Público do Pará está acostumado a brigar pelo direito dos indígenas, já que o estado tem forte presença desses povos. Já ganhou processos contra diversas mineradoras que exploram a Amazônia – inclusive contra a gigante Vale, que foi obrigada a pagar indenização por construir uma estrada de ferro numa reserva indígena no sul do estado.

“No caso de Belo Monte, nós não estamos tendo agora resultados positivos. Mas se não tivéssemos entrado com a primeira ação em 2001, a usina hoje já estaria construída. Só não saiu do papel ainda por conta das ações que movemos desde então”, avalia o procurador federal.

A empresa Norte Energia é a responsável pela construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, estimada em 19 bilhões de reais, segundo a própria companhia. A construção ainda não foi iniciada, mas a previsão é que a usina comece a operar parcialmente em 2015.

Fonte: DW, 10 ag0 2010

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Rodrigo Rimon