Arquivo da tag: Religião

Vodou Haitiano: O poder do que se vê e do que não se vê

“Eu sou haitiano. Eu saí do ventre da África Guiné. Eu fui transportado para o Haiti. Eu misturei meu sangue com o sangue dos índios, que foram os primeiros donos desta terra. Eu misturei meu sangue com o sangue dos brancos, que me escravizaram. Eu sou haitiano. Ser que é feito de corpo, ser que é feito de alma. O poder de Olowoun me deu a responsabilidade de conduzir, respeitar e aproveitar tudo aquilo que eu posso ver e tudo aquilo que eu não posso ver sobre esta terra.”

Assim começa a oração entoada por centenas de camponeses e camponesas que participaram nos dias 11 a 14 de agosto, nas montanhas de Mawotyè no Noroeste do Haiti, do Encontro de Vodouizantes, em homenagem aos 219 anos da celebração vodou mais famosa da história: a Cerimônia de Bwa Kayiman.

Na noite de 14 de Agosto de 1791, cerca de duzentos escravos e escravas se reuniram nas matas de Bwa Kayiman, extremo norte do país. Cada uma dessas pessoas havia sido convocada pessoalmente em diferentes rincões da ilha. O homem que deu origem a essa convocatória se chama Boukmann. Ele é um Hougan, sacerdote principal do Vodou. Dentre os presentes estão todos os futuros comandantes da Revolução Haitiana, como Jean Jacques Dessalines, Toussaint Louverture e Capois La Mort. Boukmann explica que foram os Lwas, espíritos do vodou, que decidiram reunir todos eles. Não para pedir-lhes algo, mas sim para comunicar-lhes da decisão dos Lwas: iniciar a batalha pela libertação do Haiti.

Com o sangue proveniente do sacrifício de um porco, um pacto secreto e sagrado é selado entre os presentes na cerimônia. Uma pacto que transcende a vida e a morte, entre eles e os espíritos, que garantiria o triunfo sobre o inimigo europeu. 13 anos depois da Cerimônia de Bwa Kayiman, derrotando os três maiores exércitos europeus da época – Espanha, Inglaterra e França -, os negros e negras haitianos levam a cabo em 1804 a primeira revolução de escravos vitoriosa da história e declaram o Haiti território livre e independente.

“Passados 219 anos desde que nossos ancestrais decidiram se levantar contra o mal que assolava nossa nação, nós vivemos hoje em dia sob o jugo da mesma exploração, da mesma miséria da época colonial”, afirma o hougan Monmus Ervilus Tibos aos participantes do Encontro Vodouizante em Mawotyè. “Nós precisamos construir um novo Bwa Kayiman. Nós precisamos de um novo Boukmann, de um novo Dessalines entre nós”, conclama Tibos, entre palmas e gritos de Ayibobo! (aleluia) dos camponeses e camponesas presentes.

Mas, afinal, que religião é essa na qual os vivos e os espíritos caminham juntos em busca da liberdade de seu povo?

Lwas libertadores

Com sua origem entre os escravos do antigo Egito, cultivada por distintas etnias africanas, o vodou, nas palavras da pesquisadora venezuelana Jenny Gonzalez Muñoz, “é um viajante que acompanhou os escravos africanos na longa travessia a bordo dos navios negreiros”. Muñoz acrescenta que “ao chegar às terras que constituem atualmente o Haiti, esta crença ou prática religiosa se enriquece com os aportes nativos e europeus. Seu culto se focaliza em gênios e deuses como uma homenagem aos Lwas, que transcendem a forma material humana ou animal, em um ato de fé onde os Hougan e os Bòkò, quer dizer, os sacerdotes e os médiuns, se convertem em verdadeiros canais de comunicação entre os seres transcendentais e os terrenos”.

Ao trazer o sobrenatural para a realidade cotidiana, colocando os espíritos dos ancestrais lado a lado com os viventes, o vodou se configura numa ferramenta de união e identidade entre os escravos haitianos, criando assim uma solidariedade possível somente quando se compartilha algo que os une desde o além. É por essa razão que o vodou ganha força crescente na ilha como uma forma de organização que aglutina as tendências emancipatórias e revolucionárias. Esclarece González Muñoz, em seu artigo Vaudou: herencia africana en la sangre americana, que “sob a figura do vodou e do kreyòl, o primeiro como fé que tem como denominador comum a procedência e as condições de seus fiéis, e o segundo como idioma único não compreensível para os europeus, se cria uma espécie de cumplicidade entre os escravos”. Essa cumplicidade incompreensível se converterá num poder que se lançará contra o inimigo para imprimir-lhe o temor e a derrota.

Não seria errado afirmar, dessa forma, que as palavras e sons sagrados do vodou foram o ponto crucial da libertação do povo haitiano.

Represália ocidental

Tamanha ousadia não sairia impune, pelo menos aos olhos dos brancos. Não tardou muito para que as elites ocidentais lançassem sua represália contra o vodou e seu rebento, a revolução haitiana.

Se o Haiti sofreu com embargos econômicos, pagamento compulsório da dívida da independência, sucessivas ocupações militares estrangeiras e a ingerência constante das potências norteamericanos e européias -que o transformaram da colônia mais próspera do século XVIII à nação mais pobre do continente americano no século XXI-, o vodou foi rapidamente identificado pela civilização branca ocidental como uma crença selvagem e primitiva, que cultuava forças satânicas e praticava a magia negra.

Essa tentativa de deslegitimação do vodou foi reforçada pelas autoridades católicas e protestantes, em aliança com as elites locais. Não custa lembrar que a entrada das igrejas protestantes no Haiti ocorreu justamente no período da primeira ocupação militar estadunidense, entre 1915 e 1934. E que são as organizações católicas e protestantes que dominam o ensino no país. Atualmente, 60% das instituições de ensino haitianas estão nas mãos de entidades cristãs.

O resultado dessa empreitada foi o fortalecimento do preconceito e perseguição contra o vodou e seus praticantes. Dezenas de hougan foram presos e assassinados e as celebrações vodou se tornaram cada vez mais clandestinas. Foi somente em 1987 que essa perseguição começou a perder parte de seu ímpeto, quando a atual Constituição Haitiana foi promulgada, dando plenos direitos de culto aos vodouizantes.

As estatíticas oficiais indicam que 80% dos haitianos se declaram católicos, 16% protestantes e apenas 3% vodouizantes. Esses dados, entretanto, não indicam a verdadeira força do vodou entre o povo haitiano. Lidando com o forte preconceito que ainda persiste contra os vodouizantes declarados, não é raro encontrar um haitiano ou haitiana que se proclama cristão, frequenta missas e cultos pela manhã, e no calar da noite busca os tambores vodou no meio das matas para dançar e cultuar os Lwas.

Mais do que uma religião

Mas não é só por essa razão que se pode medir a força do vodou. Presente principalmente no meio camponês, que representa 66% da população haitiana, o vodou se expressa por outras formas além do culto aos Lwas. Uma dessas expressões é o Rara, que engloba danças, ritmos e instrumentos musicais nascidos da junção entre as celebrações vodouizantes e os mutirões de trabalho nas roças camponesas. Com presença garantida em todas as festividades no meio rural, o Rara tem no mês de abril o seu momento de ápice, quando concursos e festas de rua se espalham por todo o campo haitiano, com bandas e grupos Raras que arrastam milhares de seguidores, naquele que é conhecido como o carnaval camponês do Haiti.

Outra função importante desempenhada pelo vodou é na área da saúde. Num país que possui apenas um hospital para cada 200.000 habitantes, os Hougan e Mambò – sacerdotes e sacerdotisas – jogam um papel fundamental no tratamento das famílias camponesas. Detentores do ‘segredo das folhas’, com seu conhecimento ancestral em medicina natural e alternativa, são eles que costumam curar boa parte das enfermidades que assolam os camponeses e camponesas haitianos.

De fato, sendo o Estado no Haiti praticamente inexistente e incapaz de estender seus serviços básicos à grande maioria do campo haitiano, o vodou se configura como uma poderosa organização social capaz de articular dentro de si atividades religiosas, culturais, sociais e políticas.

O vodou e a reconstrução

Entretanto, apesar de toda essa representatividade e experiência, que poderiam ajudar o país a superar o atual momento de ocupação militar das tropas da MINUSTAH e de refundação da nação após o terremoto de 12 de Janeiro de 2010, o vodou e seus representantes não estão inseridos nos debates e espaços públicos de reconstrução do Haiti.

Um exemplo dessa segregação é o CIRH -Comitê Provisório para a Reconstrução do Haiti-, criado em março deste ano com a responsabilidade de definir e gerir os recursos e projetos para a reconstrução pós-terremoto. Com a participação de diversos estrangeiros e presidida pelo estadunidense Bill Clinton, o CIRH não conta com a presença de nenhum hougan ou representante vodouizante.

“Por que os vodouizantes não estão participando do processo de reconstrução do país?” indaga Dyo Fenne Lendi, hougan porta-voz da Zantray (Zanfan Tradiksyon Ayisyen), organização nacional que congrega hougans e vodouizantes de todo o país e que convocou o Encontro de Mawotyè. “Boukman não construiu o Bwa Kayiman para nós servimos ao estrangeiro. Não podemos nos tornar uma mercadoria nas mãos dos políticos e poderosos. Foi através do vodou que nossos ancestrais derrotaram a exploração escravista e será a partir dele que nós vamos tirar nossa nação da situação em que ela se encontra”, assegura Dyo Fenne.

É neste sentido que a Zantray está construindo, junto com outros 600 centros Vodou, a Confederação Nacional dos Vodouizantes Haitianos (KNVA). Mais do que reivindicar sua inclusão na atual sociedade haitiana, os vodouizantes da Zantray buscam a construção de uma novo Haiti, que resgate os principios de solidariedade e soberania de Boukman, Dessalines, Toussaint e Capois La Mort.

Ópio do povo?

Quando afirmou que a religião era o ópio do povo, Karl Marx provavelmente não conhecia o Vodou haitiano. Tivesse entrado em contato com a religião construída pelos escravos e escravas desta ilha, o autor de O Capital talvez mudasse sua afirmação. Sem esconder certa malícia dialética, diria que, neste caso, o Vodou é e não é o ópio do povo.

Ao conjugar o transcendental e o terreno, a fé e a prática, a mística e a política, o Vodou vai mais além de uma simples religião e se transforma num instrumento original de união e poder do povo haitiano na sua luta por libertação.

Thalles Gomes é cineasta, jornalista e membro da Brigada da Vía Campesina Brasileira, no Haiti
Fonte: Adital, 27 ago 2010

Empresa desenvolve filtro que evita sites religiosos

A empresa estadunidense GodBlock desenvolveu um filtro, de mesmo nome que, instalado em computadores, bloqueia a navegação por sítios de cunho religioso na internet.

A notícia é da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 19-08-2010.

O filtro testa cada página acessada, antes que ela seja carregada no computador, verificando se nela existem passagens de textos sagrados, nomes de figuras religiosas ou outros indicativos de propaganda religiosa.

A GodBlock, que se apresenta como empresa sem fins lucrativos, oferece esse serviço a pais e escolas “que desejam proteger seus filhos de materiais muitas vezes violentos” e prejudiciais presentes em textos religiosos.

Na divulgação do produto, sítio web da GodBlock assinala que fundamentalismos de caráter evangélico, mórmons, batistas, muçulmanos e judeus têm impedido o progresso da ciência nos Estados Unidos.

A empresa entende que crianças não estão em condições de se decidir por esta ou aquela religião, e que, bem por isso, precisam ser protegidas, tarefa que cabe aos pais.

Fonte: IHU, 20 ago 2010

Confissões à Inquisição mostram os hábitos sexuais dos brasileiros no século XVI

Autor da certidão de nascimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha não se encantou apenas com os dotes da natureza, como o solo fértil ou as águas infinitas. O escrivão português dedicou algumas linhas à nudez das índias, que “de (…) muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”. Morria ali, no berço, qualquer chance de que a nova colônia lusitana fosse conhecida como uma terra de pudores. A liberdade sexual deu o tom de todo o século XVI, surpreendendo até o temido Tribunal da Santa Inquisição, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Sexualidade (Nusex), da Universidade Estadual Paulista.

O grupo elabora uma historiografia da vida sexual do brasileiro, buscando na Colônia a origem de hábitos e preconceitos que permanecem até hoje . No século XVI, a falta de recato da nova colônia fez corar até um enviado da Igreja acostumado a ouvir barbaridades. Visitador da Inquisição no Nordeste em 1591, onde ficou por quatro anos, o padre Heitor Furtado de Mendoça veio à Colônia com a missão de vigiar os cristãos-novos, acusados de se aproveitarem da distância da Europa para abraçar novamente os ritos judaicos – um crime conhecido como apostasia. Entre as confissões coletadas, no entanto, destacaram-se aquelas envolvendo práticas sexuais condenadas pelo catolicismo.

– O século XVI foi marcado pela ambivalência sexual – avalia o psicólogo Paulo Rennes, coordenador do Nusex, co-autor dos estudos com as pesquisadoras Shirley Romera e Anne Caroline Scalia. – Ao mesmo tempo em que se fazia muito sexo, a Igreja aumentava o controle e as normas proibitivas. O povo queria satisfazer o desejo, e o fazia com muita intensidade, mas vivia com o medo de ser punido ao transgredir as regras católicas. A introjeção da culpa e do pecado levou muito tempo para se cristalizar, e nos anos 1500 este caminho ainda estava sendo trilhado. Principalmente no Brasil, onde, com a distância da metrópole, houve flexibilização das atitudes e do comportamento sexual muito maior do que a religião desejaria.

Fogueira não inibia poligamia

O explorador português, senhor de tantas terras, já não era estranho ao conceito de miscigenação. Uma inicial condenação a índias nuas passava rapidamente à tolerância. Conquistá-las era, inclusive, uma questão estratégica: unir-se a uma mulher garantia a fidelidade de toda a sua família – algo bem-vindo para o marido branco, entre tribos hostis.

A poligamia era popular entre os colonos – muitos já casados na metrópole. Os portugueses não escondiam uma certa admiração por seus inimigos tupinambás, que tinham até 14 mulheres. Quando cansavam de uma, a davam de presente para alguém. A tribo era, também, uma notória adepta da sodomia. Essa prática merecia condenação enfática da Igreja.

Foi, de fato, um século masculino. Os homens escolhiam com quem teriam relações. As índias usufruíam de situação semelhante, embora fossem dominadas pelo pretendente. As negras, escravizadas, não tinham opção.

As mulheres brancas, ainda em baixo contingente, cambaleavam entre manifestações de força e fragilidade. Diversas mandaram cegar as amantes do marido. Mas, de frente para o homem, apelavam a uma simpatia para evitar humilhações: durante o sexo, proferiam, em latim, as mesmas palavras com que os padres ofereciam a hóstia. Assim, segundo a crença, impediriam os maus-tratos.

Fonte: O Globo, 24 jul 2010

Nenhuma religião evita divórcios, aponta pesquisa

O que Deus uniu o homem separa. Um cruzamento entre dados de estado conjugal e religião realizado pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp a pedido da Folha mostra que a fé não segura casamentos.

A proporção das mulheres separadas, desquitadas ou divorciadas de cada igreja é muito similar à distribuição das crenças pela população.

A base utilizada foi a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, de 2006, do Ministério da Saúde e abarca mulheres em idade reprodutiva (entre 15 e 49 anos).

Se é relativamente fácil constatar que a fé não mantém casais unidos, bem mais difícil é descobrir o que o faz.

Segundo a pesquisadora Joice Melo Vieira, que cruzou os dados, estudos no Brasil e no exterior mostram que a preocupação é estar em relações satisfatórias. Como a separação já não é tão estigmatizada, o fim da união é sempre uma possibilidade quando as coisas vão mal.

No final, relata Vieira, o que faz casais à beira da separação pensarem duas vezes são a situação dos filhos e a questão financeira. Como hoje mais mulheres trabalham, a dependência econômica não segura mais o casamento. Já os filhos o fazem apenas por tempo limitado.

Estudos europeus apontam que durante a gravidez e o primeiro ano de vida da criança é mais baixa a chance de os pais se separarem.

Mas, à medida que os filhos crescem, esse deixa de ser um fator importante, e a probabilidade de separação volta a ser igual à de casais que nunca tiveram filhos.

RELAÇÃO IGUALITÁRIA

Embora não haja uma receita para o sucesso da união, existem fatores preponderantes. O mais eficiente é a distribuição das tarefas familiares e domésticas entre o homem e a mulher. Quanto mais igualitária for, menores são os riscos de ruptura.

A maioria dos religiosos ouvidos pela Folha não se surpreendeu com os dados.

Para o padre Eduardo Henriques, a religião “entra em diálogo com outros elementos da cultura e há níveis diferentes de adesão à fé”. Há desde o sujeito que se casa na igreja só para contentar a família até os que realmente creem no sacramento.

O pastor batista Adriano Trajano é mais veemente: “Religião não segura nada. O casamento deve estar seguro por amor, confiança, caráter e dedicação. Nenhuma dessas virtudes é conferida pela religião. O indivíduo precisa ser educado nelas”.

Marcos Noleto, teólogo adventista, diz que o abismo entre teoria e prática vai além do casamento: “Em números redondos: só 20% são dizimistas; 30% frequentam os cultos do meio de semana”.

Uma exceção parcial é o pastor luterano Waldemar Garcia Jr.: “As estatísticas podem até afirmar algo diferente, mas vejo que a religião auxilia na manutenção saudável das relações. Temos um trabalho de aconselhamento, com função preventiva”.

Hélio Schwartsman

Fonte : Folha SP, 22 jul 2010

Para filósofos, criação de bactéria sintética é momento histórico

DNA strands on abstract background

A criação de uma bactéria sintética pelo americano Craig Venter e sua equipe é considerada um divisor de águas na biologia, segundo especialistas.

“Este é um momento histórico na biologia e na biotecnologia”, afirmou o filósofo Mark Bedau, do Reed College (Portland, EUA), em entrevista à revista “Science”.

“O trabalho de Venter o coloca numa posição próxima a Deus: a criação de vida que nunca poderia ter existido naturalmente”, disse Julian Savulescu, professor de ética da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

A equipe de Venter inseriu um genoma artificial dentro de uma bactéria sem genoma e conseguiu fazer com que essa bactéria passasse a obedecer os comandos do novo genoma.

O experimento custou cerca de US$ 40 milhões, necessitou do trabalho de 20 cientistas e levou mais de 10 anos para ser concluído.

Segundo Venter, a possibilidade de inserir genomas artificiais em bactérias é o início de uma nova era. Venter cita a possibilidade de bactérias sob medida produzirem biocombustíveis, absorverem gás carbônico da atmosfera e até manufaturarem vacinas.

A equipe agora pretende usar organismos sintéticos para descobrir qual o número mínimo de genes necessários para sustentar vida. Isso permitiria criar novos organismos, simplesmente adicionando genes a esse genoma mínimo.

Críticos, incluindo grupos religiosos, condenaram o trabalho. Eles temem que organismos artificiais possam escapar dos laboratórios e causar danos imprevisíveis ao meio ambiente.

Venter já era figura polêmica nos anos 1990 quando entrou com pedidos de patente para 300 genes sequenciados.

Fonte: Folha Online, 20 maio 2010

O discurso religioso na comunicação

Yellow bridge

Por Rogério Faria Tavares*

Belo poema recitado com esperança pela humanidade ao longo dos tempos, a religião tem sido uma das formas mais empregadas pela espécie para organizar e esclarecer suas relações com os mistérios que permeiam a criação, a existência e a morte e para cultivar as dimensões mais sutis (ou transcendentes) de sua experiência na Terra, o que se costuma chamar, com grande freqüência, de espiritualidade. Importante elemento formador da visão de mundo e da cultura de praticamente todos os povos, a religião também é portadora de ensinamentos éticos e morais que moldaram civilizações, influenciaram o curso da história e definiram vários de seus avanços e retrocessos.

Capaz de mobilizar numerosos contingentes populacionais em torno de ideologias e condutas específicas, já serviu aos mais variados propósitos: foi usada como justificativa para guerras e para a celebração da paz; para a construção de palácios e a derrubada de impérios; a promoção de virtudes e de vícios; a divulgação da fraternidade e da compaixão, da intolerância e do ódio.

A religião sempre gerou alto impacto sobre as comunidades humanas e, em muitos casos, conseguiu dividi-las e reagrupá-las segundo seus mandamentos. Por muitos séculos, prevaleceu no campo da política e da administração da convivência coletiva, chegando a influenciar até, em diversas ocasiões, o modelo de trocas econômicas. Em muitas nações, notadamente no hemisfério oriental, prossegue até hoje comandando os negócios do Estado e gerindo a produção das normas jurídicas.

Amor, solidariedade e justiça

Responsável por revelações sagradas e enunciadora da “verdade”, a religião sempre foi muito eficiente para conferir sentido à vida de milhões de indivíduos. Ao longo de seu percurso como uma das mais prestigiadas dimensões da atuação humana, desenvolveu importante poder de comunicação e consolidou imenso público disposto a consumir com avidez e convicção a sua mensagem, potente o bastante para resolver impasses e dirimir dúvidas, superar o medo, trazer o consolo, aliviar a dor e afastar o absurdo e o imponderável, aceitar o passado, enfrentar o presente e acreditar no futuro.

Competente na elaboração de mitologias e hábil no uso de recursos como a linguagem simbólica, a religião dominou com desenvoltura as técnicas típicas da oralidade. Quando a tecnologia para a transmissão de idéias ainda estava em seus primórdios, a informação religiosa já estava entre as mais difundidas. Na medida em que o progresso ia engendrando outros modos de distribuição de conteúdo, a religião aprendia, rapidamente, a beneficiar-se deles. Foi o que ela soube fazer quando surgiram a escrita, o livro e a palavra impressa. E é o que ela faz até hoje, quando ocupa espaço no rádio, na televisão e nas mídias digitais.

Não há fenômeno mais previsível, portanto, que a presença do discurso religioso nos meios de comunicação de massa. A religião está na vida do povo. Como estaria ausente dos jornais, do rádio e da televisão? Essa presença não deve ser vista como negativa. Ainda que seja acusada de iludir e manipular as multidões (o que, em incontáveis episódios da história, de fato ocorreu), a religião também oferece oportunidades valiosas, e talvez inigualáveis, para refinar e elevar os padrões de conduta costumeiros da espécie humana. Ela lança um olhar fundamental sobre a realidade e propõe forma particular de representá-la e vivê-la. Sua mensagem essencial quase sempre aponta no sentido da promoção do amor, da solidariedade e da justiça, valores que ajudam o ser humano a viver melhor e mais feliz.

Respeito absoluto por outra fé

Não há nada mais natural e compreensível que a intensa presença do discurso religioso na mídia. A religião sempre quer a ampla disseminação de seus paradigmas, conquistar adeptos, perseguir sonhos de hegemonia, estabelecer territórios e manter-se notória e vigorosa. É anseio maior de toda e qualquer religião tornar-se perene e universal, atravessando as diferentes épocas históricas e alargando suas fronteiras geográficas, conservando e atualizando a sua validade e seduzindo as novas gerações.

Essa vocação da religião para a massiva comunicação pública, entretanto, só pode realizar-se, pelo menos nos países em que vige o Estado (laico) de Direito, como é o caso do Brasil, dentro da plena observância das regras jurídicas postas pelo ordenamento pátrio para o relacionamento harmonioso entre os cidadãos.

Responsável por consagrar, em distintos incisos de seu artigo quinto, a liberdade de expressão, a liberdade de consciência e de crença e o livre exercício dos cultos religiosos, a Constituição Federal de 88 oferece as garantias necessárias para que a cidadania possa professar, se for de sua vontade, o credo que bem entender, sem submeter-se a constrangimentos ou represálias.

Em primeiro lugar, isso significa que qualquer corrente de pensamento religioso pode manifestar-se sem restrições, inclusive pelos meios de comunicação. (As sérias distorções causadas pelo acesso desigual aos recursos financeiros para investir em mídia são tema complexo, deslocado para debate posterior.) Em segundo lugar, significa que, quando ocupa os meios de comunicação, a religião deve tratar com absoluto respeito todas as pessoas e instituições que pratiquem outra fé ou divulguem visão distinta da sua.

Pluralismo e convivência pacífica

Vale lembrar, igualmente, que os ateus ou agnósticos merecem exatamente o mesmo apreço normativo conferido pela ordem jurídica aos que crêem. Eles jamais poderão ter seus direitos e liberdades ameaçados ou tolhidos sob nenhum pretexto. Por isso, quando ocupa a mídia, a religião não pode tratá-los com desprezo, preconceito ou discriminação.

Quando ocupa a mídia, uma religião não pode formular ofensas ou ataques que maculem a reputação de outra. Também não é aceitável que trate qualquer delas como algo primitivo, excêntrico, exótico, ameaçador ou diabólico. Agredir esta ou aquela crença religiosa é atitude que merece repulsa social e repressão legal imediata. Quando isso ocorre no rádio ou na televisão é fato ainda mais grave, já que ambos são serviços de interesse público explorados sob regime de concessão.

Finalmente, não é possível, no contexto de uma democracia política como a nossa, conceder qualquer vantagem a determinada religião em detrimento das demais, uma vez que todas propiciam legítimas respostas aos anseios de fé dos cidadãos. Todas são dignas de idêntica consideração, independente da matriz cultural ou étnica a que estejam eventualmente filiadas. Não se pode instituir a menor hierarquia entre elas, nenhuma ordem de precedência ou sistema de privilégios. (Obviamente, não se pode chamar de religião o que é somente a prática do charlatanismo, o comércio dos milagres e de curas com fins de enriquecimento fácil tipificado como crime pelo artigo 283 do Código Penal Brasileiro.)

A atitude reclamada pela razão é fomentar o ecumenismo e o diálogo interreligioso, tão desejado e tão viável, haja visto o expressivo número de pontos comuns a todos os credos. O pluralismo e a convivência pacífica entre as diferenças são duas das expressões mais saudáveis de uma sociedade democrática. A sociedade brasileira não pode tolerar os intolerantes. Seria perigoso demais para o futuro com que sonhamos.

Fonte: Observatório de Imprensa, 16 março 2010

*Rogério Faria Tavares é advogado, jornalista, mestre em Direito Constitucional (UFMG) e doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri

Se a religião é o “ópio do povo” é também “o suspiro dos oprimidos”

Por Tariq Ali, 28 fev 2010

Perdoem um observador externo, ateu convicto ainda por cima, que ao ler os recentes comentários da imprensa francesa sobre Ilhem Moussaid, a candidata do NPA a Avignon com um lenço na cabeça, teve o sentimento de que havia alguma coisa estragada na política cultural francesa. Recomecemos.

À evidência, Ilhem está de acordo com um programa que defende o aborto, a contracepção, etc., quer dizer com o direito duma mulher decidir da sua vida em toda a liberdade. Mas ela não tem o direito de escolher o que põe na cabeça. É mesmo surpreendente.

Nenhum preceito corânico está em causa. O Livro diz: “Que elas coloquem os seus véus sobre si e dissimulem a sua beleza”. Um mensagem corânica que pode ser interpretada de diferentes maneiras. Aliás é contornado por numerosas egípcias que se arranjam com lenços embora moldados em jeans, quando se cruza o Cairo. São tradições patriarcais e culturais que estão em jogo e que variam duma geração para outra. Reenviar as pessoas para o seu gueto não interessa a ninguém. Cresci numa família comunista em Lahore. A minha mãe nunca usou o lenço. Nos anos 1950 tinha fundado um grupo feminista que trabalhava com mulheres das classes populares. Muitas mulheres de diferentes partes do mundo, muçulmanas ou não, contar-vos-ão histórias similares.

As argelinas que lutaram na resistência contra o colonialismo republicano francês fizeram-no em nome do anti-imperialismo. Algumas estavam veladas, outras não. Isso não modificou nem a sua maneira de lutar nem os método utilizados pelos franceses para as torturar. Talvez os seus carrascos se devessem ter mostrado mais brutais com as resistentes veladas a fim de que a sua progenitura se integrasse melhor na República?

Em 1968-1969 os estudantes paquistaneses, operários, empregados e mulheres – entre as quais prostitutas – bateram-se durante três meses conta a ditadura militar, E ganharam. Foi a única vitória no curso desses anos. Os grupos religiosos, que apoiavam os militares, foram isolados e desfeitos. E numerosas estudantes que se batiam conosco traziam o lenço e escandiam slogans contra o Jamaat-il-Islami. Faltamos aos nossos deveres ao aceitar que elas participassem nas manifestações sem retirar o lenço? Por razões estéticas teria preferido que andassem de cabeça nua, mas no que respeita ao nosso combate isso não mudava nada.

A cólera que levantou Ilhem Moussaid está deslocada. Deveria ter sido dirigida contra os responsáveis do milhão de mortos no Iraque, o cerco ininterrupto de Gaza por Israel e Egito, o assassinato de inocentes no Afeganistão, os ataques de aviões não-pilotados americanos no Paquistão, a exploração brutal do Haiti, etc. Perguntamo-nos qual é a causa desta fúria desviada.

Há alguns anos notei que em França as manifestações contra a guerra no Iraque eram quase inexistentes comparadas com o resto da Europa do Oeste. Recuso-me a explicá-lo pela tomada de posição de Jacques Chirac contra esta guerra. Fundamentalmente trata-se dum problema de islamofobia: uma intolerância crescente para com o Outro na sociedade francesa que não deixa de lembrar a atitude dos franceses em relação aos judeus no decurso do séc. 19 e, sobretudo, no início do 20.

Mais tarde é o conformismo ambiente que explicava a popularidade de Vichy durante os primeiros anos da guerra. Os islamófobos e os antisemitas tiveram muitas coisas em comum. As diferenças culturais ou de “civilização” são postas em evidência para sancionar as comunidades de imigrantes na Europa. Mas os imigrantes e os países para onde imigram não se assemelham. Tomem o caso dos Estados Unidos. Eis um território povoado por imigrantes em grande número, a partir do séc. 17, eram protestantes fundamentalistas e, desde então, depende da imigração.

Na maior parte dos países da Europa de Oeste a primeira grande vaga de imigração provinha das antigas colônias. Na Grã-Bretanha os imigrados vinham das ilhas das Caraíbas e da Ásia do Sul, e em França do Magrebe. Sem renunciar à sua identidade integraram-se de diferentes maneiras e a diferentes níveis. Os asiáticos do Sul, principalmente camponeses mas também operários, não foram muito bem tratados pelos sindicatos.

Apesar disso, os operários imigrados da Ásia do Sul conduziram lutas memoráveis pelo sindicalismo. Os indianos, em particular, vinham duma cultura muito politizada onde o comunismo estava bem representado e trouxeram a sua experiência para a Grã-Bretanha. Os paquistaneses, menos politizados, tendiam a reproduzir os grupos que reflectiam a lealdade aos clãs das suas aldeias ou das aldeias de origem.

Os diferentes governos britânicos encorajaram a religião reclamando mulás, a fim de que os imigrados fossem mantidos à margem das correntes racistas da classe operária durante os anos 1960 e 1970. Em França foi a integração forçada. Ensinava-se a cada um que tinha os mesmos direitos que qualquer outro cidadão, o que era desmentido pelos factos. As necessidades materiais e um desejo de viver melhor é que alimentaram a cólera, não as crenças religiosas.

Durante os tumultos nos subúrbios em 2005, Nicolas Sarkozy, então ministro do interior, tal como os ultras nos romances de Stendhal, falou da “canalha”. Fiz muitas vezes notar que, para grande desgosto de alguns esquerdistas, os garotos que se revoltaram tinham integrado o melhor das tradições francesas: 1789, 1793, 1871, 1968. Quando a opressão se tornou intolerável os jovens barraram as estradas e atiraram-se à propriedade. As privações, não a fé, é que estão na origem da sua cólera.

Quantos cidadãos ocidentais têm uma ideia precisa do que foi realmente o período das Luzes? Os filósofos franceses fizeram sem dúvida progredir a humanidade ao não reconhecer nenhuma autoridade externa, mas havia uma face mais sombria. Voltaire: “Os Brancos são superiores aos Pretos, como os Pretos o são em relação aos macacos”. Hume: “Na Jamaica falam dum Preto que seria um homem erudito; mas é provável que ele seja admirado por fracos talentos, como um papagaio que pronuncia algumas palavras claramente”. E não faltam exemplos do mesmo calibre entre os seus amigos pensadores. É este aspecto das Luzes que me parece o mais afinado com os delírios islamófobos de alguns meios de comunicação do mundo globalizado.

Marx escreveu bem que a religião era “o ópio do povo”, mas a frase que se segue, onde a qualifica como “suspiro dos oprimidos” é o mais das vezes esquecida. Ela explica em parte a subida da religiosidade em cada comunidade depois da queda do comunismo. Os pais dos jovens das escolas normais que se juntam para celebrar a missa estão horrorizados. As minhas amigas do mundo muçulmano queixam-se que as filhas põem o lenço para protestar contra as normas familiares. Foi sempre assim.

Artigo publicado no jornal Le Monde de 20 de Fevereiro de 2010 e republicado em Esquerda.net, com tradução de Paula Sequeiros

Bispos criticam lei antiblasfêmia motivada por imagem de Jesus fumando na Índia

Fonte Folha SP, 25 fev 2010

Os bispos indianos repudiaram nesta segunda-feira a introdução de novas leis contra a blasfêmia, promovidas pelo governo de Meghalaya, no nordeste da Índia, e motivada pela divulgação de uma imagem de Jesus Cristo fumando e segurando uma lata de cerveja em um livro usado nas escolas do Estado.

Em um comunicado da Conferência dos Bispos Católicos da Índia (CBCI), os religiosos dizem estar “profundamente ofendidos pela imagem blasfematória de Cristo publicada nos livros escolares”, mas criticam a reação exagerada do Estado de criar uma lei “antiblasfêmia”.

Eles defendem que o governo deve promover “ações legais contra os responsáveis” pela blasfêmia e não contra toda a população.

Os bispos dizem ainda que já existe no Código Penal indiano um artigo que prevê penas contra ações que “firam os sentimentos religiosos da população”.

“Este tipo de lei pode ser distorcido ou manipulado por grupos fundamentalistas, como ocorre no vizinho Paquistão, o que não faz bem aos crentes”, esclarecem os bispos, que pedem ainda ao governo do país que “promova, garanta e defenda o respeito aos símbolos religiosos de todas as comunidades crentes, em toda a Índia”.

No Paquistão, a lei contra a blasfêmia é apontada como um dos motivos da constante violência contra os cristãos. A medida, de 1973, estabelece que a difamação de Maomé ou a profanação do Alcorão seja punida com a morte e prisão perpétua.

No segundo semestre do último ano, um massacre deixou pelo menos sete cristãos mortos e 20 feridos em Gorja, no centro paquistanês. As casas de cem religiosos também foram queimadas porque eles teriam profanado uma cópia do livro sagrado muçulmano.

Obra que retrata religiosos empilhados é criticada na Espanha

Anelise Infante, BBC Brasil, 20 fev 2010

Uma escultura que traz elementos religiosos católicos, judeus e muçulmanos foi vendida em três minutos na feira de arte contemporânea de Madri, Arco 2010, e se tornou a obra de arte mais polêmica do evento.

Chamada Stairway to Heaven (Escadaria para o Paraíso), a obra do artista espanhol Eugenio Merino retrata três homens rezando, um em cima do outro: um muçulmano, sobre ele um sacerdote católico e acima dos dois um rabino judeu, todos eles segurando livros sagrados das religiões dos demais – o Alcorão, a Bíblia e a Torá.

A obra foi vendida por 45 mil euros (R$ 112 mil) a um colecionador belga cuja identidade não foi divulgada. A escultura provocou a ira dos fiéis na Espanha e recebeu queixas oficiais.

Ao lado dela, aparece outra escultura que une uma metralhadora Uzi com uma menorá (candelabro ritual judaico).

A primeira reclamação saiu da embaixada de Israel em Madri. Em uma nota à direção da feira, o governo do Estado judaico diz que as peças “contêm elementos ofensivos para judeus, israelitas e certamente para outros.”

A embaixada classificou as esculturas como “uma mensagem cheia de preconceitos, estereótipos, provocações gratuitas e que fere a sensibilidade por muito que pretenda ser uma obra artística”.

A Conferência Episcopal da Espanha também reclamou. Através de comunicado à Arco os representantes do alto clero descreveram a peça com os religiosos como “provocação blasfema absolutamente desnecessária”.

‘Mentes fechadas’

Mas apesar das reclamações feitas logo no primeiro dia do evento, a galeria espanhola ADN, que representa o autor, não tem medo de represálias e afirma não entender a polêmica levantada pela escultura.

O proprietário da galeria, Miguel Ángel Sanchez, disse à BBC Brasil que a peça “deveria ser vista pelo lado positivo de um encontro religioso porque não há nada de ofensivo ali”.

Já o autor da escultura acha que o problema “não é a obra dele”, mas as interpretações que possam ser feitas “por mentes fechadas”.

“Cada um é livre para pensar o que quiser. Fiz uma peça que fala da unidade de religiões. Uma torre com as três grandes religiões que se juntam para chegar ao mesmo fim, que é Deus”, disse Merino à BBC Brasil.

“Mas se as mentes fechadas querem ver outra coisa, aceito a crítica. Só que eles também têm que aceitar meu trabalho”, afirmou o artista.

Merino admite, no entanto, que a segunda escultura, que mistura a arma com o candelabro, possa afetar a sensibilidade de alguns fiéis.

“É verdade que a metralhadora é uma Uzi, uma arma de Israel famosa nos conflitos com os palestinos. Mas a intenção foi reciclar os elementos para transformar em uma coisa que não mata. No fundo a peça trata da paz”, disse ele à BBC Brasil.

A feira de arte contemporânea de Madri, Arco, é uma das duas maiores do mundo e já está na 29ª edição. Neste ano, o evento termina no próximo dia 21, embora para o público fique aberta até o dia 19.

Moralidade independe de religião, diz estudo

Herton Escobar, no Estadão, 9 fev 10

De onde vem a religião? O fato de que todas as sociedades humanas conhecidas acreditam (ou acreditavam) em algum tipo de divindade – seja ela Deus, Alá, Zeus, o Sol, a Montanha ou espíritos da floresta – intriga os cientistas, que há tempos buscam uma explicação evolutiva para esse fenômeno.

Seria a religião uma característica com raiz evolutiva própria, selecionada naturalmente por sua capacidade de promover a moralidade e a cooperação entre indivíduos não aparentados de uma população? Ou seria ela um subproduto de outras características evolutivas que favorecem esse comportamento social independentemente de crenças religiosas?

A origem mais provável é a segunda, de acordo com um artigo científico publicado ontem na revista Trends in Cognitive Sciences. Os autores fazem uma revisão dos estudos já publicados sobre o tema e concluem que nem a cooperação nem a moralidade dependem da religião para existir, apesar de serem influenciadas por ela.

“A cooperação é possível graças a um conjunto de mecanismos mentais que não são específicos da religião. Julgamentos morais dependem desses mecanismos e parecem operar independentemente da formação religiosa individual”, escrevem os autores. “A religião é um conjunto de ideias que sobrevive na transmissão cultural porque parasita efetivamente outras estruturas cognitivas evoluídas.”

O artigo é assinado por Ilkka Pyysiäinen, da Universidade de Helsinki, na Finlândia, e Marc Hauser, dos Departamentos de Psicologia e Biologia Evolutiva Humana da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

Em entrevista ao Estado, Hauser disse que a religião “fornece apenas regras locais para casos muito específicos” de dilemas morais, como posições sobre o aborto ou a eutanásia. Já questões de caráter mais abstrato são definidas com base numa moralidade intuitiva que independe de religião.

Estudos em que pessoas são convidadas a opinar sobre dilemas morais hipotéticos mostram que o padrão de julgamento de religiosos é igual ao de pessoas sem religião ou ateias. Em outras palavras: a capacidade de distinguir entre certo e errado, aceitável e inaceitável, é intuitiva ao ser humano e independe da religião, apesar de ser moldada por ela em questões específicas.

“Isso pode sugerir como é equivocado fazer juízos sobre a moralidade das pessoas com base em suas religiões”, disse ao Estado o pesquisador Charbel El-Hani, coordenador do Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Bahia. “Entre os ateus, assim como entre os religiosos, há a variabilidade usual dos humanos. Há ateus tão altruístas quanto Irmã Dulce, assim como há religiosos tão dados à desonestidade e a faltas éticas quanto pessoas não tão religiosas.”

Segundo Hauser, o ser humano não tem uma propensão a ser religioso, mas sim a buscar causas e propósitos para o mundo ao seu redor – o que muitas vezes acaba desembocando em alguma forma de divindade. Nesse caso, a religião seria um produto da evolução cultural, e não da evolução biológica. “O fato de algo ser universal não significa que faça parte da nossa biologia”, diz o pesquisador de Harvard.

Ele e Pyysiäinen sugerem que “a maioria, se não todos, dos ingredientes psicológicos que integram a religião evoluiu originalmente para solucionar problemas mais genéricos de interação social e, subsequentemente, foi cooptada para uso em atividades religiosas.”

Ao estabelecer regras coletivas de conduta, a religião funcionaria como uma ferramenta de incentivo e controle da cooperação – tanto pelo lado da salvação quanto da punição. “Que a religião está envolvida na cooperação não há dúvida. Mas dizer que ela evoluiu para esse propósito é algo completamente diferente”, afirma Hauser.